terça-feira, 7 de agosto de 2018

As escolinhas como formato de humor no rádio

Antônio Carlos Pires, fama na Escolinha


                                                                                                 Rose Esquenazi

     Um dos formatos mais antigos e duradores do rádio brasileiro é a escolinha, e é possível entender a razão do sucesso. São vários personagens, tipos e vozes diferentes e um único professor. Todo o mundo que já frequentou a escola, teve colegas e, claro, um ou mais mestres.
    Muitas vezes, nos lembramos dos coleguinhas em um bordão específico ou característica apresentada no rádio e depois na TV. A mais antiga versão da escolinha foi criada na Rádio Record de São Paulo, em 1935. Com ar humorístico, a Escola da dona Olinda foi comandada pelo eclético Nhô Totico, que fez sucesso a partir dos anos 30. Depois, o programa passou para a Rádio Cultura e Rádio Mayrink Veiga. O formato foi aprovado e ganhou cópias e novas versões em outras rádios de São Paulo e do Rio de Janeiro.
      Nhô Totico, ou melhor Vital Fernandes da Silva, nasceu na cidade de Descalvado, em São Paulo, em 1905.  Ele era eclético e sabia fazer várias vozes imitando filho de japonês, italiano, o garotinho com sotaque do interior e por aí. Era um bom ator e chamava a atenção de um público ainda ingênuo e que achava maravilhoso que uma só pessoa conseguisse imitar tantas vozes, até da professora. O clima da escola era diferente nessa época. O professor brigava e ridicularizava os alunos que não respondiam corretamente às perguntas. Era claramente preconceituoso e até racista. Dava a entender que os alunos eram preguiçosos, lentos, espertalhões, enfim, tinham os mais diferentes problemas no universo escolar. 
     Certa vez, o radialista Nhô Totico teve que prestar depoimento à polícia de Getúlio Vargas, que havia criado o famigerado Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP. Era a polícia política e de costumes que se metia nos mínimos detalhes da vida do brasileiro. O problema se deu por conta de um personagem que dizia que os tomates que ele plantava eram grandes, vermelhos e maravilhosos porque tinham um segredo: o agricultor colocava o Hino Nacional para tocar, fazendo com que os tomateiros crescessem vertiginosamente. Em 1939, o DIP não gostou muito da brincadeira. 
    Nhô Totico era um craque do improviso e essa maneira de interpretar fazia muito sucesso nos primórdios do rádio.  O aparelho rádio era ainda um eletrodoméstico caro nos anos 1930 e reinava absoluto na sala de estar.  Costumava ser comandado pelas pessoas mais velhas da família, que escolhiam o momento de ligar e desligar o aparelho. Vamos ouvir o apresentador Rolando Boldrin, do programa “Sr. Brasil”, da TV Cultura, que conta um pouco da história do Nhô Totico em seu programa.
    Como disse, a fórmula da Escola da dona Olinda deu certo. No fim dos anos 30, o radialista Renato Murce lança na Rádio Transmissora do Rio, a PRE-3, o programa “Cenas Escolares”. Como era de se esperar, a escola era bastante confusa, com alunos muito bagunceiros. A professora se chamava Dona Teteca e era interpretada por Anamaria. Segundo o livro Bastidores do rádio, de Renato Murce, um dos primeiros a serem editados no Brasil sobre o rádio, havia poucos alunos. Manduca, interpretado por Lauro Borges, e Seu Ferramenta, papel de Castro Barbosa. Anos mais tarde, os dois vão criar o famoso programa humorístico PRK-30. No elenco, também estava Juvenal Fontes, que interpretada os papeis de Fedoca e Teleco e também Coronel Fagundes.
    O sucesso foi rápido, todo mundo adorava aqueles alunos bobos, burrinhos, sem noção e, algumas vezes, preconceituosos.  O que ninguém esperava é que as professoras de verdade, as verdadeiras “Telecas”, procuraram a Associação dos Pais de Família e fizeram uma queixa. Quiseram retirar o programa do ar. Os pais de família, segundo Renato Murce, foram ao DIP e conseguiram o feito: toraram o programa do ar! O protesto foi geral. A estação recebeu mais de mil cartas querendo a volta do programa “Cenas Escolares”, isso sem citar as centenas de ligações telefônicas com protestos sobre a decisão da estação.
    A imprensa comentou a proibição, vários jornalistas e cronistas escreveram sobre a proibição do DIP. Chegaram a dizer que “Cenas Escolares” era muito educativo.
     Inteligente e inconformado, Renato Murce decidiu fazer algumas mudanças no formato da escolinha. No livro, o radialista escreveu: “Não desanimei: conhecendo bem a burrice da gente do DIP, apresentei o programa transformado. Não seria mais uma escola pública. Consistiria em reuniões semanais em casa de uma professora aposentada”. Havia um bate-papo seguido de uma rápida aula noturna. Agora, o programa se chamaria “Piadas do Manduca”, nome de um dos personagens, interpretado por Lauro Borges.
     Renato tinha razão, os funcionários do Departamento de Imprensa e Propaganda não eram muito inteligentes. Os chamados “sábios”, segundo Murce, que se tornou o professor, aprovou. E ainda colocou no livro a justificativa do DIP: “Ah. Assim é outra coisa! Está muito bem!”
