Rose Esquenazi
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43385807
Em homenagem aos 80 anos da
criação do Serviço Brasileiro da British Broadcasting Corporation, a BBC, no
dia 14 e março, o site da BBC Brasil publicou três reportagens em dezembro de
2017 e março deste ano para contar o trabalho de jornalistas brasileiros que
viveram em Londres e na Itália durante a Segunda Guerra. O interessante é que o
jornalista Thomas Pappon, responsável pelas pesquisas e pelos textos, conseguiu
encontrar vários áudios inéditos que estavam perdidos no acervo da empresa e na
Embaixada do Brasil em Londres. Havia ali uma coleção de 36 discos de 78 rpm
mostrando um pouco da vida do soldado entre as batalhas travadas com o inimigo.
Por feliz coincidência, a
minha dissertação de mestrado na História da Cultura da PUC-Rio era sobre
Francis Hallawell, o Chico da BBC. E eu já tinha ouvido quase tudo. Alguns
áudios, porém, foram surpreendentes. Assim, também fui entrevistada ao lado de
outros pesquisadores como o professor Vinicius Mariano de Carvalho, do Brazil
Institute do King’s College London, e o historiador Francisco Ferraz, professor de Ciência Política na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul.
Depois de tantos anos, chegou
o momento de Francis Hallawell ser homenageado. Ele nasceu em Porto Alegre, em
1912, filho e neto de uma família inglesa. Como outros jovens, ele se ofereceu
para lutar na guerra. Mas como já estava com 27 anos, em vez da Infantaria, ele
foi alocado na BBC. Depois de trabalhar em diferentes funções na maior rádio
inglesa, como locutor e roteirista, ele se tornou o único correspondente de
rádio do lado brasileiro na Europa. Foi preciso usar tática de guerra para
atravessar o mar enfrentando a marinha e aviões nazistas para, enfim, chegar à
Itália no meio do conflito.
Francis realizou um trabalho
memorável como vocês podem ler na minha dissertação de mestrado que virou livro
chamado “O rádio na Segunda Guerra. Alô, aqui fala Chico da BBC”. Para os que
não encontrarem o livro editado pela Editora Insular, lançado em 2014, devem
procurar no Youtube as reportagens da BBC Brasil, com o título “Os sons
esquecidos dos pracinhas”. Vale a pena: trata-se de um trabalho caprichado.
Antes de os ingleses decidissem
mandar uma equipe de duas pessoas para a Itália, para ficar ao lado os soldados
e correspondentes brasileiros, foi pedido que os técnicos da BBC desenvolvessem
um equipamento para a gravação de discos.
Sempre me disseram ser de
vidro, mas descobri, com a nova reportagem, serem de alumínio leve. Esse
estúdio foi montado em uma velha ambulância pelo engenheiro de som Douglas
Farley. Era ele quem registrava as reportagens feitas por Chico da BBC já que
ficou também responsável pela unidade móvel de gravação.
Não havia ainda os satélites,
assim, depois da gravação, os discos iam de jipe até Florença pelo malote do
Exército Americano e de lá eram “irradiados”
para os estúdios da BBC em Londres. Assim que chegava em Londres, o
material era gravado em acetato e transmitido para o Brasil em ondas curtas.
Chico da BBC, apelido carinhoso conquistado por Francis Hallawell, ficou para
sempre, entrevistou soldados, comandantes, cozinheiros, carteiros da FEB
revelando o dia a dia dos acampamentos.
Chico também acompanhou shows
de música organizados pelos soldados e realizados depois da tomada de Monte Castelo, só
depois da quarta tentativa, e em outras situações comemorativas. Ele gravou uma
missa na Catedral de Pisa, onde os soldados cantaram o Hino Nacional. Visitou um hospital que recebeu os soldados
feridos. Ouvir esses áudios é como voltar no tempo, precisamente para o ano de
1944 e para 1945, quando, enfim, acabou a guerra.
Ouça um trecho do
programa que nasceu depois da visita do Primeiro Ministro Winston Churchill fez
às tropas brasileiras na Itália...
Toda a imprensa de guerra era
censurada, ainda mais com a ditadura de Getúlio Vargas. O que jornalistas como
Rubem Braga, do “Diário Carioca”, Joel Silveira e Rui Brandão, dos “Diários
Associados”, Egydio Squeff, de O Globo, Thassilo Mitke, da Agência Nacional, e
Chico da BBC, entre outros, podiam escrever? Crônicas, o gênero mais carioca
que existia. Tratavam do dia a dia dos soldados, o momento de distribuição de
cartas, a hora do rango, a música que reproduzia as situações dos programas de
calouros dos rádios brasileiros. Eles não podiam fazer jornalismo crítico ou
comentar a guerra sob o ponto de vista de alguma derrota, mortos, massacres.
Eventualmente, Chico da BBC flagrava um soldado voltando do front e, mesmo
cansado, ele falava ao microfone. Assim,
podemos ouvir a voz de Félix que não era bom na concordância no português, mas
impressionava pela coragem de ver e enfrentar as bombas caírem na frente de
batalha.
Leiam o diálogo que Chico da
BBC teve com o soldado Félix.
Chico: “Ô, Félix, de onde você
está chegando?”
Félix: “Eu tô chegando do
front.”
Chico:: “Você parece cansado.”
Félix: : “Eu tô o dia sem
dormir, tô muito cansado.”
Chico:: “Sem dormir? Mas há quantas
horas que você não dorme?”
Félix: : “48 horas.”
Chico:: “Está caindo muita coisa
lá na frente?”
Félix: : “Tá caindo muita
granada, muita bomba, metralhadora.”
A Segunda Guerra era o tempo
do rádio, mas não só para os soldados, mas também para as mães e pais, filhas,
noivas, namoradas que estavam no Brasil esperando notícias dos que foram para a
Europa. A Rádio Nacional e outras estações espalhadas pelo país tinham
autorização de reproduzir os programas feitos por Chico da BBC, na Itália, e
todos os outros realizados pela equipe do Serviço Brasileiro, em Londres. Entre
as atrações, havia peças de teatro, programas de variedades, música e
noticiário de guerra, é claro. Eram três horas de transmissão que iam ao ar
sempre à noite, na época, horário nobre do rádio.
Os brasileiros confiam nos
programas da BBC porque a emissora prima pelo equilíbrio, ao contrário das
emissoras brasileiras que estavam sob censura do Departamento de Imprensa e
Propaganda, o DIP. As reportagens de Chico da BBC traziam humanidade do front e
as famílias ficavam emocionadas com o que ouviam. Eventualmente, podiam lembrar
do parente em alguma entrevista.
Segundo o jornalista Thomas
Pappon, “a FEB tinha uma banda de música formada por cerca de 60 músicos. Essa
banda”, segundo ele, “se desmembrava em pequenos grupos para tocar em
acampamentos e circular com mais facilidade. Uma delas, era a orquestra de
jazz, formada pelo pessoal do regimento de São João Del Rey, o 11º, quase
imitando uma big band americana.” Vamos apreciar o coro brasileiro formado
pelos soldados cantando o “Hino Nacional” cantado na Catedral de Pisa. Dá para
ouvir uma bomba alemã estourando do lado de fora da Catedral, no dia 29 de
outubro de 1944.
Nenhum comentário:
Postar um comentário