Rose Esquenazi
As estações brasileiras dos anos 40 aos 60 não tocavam apenas música nacional.
Diversos hits internacionais, em inglês, francês, espanhol e italiano, fizeram
muito sucesso por aqui. Havia democracia musical nas rádios. Alguns cantores e
grupos estrangeiros não saíam das paradas de sucesso da Rádio Mundial, Tamoio,
Nacional e Tupi. Frank Sinatra, Bing
Crosby, Pat Boone,Tony Bennett, Four Aces, Dean Martin eram famosos por
aqui. Hoje vou falar de uma dessas estrelas: Nathaniel Adams Coles, o Nat King
Cole, com sua deliciosa voz, belo timbre e afinação perfeita. Em 1954, ele
ficou em terceiro lugar com a música Blue
Gardenia. Era comum, na época, que esses
hits ganhassem versões em português. Cauby Peixoto, por exemplo, brilhou na
Nacional cantando a mesma Blue Gardenia.
Nat King Cole veio ao Brasil em 1959 e lotou o estádio do Maracanazinho, o
Tijuca Tênis Clube e o Copacabana Palace. Os fãs compravam seus discos. Ele também
gravou em espanhol e, algumas músicas, em português. Era, também, popular no
cinema e frequentava as páginas da imprensa. Ninguém imaginava que ele sofria preconceito
por ser negro na América segregada. O
racismo, muito ativo, obrigou que ele passasse por difíceis provas. E ele sempre
enfrentou com dignidade as agressões, tentando o diálogo e a conciliação.
Segundo os estudiosos, fez mais pelo movimento negro do que muitos militantes que
queriam partir para o confronto.
Há uma gravação de 1964 chamada l.o.v.e., muito bonita como tantas obras
que Nat interpretou. O cantor nasceu em Montgomery, Alabama, em 17 de março de 1919. Filho
de Edward, açougueiro e, ao mesmo tempo diácono da Igreja Batista, costumava
frequentar a igreja, onde cantava
no coro. Aprendeu a tocar piano com a mãe, Perlina. O apelido King Cole veio de
uma antiga música de criança chamda Old
King. O nome artístico pegou para sempre. Na juventude, quando era um
excelente pianista, Nat formou algumas bandas de jazz. Durante a
Segunda Guerra, o King Cole Quartet ficou popular entre os soldados que ouviam discos
gravados especialmente para eles.
Em 1943, Nat gravou seu primeiro sucesso, Straighten
Up and Fly Right. A letra era
baseada em uma história que o pai costumava contar nos sermões. Nada menos do
que 500 mil cópias foram vendidas dessa canção que, para muitos estudiosos,
pode ter antecipado a onda rock n’ roll. O cantor preferia dizer que nunca foi
roqueiro. Mas foi sem
querer que ele começou a cantar em uma boate. Naquela noite o cantor faltou e,
praticamente, obrigaram Nat King Cole a cantar. Ele tentou argumentar que era
só um pianista. Mas não adiantou. Os frequentadores gostaram de sua voz. Observe a letra desse sucesso intitulado Nature
Boy:
Havia um menino/Um menino muito estranho e encantado/Dizem que ele vagava muito longe, muito longe/Por terra e mar/
Um pouco tímido e de olhar triste/Mas muito sábio ele era/E, então, em um dia/Um dia mágico, ele passou pelo meu caminho/E enquanto falávamos de muitas coisas/Tolos e reis/Isso ele me disse/A única e maior coisa que você irá aprender/É simplesmente amar e ser amado em troca
Um pouco tímido e de olhar triste/Mas muito sábio ele era/E, então, em um dia/Um dia mágico, ele passou pelo meu caminho/E enquanto falávamos de muitas coisas/Tolos e reis/Isso ele me disse/A única e maior coisa que você irá aprender/É simplesmente amar e ser amado em troca
Nat King Cole passou a ganhar muito dinheiro
com a sua música. Fazia shows, viajava e estava nas paradas de sucesso. Casou-se
com a cantora Maria Cole e teve cinco filhos, entre naturais e adotivos. A
filha, Natalie Cole, se tornou famosa intérprete. Na
infância, ela costumava acompanhar o pai na Capitol Records, durante as sessões
de gravações de discos.
Para a família, a questão da negritude esteve sempre muito presente, desde
o tempo em que Nat tocava em cassinos em Las Vegas, e era obrigado a ficar
hospedado em hotéis de péssima categoria, só por ser negro. Ou de ter que entrar
pela porta de serviço quando era contratado para tocar em algum hotel
requintado. Nat King Cole ficou amigo de grandes músicos. Um desses, Frank
Sinatra, se recusava a ficar em um hotel onde Nat era proibido de se hospedar.
O cantor resistiu a muitas agressões porque era uma pessoa centrada.
Ao decidir comprar uma casa em um belo
condomínio em Los Angeles, em 1948, ele levou um susto. Os vizinhos
supremacistas, alguns da KuKluxKlan, fizeram um movimento para retirá-lo dali.
