terça-feira, 7 de agosto de 2018

As polêmicas do samba no rádio e na imprensa






Rose Esquenazi

     Se hoje temos um grande reconhecimento do valor do samba, nem sempre a sociedade brasileira se comportou assim. Na verdade, em 1939, houve uma grande briga entre os intelectuais sobre esse ritmo que estava se impondo nas rádios brasileiras.

     No jornal A Noite, o historiador Pedro Calmon, da aristocracia baiana, decidiu escrever um artigo em que dizia que o samba não representava o país. Justamente quando a cantora Carmem Miranda era convidada para representar o Brasil na Feira Mundial e recebeu um convite milionário para cantar nas boates e nos filmes americanos, durante um ano inteiro.

     Carmem já fazia sucesso absoluto no mundo da música. Foi a cantora que ganhou o maior cachê do rádio brasileiro, era disputadíssima entre os donos das estações. Era o xodó da Rádio Mayrink Veiga e da Tupi de São Paulo. Mas Pedro Calmon tinha traços racistas muito profundos, como explicou o jornalista e historiador Sérgio Cabral no livro “A MPB na era do rádio”, que vou citar aqui.

     Pedro Calmon reclamou da vulgaridade da baiana e do “prestígio súbito do violão, a volta da graça mulata desterrada das zonas artísticas e das esferas filarmônicas do país”. Para ele, aspas, “tudo era inverossímil, mosqueado de exageros pueris, deformado pelas imitações incultas, para inglês ver e brasileiro não se entender”.

     Assim como Carmem Miranda não tinha preconceito em relação ao samba, o romancista José Lins do Rego também só tinha a falar pontos positivos sobre o ritmo. Tanto que fez questão de escrever em O Jornal, a sua crítica contra a posição pedante de Pedro Calmon, dizendo claramente que ele era contra o samba. Nas palavras de Lins do Rego: “O acadêmico que se volta contra os ritmos da terra e a riqueza do nosso subsolo psicológico não terá forças nem de furar uma cuíca, nem de partir as cordas do violão do Patrício Teixeira, nem de fechar uma escola de samba”.

    Ouvimos o início do quadro a música O que é que a baiana tem, de Caymmi e que fez parte do filme Banana de Terra, de Wallace Downey. Agora, vamos apreciar um trecho de mais um samba de 1939 e que irritou Pedro Calmon: Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, na voz de Francisco Alves.

     O samba, como disse, atualmente é estudado, respeitado, atrai os jovens que não se cansam de compor novos sucessos e lembrar os antigos. A exposição que está aberta do Museu de Arte do Rio, o MAR, na Praça Mauá, tem justamente esse tema tão abrangente e tão carioca.

     A mostra se chama “O Rio do Samba – resistência e reinvenção”. Hoje o samba é patrimônio imaterial brasileiro, o que não é pouca coisa.  Nasceu da diáspora africana, tornou-se resistência e foi se reinventando ao longo dos dois séculos.

    Vale a pena circular pelas salas e descobrir como essa história é rica e cheia de contradições. Não foi só o acadêmico Pedro Calmon que criticava o samba. A polícia do Rio também batia em quem andava com violão debaixo do braço ou em que se reunia nas esquinas do Rio para fazer batuque. Muitos consideravam música de terreiros, de candomblé. É bom lembrar que durante muitos anos o candomblé e a capoeira eram proibidos no país. No jornal A Noite, Pedro Calmon foi explícito: “Denunciei não o samba, porém o batuque e as onomatopeias que lembram, ao luar da fazenda, o perfil sombrio da senzala”.

     No início do rádio no Brasil, nos anos 1920, essa polêmica ainda era mais intensa, principalmente porque os pioneiros preferiam a música clássica e de câmara à música popular brasileira. Aos poucos porém e principalmente devido ao samba urbano, tendo Noel Rosa e a geração dele à frente, as rádios Mayrink Veiga, Nacional e até a Sociedade, atual Rádio MEC, perceberam que o povo gostava de ouvir os rirmos que estavam mais próximos dele.

     Surgiram tantos artistas legítimos, compositores e artistas afinados. O fato se tornou um evidente: o samba faz parte da nossa alma, não há o que negar. Vamos ouvir um hino de Zé Kéti, chamado “A voz do morro”, escrita em 1955. Na letra.  o compositor diz que “o queria “mostrar ao mundo” que tinha valor. Eu sou o rei dos terreiros/ / Eu sou o samba // Sou natural daqui do Rio de Janeiro //Sou eu quem levo a alegria // Para milhões de corações brasileiros // Mais um samba, queremos samba // Quem está pedindo é a voz do povo de um país // Pelo samba, vamos cantando // É... pra melodia de um Brasil feliz. 

    Os amantes do samba podem descobrir on-line vários programas e emissoras dedicadas ao ritmo. Aqui na Rádio MEC, o programa Armazém Cultural, com Tiago Alves, das duas às cinco da tarde, de segunda a sexta, dá um show de conhecimento sobre o samba e promove compositores e intérpretes que nem sempre têm oportunidades em outras emissoras. Na Internet, os ouvintes podem começar pelo Rádio Viva o Samba, Berço de Samba e a Rádio Batuta, no Instituto Moreira Salles.

    Acaba de ser veiculado o documentário “Eu também tô aí.  Os 100 anos de Geraldo Pereira.” São 10 capítulos sobre um dos mais talentosos compositores que foi Geraldo Pereira, conhecido como “O Rei do Samba”. A concepção, pesquisa e apresentação do documentário é de Pedro Paulo Malta e Rodrigo Alzuguir. Samba de respeito sendo analisado por jovens músicos do século 21.

    Geraldo Pereira deixou obras maravilhosas, principalmente os sambas-sincopados, que significa o samba que tem ginga que lembra o andar dos bambas. Entre eles: Ela não teve paciência", "Quando ela samba",  "Você está sumindo" , “ Bolinha de papel”, “Cabritada mal sucedida”, “Falsa Baiana”.  Vamos terminar com uma das obras de Geraldo Pereira de que gosto muito, que é  “Pisei num despacho”, com Jackson do Pandeiro. Pelo visto o samba está mais vivo do que nunca.



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