Rose Esquenazi
Waldir Azevedo era um músico genial. Nascido em 27 de janeiro de 1923, vinha de uma
família pobre, que morava no bairro da Piedade. Depois foi morar no Engenho
Novo, outro bairro carioca. O interesse pela música começou cedo. Para comprar
uma flauta transversal, aos 7 anos, o menino vendia os passarinhos que
capturava no mato. Olhe que atitude mais politicamente incorreta: naquela
época, não era tão malvista. Três anos
mais tarde, apresentou-se no Jardim do Meier, tocando Trem Blindado, de João de Barro, músico
que ele foi conhecer anos mais tarde.
Aos poucos, jovenzinho, Waldir
se reunia para tocar com conhecidos. Passou para o bandolim e depois para o cavaquinho.
Nunca ninguém tinha prestado atenção nesse instrumento relegado ao segundo
plano. O violão elétrico havia se imposto naqueles tempos. Waldir começou a
descobrir o potencial do cavaquinho e a conhecer a alma de suas cordas. Foi trabalhar
na Light, companhia de iluminação do Rio, onde ganhava muito pouco. Era melhor
do que nada.
Conheceu Olinda, que seria a
sua mulher, ainda sonhando em ser piloto de avião. O coração frágil não deixou
que ele continuasse tentando. Nesse meio tempo, teve sorte de ser lembrado pela
Rádio Clube do Brasil. O grupo do famoso músico Dilermando Reis precisava de um
cavaquinista. O convite foi feito quando Waldir Azevedo tinha 22 anos, em 1945.
Em plena lua de mel, ele decidiu voltar para o Rio. As portas foram abertas: o
grupo de Dilermando era brilhante. O choro ganhava as ondas sonoras como autêntica
e maravilhosa música brasileira.
Acabamos de ouvir na abertura
a música Brasileirinho, que começou a
ser composta em 1947. Tudo começou quando um sobrinho de Waldir pediu que o tio
fizesse uma música para ele. Waldir disse que não podia porque o cavaquinho que
tinha em casa só tinha uma nota: o ré. O instrumento bom estava na Rádio Clube.
Tal foi a insistência, que o músico começou a compor uma música só com a nota
ré. Ouça no YouTube um trecho desse mesmo choro Brasileirinho, que ganhou letra de
Pereira da Costa, em 1950, interpretado por Ademilde Fonseca.
Brasileirinho foi a
primeira música de Waldir Azevedo e rendeu uma fortuna na época em direitos
autorais. Coisa rara. Passou a ser tocada em vários países e se tornou
popularmente conhecida.Segundo a revista Rolling Stones, Brasileirinho está em 53º lugar
entre as 100 maiores canções brasileiras de todos os tempos. Incrível, não
é?
Segundo
Henrique Cazes, excelente músico e pesquisador, no seu livro Choro, do quintal ao Municipal, o grande
mérito de Waldir Azevedo foi “tocar
com a mão direita solta, de maneira a obter grande volume do instrumento”.
Ainda segundo Cazes, Waldir “usava as
cordas bem altas para não estalar e, assim, manter seu padrão de sonoridade”.
Havia outro segredo também: a grande simplicidade. Certa vez, Waldir tentou
tornar mais complexas as composições achando que ultrapassaria seus próprios
limites. Foi mostrar a obra ao talentoso Radamés Gnatalli e a resposta do
maestro foi surpreendente: “Ô, Waldir, não mexe nisso, não. Tava tão bom como
era...”
O cavaquinho
passou a ter vida própria nas mãos de Waldir. Com seu grupo musical, durante 11
anos, viajou pela Europa e América Latina. Na BBC londrina, apresentou-se em um
programa transmitido para 52 países. Integrou as Caravanas da Música
Brasileira, patrocinadas pelo Itamaraty. E
continuou compondo maravilhas como Chiquita,
Vê Se Gostas e Pedacinhos do Céu.
O pesquisador Henrique Cazes
contou que só em um aspecto o sucesso mudou a cabeça de Waldir. Ele perdeu
todos os fios de cabelo. Inconformado, passou a usar peruca, que às vezes não
combinava muito com seu visual.
Uma tragédia, porém, tornou o
músico muito deprimido. Mais velha das duas filhas, Miriam tinha 18 anos quando
morreu em um acidente de carro. Waldir sofreu uma grave depressão. Vivia
olhando para fora da janela como se estivesse esperando por uma pessoa que não
aparecia. Com a mudança da outra filha , Marly, para Brasília, em 1971, Waldir
foi junto. Passou a morar em uma casa grande, com jardim. Tornou-se presidente da União
Brasileira de Compositores, a UBC. Já sabia ler e escrever música e assim seguiu
compondo.
Tudo foi bem na vida de Waldir
até ocorreu outro acidente. O músico teve a ponta do dedo anular no cortador de
grama. Ele foi socorrido na emergência. O médico pediu que a esposa de Waldir
corresse em casa e encontrasse o pedaço do dedo para reimplante. A cirurgia foi
bem sucedida, mas o músico achou que
jamais continuaria a tocar como antes.
Aos poucos, ele conseguiu
superar mais esse trauma e voltou a tocar. Com o violonista Hamilton Costa e o
cavaquinhista Assis, passou a frequentar o Clube do Choro. Nessa volta, achou
que não teria público para prestigiá-lo, mas ele estava errado. O show marcado no
Teatro Nacional de Brasília fez sucesso. O público não havia se esquecido do famoso
instrumentista. Ouça no YouTube Delicado,
outra composição de Waldir Azevedo, que fez enorme sucesso no rádio, vendendo
milhares de discos.
Waldir
Azevedo morreu aos 57 anos, cedo ainda. Sofreu um aneurisma da aorta abdominal,
em 1980, em São Paulo. Ele havia começado as gravações de um novo álbum, mas
não concluiu. Em
2006, aconteceu uma história muito interessante. Quase trinta anos depois da
morte de Waldir, Ronaldo da Conceição Junior, o Ronaldinho, que costumava fazer
transporte alternativo e tocar cavaquinho na Cidade de Conservatória, recebeu
um elogio de um turista que comparava o jeito do rapaz tocar com a de Waldir
Azevedo. Certa vez, dona Olinda, viúva de Waldir, que nunca havia aberto a casa
dela para ninguém, convidou Ronaldinho para conversar com ela. Isso porque
aconteceu uma incrível coincidência.
Olinda
ouviu o rapaz tocando em um consultório médico. Por instantes, ela achou que era
o marido quem estava no cavaquinho. Trinta anos depois da morte, o jovem foi à
casa de dona Olinda e os dois descobriram que era o dia 27 de janeiro, aniversário
de Waldir. Segundo Marta Paes, em uma reportagem de O Globo, em abril de 2014, Ronaldinho recebeu o acervo de Waldir
Azevedo e começou a sonhar em abrir um Instituto com o nome do músico.
Graças
à doação do presidente da Light, José Luiz Alquerés, e do músico José Luiz Teixeira, Ronaldinho fundou
o Instituto Waldir Azevedo, em Conservatória.
Dona Olinda morreu em 2011, mas propagou da melhor forma possível as
obras do marido. De acordo com a reportagem de Marta Paes, a filha Marly
revelou que o pai sempre tocava para os doentes e dependentes de drogas em
Brasília. Nunca tinha contado isso para ninguém. O Instituto tem esse mesmo objetivo:
levar a música para todos.
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