Na opinião deles, um negro desvalorizava o lugar.Chegaram a envenenar o
cachorro da família e a queimar na grama a palavra negro. Nat manteve-se firme
e, na reunião com outros moradores, ouviu que eles deveriam se livrar dos
moradores indesejáveis. Ao ouvir isso, Nat disse que concordava: ele mesmo
denunciaria se encontrasse uma pessoa indesejável no condomínio.
Nat se recusava a se apresentar para as plateias segregadas nos Estados
Unidos, uma afronta para qualquer ser
humano. Apesar de parecer tão calmo e equilibrado, o cantor extravasava as frustrações
fumando três maços de cigarro por dia. Continuou gravando um sucesso atrás do outro, como Mona Lisa,
Stardust, Fascination, Unforgettable, Christmas
Song, o tango Quizás, quizás, quizás e Noche de Ronda, das foram gravadas em
espanhol.
Primeiro negro a ter um programa de televisão nos Estados
Unidos, Nat King Xole conquistou a audiência. Os empresários perceberam como ele era querido nas casas noturnas e quiseram
mostrá-lo na TV, para todos aqueles que não podiam pagar couvert artístico. The Nat King
Cole Show estreou
na NBC-TV em 1954 e e seu programa teve dois anos de duração. A atração reunia grandes nomes da música
americana e era muito bem estruturada. Chegou a obter grandes audiências na
época. Mesmo assim, gerou críticas justamente por ter um apresentador negro. Por
falta de patrocínio de âmbito nacional, claramente motivado por racismo, o
programa foi cancelado.
Nat passou a trabalhar mais no cinema. Segundo os críticos, ele não
atuava tão bem quanto cantava e tocava piano. Ele esteve no elenco de A Gardenia azul, de 1953, No Umbral da China, de 1957, Istambul, de 1957, Lamento negro, de 1958, e Dívida
de sangue, de 1965, entre outros.
Quando cantava Little Girl, em um palco no Alabama, em
1956, Nat King Cole foi atacado por três homens de um grupo supremacista, que
tentaram sequestrá-lo. Os seguranças agiram rápido, mas o cantor chegou a cair
e se machucou. Depois disso, nunca mais quis se apresentar no Sul dos EUA. No
mesmo ano de 1956, mais uma vez, agora em Cuba, no tempo da ditadura de
Fulgencio Batista, Nat foi proibido de se apresentar no bar do Hotel Nacional. Negros
não entravam ali. Mas no Tropicana, também em Cuba, fez grande sucesso.
Nat King Cole chegou ao Brasil no dia 15 de fevereiro de 1959. Os fãs
foram recebê-lo no Galeão com várias faixas de boas-vindas. O rei da noite
carioca, Carlos Machado, da boate Night and Day, também estava lá para prestar
as homenagens ao talento internacional. Para os repórteres, Nat disse que
estava sem tempo para conhecer Brasília, que seria inaugurada poucos meses depois,
em abril de 1960. Nat veio acompanhado da mulher, Maria, seguindo uma excursão
pela América Latina. Na reportagem do Globo,
o texto se refere a ele como colored, um eufemismo para negro. O
jornal publicou uma foto de Nat cantando e tocando a música Fascinação no piano para o presidente Juscelino Kubitschek. Mais
tarde, foi com sotaque carregado que ele gravou Ninguém me ama, em português.
Provavelmente poucas pessoas das novas gerações ouviram falar de Nat King
Cole. Uma pena. Fazemos aqui uma homenagem ao cantor que morreu em 1965, em
Los Angeles, vítima de câncer. Ele tinha apenas 46 anos. Em 1991, a filha dele, Nathalie Cole. decidiu
se arriscar. Pediu que os engenheiros de som recuperassem a gravação de Unforgetablle, de 1951. E fez um duo com o pai, lançando a
novidade em 1991. No ano seguinte, graças a essa gravação feita com Nat, que
havia morrido 26 anos antes, Nathalie ganhou quatro prêmios Grammy. Ela morreu aos 65 anos, em 2012, deixando a homenagem considerada
mágica e transcendente.
MEU PAI TRABALHOU NA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA-DF... E CONTAVA PRA GENTE QUE ASSISTIU NAT KING COLE CANTANDO PARA O PRESIDENTE JUSCELINO, LÁ EM BRASÍLIA. ISSO FAZ SENTIDO?
ResponderExcluirEU SOU FÃ DELE PORQUE MEU PAI ERA TAMBÉM...
Era a Voz de Veludo ,até hoje não apareceu outro com a mesma tonalidade .O racismo que o impedia de cantar em certos lugares ,mostra o quanto são medíocres e doentes quem o pratica e ficavam privados de ouvir a voz de Nat .Foi louvável a atitude dele em não mais cantar no sul dos Estados Unidos e melhor ainda seria em não cantar em boates ou casas de show em que tivesse que entrar pelos fundos .O preconceito foi um dos motivos da quada do ditador Fulgêncio Batista .embora não aprove o comunismo ,esta segregação não existe hoje em Cuba .
ResponderExcluir