     O programa Piadas do Manduca ficou 25 anos no ar e teve no elenco, nos primeiros tempos, além de Lauro Borges e Castro Barbosa, o ator Brandão Filho e Sara Nobre.
    Ouça no YouTube Piadas do Manduca. Quando foi transferido para a TV, entraram outros atores: Viviani, Anamaria e Eliana, famosa nos filmes de chanchadas e que foi esposa de Renato Murce.
       A Rádio Mayrink Veiga do Rio decidiu fazer a sua própria versão do formato das escolinhas. O roteirista Haroldo Barbosa se juntou ao radioator Chico Anysio e juntos escreveram a Escolinha do Professor Raimundo, em 1952. Chico era o professor mas, na verdade, era uma escada para as piadas de apenas três personagens no começo da atração. Havia o sabichão, interpretado por Afrânio;  o burrinho, papel de João Fernandes; e o espertalhão, feito por Zé Trindade. Mais tarde, entraria mais um personagem, o mineiro desconfiado, interpretado por Antônio Carlos Pires, que muitos anos mais tarde se tornaria pai da atriz Glória Pires.
      É bom lembrar como Chico Anysio, cearense de Maranguape, chegou no rádio. Depois de uma crise econômica, o pai de Chico perdeu em um incêndio a sua garagem de ônibus, o garoto veio para o Rio junto com a mãe, aos 8 anos. Ele adorava jogar bola e acompanhar os jogos pelo rádio. Mais velho, Chico estava indo para um campinho para jogar futebol quando encontrou com a irmã, Lupe. Ela estava indo fazer um teste na Rádio Guanabara. Foi quando o cearense descobriu que havia se esquecido do par de tênis em casa. Resolveu acompanhar Lupe já que não estava fazendo nada. Assim, decidiu fazer o teste também. Passou em segundo lugar para a função de speaker, locutor. Em primeiro lugar, ficou Silvio Santos. No teste para radioator, também ficou em segundo lugar. No primeiro, ganhou Fernanda Montenegro.
      Não se sabe bem porque, aos 19 anos, Chico Anysio voltou para o Ceará, onde trabalhou na Rádio Clube Pernambuco e na Clube do Brasil. Sentiu falta da Capital e foi assim que, em 1952, ele estava de volta estreando a Escolinha do professor Raimundo Nonato, na Rádio Mayrink Veiga. Chico Anysio entrou para o mundo do rádio e, como se interessava pelo humor, acabou indo para a Mayrink Veiga que tinha um grande time de humoristas. Os melhores programas de humor no Rio de Janeiro estavam lá. Ele sempre dizia que tudo que aprendeu foi a partir do convívio diário com Haroldo Barbosa, Max Nunes e outros craques.
      Infelizmente, não se guardou nenhum áudio desse programa da Mayrink. Por essa razão, não vamos ouvir um trecho do programa que passou da Mayrink para a TV Rio, em 1952.  Depois, foi a vez da Excelsior e finalmente a TV Globo, quando estreou em 1973. Vamos conhecer um trecho do programa já com a definição de sitcom. Ao todo o programa ficou no ar durante 38 anos. 
      Outras escolas foram fundadas, como a Escolinha do Golias, a Escolinha do Barulho, Uma escolinha muito Louca, Escolinha do Gugu e Supletivo do Céu. Mas a que fez mais sucesso foi mesmo a Escolinha do Professor Raimundo. Vamos ouvir um trecho da Escolinha do Gugu. O personagem que aparece, interpretado por Geraldo Magela, é um cego muito bem humorado.
     Nos últimos anos na Globo, a Escolinha do Professor Raimundo reunia muitos os alunos. A sala era cheia, as piadas repetitivas, mas o carisma de Chico Anysio era insubstituível. Certa vez, perguntei porque tinha tantos atores veteranos no programa. Não foi o próprio Chico quem me disse, mas soube que aqueles atores maravilhosos não tinham como pagar o plano de saúde e ninguém mais na TV ou no cinema e teatro ligava para eles. Na época, a TV Globo ainda fazia um tipo de contrato que incluía o plano e foi assim que antigos humoristas puderam relaxar um pouco com essa garantia, além de confraternizar com os antigos colegas do rádio e da TV. 
     Encontrei no YouTube uma homenagem a todos os atores que passaram pela escolinha e que já se foram. A referência continua tão grande que o Canal Viva reprisa essas séries, sempre com muita audiência. Além disso, foram lançados quatro DVDs com episódios do programa, a partir da Turma de 1990. 
     Chico Anysio morreu aos 80 anos em 23 de março de 2012, deixando muitas saudades. Talvez por essa razão o canal Viva, em 2015, decidiu produzir um remake de sete episódios com três parentes do humorista. O filho Bruno Mazzeo, que foi redator na antiga Escolinha passou a ser o professor, papel de seu pai. O slogan "E o salário, ó...", pegou para sempre. O também filho de Chico, Nizo Neto, anteriormente o seu Ptolomeu, passou para a redação. Ele costumava dizer "Nem tanto, mestre".  Marcos Caruso brilha tanto quanto o ator Orlando Drummond, no personagem seu Peru, que diz: "Peru com mel de Vila Isabel". Marcelo Adnet também dá show como o puxa-saco Rolando Lero, "Amado Mestre".  A direção ficou com a sobrinha de Chico Anysio, Cininha de Paula. Os personagens fizeram tanto sucesso que ganharam outras edições além dos sete episódios previstos no começo. Aos domingos, às 12h45, na TV Globo, A Escolinha do Professor Raimundo – Nova Geração vai ao ar e continua encantando o público. Vai entender o mistério!


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