segunda-feira, 18 de maio de 2015

Rádio Blog – Mário Lago: um lutador do rádio

Rose Esquenazi




Mário Lago foi incluído, pelo pesquisador Jairo Severiano, na lista dos artistas da Era de Ouro da Música Popular Brasileira. Alguns de seus sucessos, como Amélia e Nada além, são tocados até hoje e se tornaram clássicos absolutos. Vamos conhecer um pouco da história desse carioca nascido em 26/11/1911, na Rua do Resende, 150, no Centro. Filho de maestro Antônio Lago e de Francisca Maria Vicencia Croccia Lago,  herdou a  rebeldia no sangue. Era neto de um anarquista, o flautista italiano Giuseppe Croccia. Filho único e muito mimado pelos pais.
Tornou-se marxista e chegou a ser preso seis vezes, a primeira em 1932.  Fez um comício em uma fábrica e depois saiu sozinho. Acabou preso. Mas as suas convicções não se alteraram. Depois do casamento com Zeli, filha de um comunista, abandonou a noite a boemia e juntos a vida toda, ao lado de seus cinco filhos: Antônio Henrique, Graça Maria, Mário Lago Filho, Luís Carlos (em homenagem ao líder comunista Luís Carlos Prestes) e Vanda.
Nos anos 30, Mário se formou na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, onde prevalecia a influência do Partido Comunista.  Seus contemporâneos foram Carlos Lacerda, Lamartine Babo e Jorge Amado, na época, todos identificados com a esquerda. Desde muito cedo, gostava de escrever poesia. A profissão não lhe atraiu muito e, meses depois de seu início, largou tudo e foi trabalhar como letrista no teatro de revista. Em 1933, no Teatro Recreio, estreou em parceira com Custódio Mesquita, com a música Menina, eu sei de uma coisa, que foi gravada por outro Mário, o Reis.
Torcia alucinadamente pelo Fluminense e, quando era jovem, era frequentador da Lapa. Namorou a mulher mais importante da vida de Noel Rosa: a dançarina de cabaré Ceci. Para Jairo Severiano, Mário era bem diferente de Noel: “era jovem, solteiro, bem afeiçoado e tratava muito bem a Ceci”. Já Noel, todos nós sabemos, já era casado, não era bonito, estava doente e não costumava tratar tão bem a sua antiga paixão.
Tudo acontecia no Rio nas ruas e bares da Lapa. Estavam ali as sedes dos jornais mais importantes, como o Jornal do Brasil, Diário Carioca, e as emissoras radiofônicas: a Rádio Cruzeiro do Sul, a Rádio JB, a Rádio Cajuti, a Rádio Sociedade, a Rádio Globo.  Aos poucos, Mário Lago começou a frequentar as emissoras e ficou amigo dos compositores que vendiam música no Café Nice, onde discutiam contratos e procuravam parceiros.  
A estreia no rádio mesmo foi na Rádio Panamericana, em São Paulo. Depois, trabalhou na Mayrink Veiga e na Rádio Nacional, mais de uma vez. Quando se metia em lutas políticas acabava sendo demitido. Assim foi que, pouco ante do primeiro filho nascer, teve que ir para São Paulo, a convite de Dias Gomes, que também era comunista e trabalhava como diretor da Rádio Bandeirantes. Precisava ganhar dinheiro para cuidar da família. O clima de amizade e camaradagem não foi encontrado na Capital paulista e o resultado de seu trabalho de redator não rendeu tanto. Mário disse que as lembranças de São Paulo foram devidamente apagadas.

Na fase áurea de sua vida como compositor, anos 40 e 50, contou com um grande parceiro: Ataulfo Alves. A música Amélia, escrita em 1942, fazia uma ode à mulher submissa. As feministas reclamaram, mas Mário explicou que podia ter errado, mas era para elogiar a mulher companheira, que estava ao lado do homem em todas as situações. Para os filhos de Mário Lago, não teria sido uma encomenda de Getúlio Vargas para enaltecer a mulher passiva, mas sim, uma homenagem à empregada da cantora Aracy de Almeida, dona Amélia, que lavava, passava, cozinhava, dava banho no cachorro etc etc. A música fez muito sucesso no Carnaval, na voz do coautor Ataulfo Alves. Vamos ouvir?

Atire a primeira pedra, de 1944 também fez enorme sucesso ao unir como uma luva a música e a letra. Foi outra parceira bem sucedida de Mário – considerado um dos compositores mais cultos da MPB – e Ataulfo Alves.
https://www.youtube.com/watch?v=h9mcSy_JxyM com Orlando Silva Atire a primeira pedra, de 1944.

Assim, foi uma alegria voltar para a Nacional nos anos 50. Foi ator de peso – interpretou Herodes na radionovela especial da Semana Santa, de 1959. Fez mais sucesso com autor da radionovela Presídio de novelas, no original cubano Carcel de mujeres. No início, traduzia o original, depois, passou a criar todos os episódios em que contava a vida triste das mulheres encarceradas.
CD : Vinheta faixa 20 (anúncio de Presídio de mulheres”)
Para Mário, havia duas rádios dentro da Nacional. A do 21º andar, onde ficava a equipe musical. E a dos 22º andar, onde trabalhava a equipe do radioteatro. Depois da temporada paulista, Mário Lago não poderia imaginar que o volume de trabalho havia aumentado tanto no Rio. Havia triplicado, segundo ele.
Ao aceitar o convite do diretor Victor Costa, ele tinha que escrever os capítulos de vários seriados e novelas que iam ao ar dali a minutos, terminando tudo em cima da hora, com grande estresse. Estava no fim a era dos cuidados com cada produção, com a revisão. A ordem era oferecer grande número de novelas, sendo que havia na equipe gente indicada e que não tinha a menor experiência dramatúrgica. Os famosos pistolões que sobrecarregavam a equipe artística. Como também era radioator para completar o salário, Mário tinha que ensaiar, minimamente, para não dar vexame. Ah, ele também dirigia. Por essas razões, era considerado um dos principais quadros de todo o rádio brasileiro, segundo contou a mulher Zeli ao pai de Mário Lago. Segundo o radialista Antônio Almeida, só havia 14 pessoas que sabiam fazer rádio no Brasil, “e uma delas é seu mimoso filhinho”.
Vamos ouvir pequenos trechos de três valsas de Mário Lago:
https://www.youtube.com/watch?v=4Mp7gncX570 Devolve, Não quero saber quem tu és e Será. 2: 54

Às vezes, ficava tão exausto eu ia para a casa e pedia para a mulher que o acordasse às 6h porque tinha que escrever mais um capítulo que ia ao ar às 10h!
E é claro que a consciência política o mandava a estimular a profissionalização dos radialistas, com horário fixo, pagamento de horas extras, férias etc, o que não acontecia até então. Nos anos 60, a situação política esquentava no Brasil. Segundo Mário Lago, diante do dissídio de 1962, houve uma nova resistência dos patrões. No início, a presença dos funcionários era pequena nas assembleias, mas aos poucos, foi crescendo.
Em Bagaço de beira-estrada, Mário Lago se perguntou se ele foi preso por lutar pela regulamentação da profissão. Ele escreveu: “Dos trinta dias de férias, conquista que nenhum setor ainda tinha alcançado? Dos diversos aumentos obtidos? Fiz isso. Se foi por causa disso, tudo o mais valeu a pena”.

No Ato Institucional nº1, logo depois do golpe militar, saiu a lista dos 36 demitidos da Rádio Nacional, que sofreu intervenção no dia 1º de abril de 1964. Ao lado de Mário Lago, estavam Dias Gomes, Oduvaldo Viana, Gerdal dos Santos, Mário Monjardim e muitos outros. Esses profissionais, afastados como funcionários públicos (não eram concursados), perderam o direito de procurar outros empregos. Foram renegados a uma espécie de limbo. Trabalhar novamente na época da ditadura só se fosse com pseudônimo ou se alguém, muito amigo, ajudasse. Ao tentarem corrigir essa situação, no AI2, o governo vedou os caminhos dos tribunais aos atingidos por atos do Governo Revolucionário”. (p.239)

Mário Lago e Dias Gomes acusaram César de Alencar de ter feito a lista e ter entregado aos militares. Entrevistei Mário Lago uma vez na vida. Foi quando perguntei pessoalmente o seguinte: se todos sabiam que os dois eram comunistas, como pode ter certeza que foi César de Alencar quem fez a delação? Mário não hesitou: o colega fez a lista para os militares porque queria ser diretor da Rádio Nacional.
Em 1976, ele recebeu um convite para festejar os 40 anos da Rádio Nacional. A ditadura já havia acabado, mas ele declinou, explicando a razão:
“Acredite que teria o maior prazer em sentar-me à mesa com antigos companheiros de trabalho, gente que lutou ombro a ombro comigo e com outros demitidos, para que a Rádio Nacional chegasse onde chegou, embora também corresse o risco de me ver frente a frente com um canalha  que manchou a categoria profissional com uma suja delação que tinha muito de mesquinhas vinganças pessoais, pois arrolou na infâmia muita gente que nada sabia dos fatos que lhe foram imputados.”

Tornou-se dos mais completos radialistas brasileiras, autor, ator dono de belíssima voz. Foi também escritor de memórias que viraram best seller: Bagaço de beira –estrada e Na rolança do tempo. Ele conseguiu continuar a brilhante carreira como ator de novela e seriados. Trabalhou a vida toda em mais de 50 produções na TV Globo.  Às vezes, não fazia papéis tão importantes. Foi o caso de O sheik de Agadir, em que ele fez um nazista chamado Otto Von Lucker, 1966. Mas tinha prática e garra, e acabava se sobressaindo. Se o público se lembrava dele da época do rádio, não sei. Ele trabalhou também em mais de 30 filmes, entre eles, Os herdeiros, de Cacá Diegues.  Morreu em 30/5/2002, aos 90 anos, e deixou a fama de um homem justo, grande contador de histórias.


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