domingo, 7 de janeiro de 2018

Ele diz que tem: Vicente Paiva


Rose Esquenazi







          Poucos conhecem a obra de Vicente Paiva, grande compositor e também maestro, arranjador e pianista. O sambista compôs a música  Ela diz que tem, interpretada por Carmem Miranda, foi sucesso absoluto. Nascido em São Paulo, em 18 de abril de 1908, Vicente Paiva Ribeiro começou a carreira em 1926, em Santos, como pianista. Atraído pelas oportunidades da Capital Federal, mudou-se para o Rio de Janeiro onde se empregou na orquestra de Simon Bountmann. Do piano passou à interpretação: tornou-se cantor e gravou sambas  como Beijar não é pecado, de Oscar Cardona, e Machuca, de Donga e De Chocolate.
          Em 1936, tornou-se compositor, junto com Jararaca, criando uma das mais famosas composições do Carnaval de todos os tempos: Mamãe, eu quero mamar. Não vou incluir aqui a versão original porque todo o mundo já ouviu. Mas, a história dessa música, talvez poucos conheçam. José Luis Rodrigues Calazans, o Jararaca, foi uma criança que quis mamar até ser um garoto bem crescido e esse fato ficou em sua memória. Quando tentava uma oportunidade no Rio de Janeiro encontrou Vicente Paiva que se tornou seu parceiro. Os dois lançaram a marcha em 1937 e fizeram tanto sucesso que  a música ganhou uma versão feita pelo americano Bing Crosby ganhando as paradas de sucesso nos Estados Unidos. I want my mama foi parte da trilha sonora do filme Serenata tropical, de Carmem, em 1941. 
          Mamãe, eu quero  também ganhou versões até em árabe, hebraico, francês, espanhol e numa língua nativa do Taiti. Outras músicas de Vicente Paiva foram gravadas por Carmem Miranda, a primeira grande estrela do rádio brasileiro, a  primeira a ganhar cachê, na Rádio Mayrink Veiga e depois na Rádio Tupi. Antes mesmo da temporada nos Estados Unidos, a Pequena Notável gravou com o Conjunto Odeon, em 1940, o chorinho Disso que eu gosto, de autoria de Vicente e Luis Peixoto.

         A grande fase profissional de Vicente Paiva foi como diretor musical do Cassino da Urca. De 1934 a 1945, a Urca competia com os cassinos Atlântico e Copacabana Palace. Por isso, houve grandes investimentos para que o Cassino da Urca  se tornasse um lugar glamouroso e contratasse famosos  cantores e músicos da Rádio Nacional. Mas não foi só isso: era preciso fazer shows impactantes que poderiam estar à altura da Broadway de Nova York. Entre um show ou outro, os frequentadores endinheirados experimentavam uma carne maravilhosa feita no Grill e, lógico, apostavam alto no jogo. Nos arranjos e comando de uma das orquestras, muitas vezes estava Vicente Paiva.
          Em 1935, ele compôs Marcha do Cordão da Bola Preta, com Nelson Barbosa. Até hoje, no Carnaval, milhares de pessoas saem no Cordão e sabem de cor a letra da música, chamada também de Segura a chupeta e diz assim:

         Quem não chora não mama! / Segura, meu bem, a chupeta / Lugar quente é na cama / Ou então no Bola Preta //// Quem não chora não mama! / Segura, meu bem, a chupeta //// Lugar quente é na cama / Ou então no Bola Preta. //// Vem pro Bola, meu bem / Com alegria infernal! / Todos são de coração! / Todos são de coração / Foliões do carnaval /// Sensacional!.
          Carmem Costa gravou a música em 1962.

          O maestro Vicente Paiva notou que sempre havia alguém cantando Happy Birthday nas mesas do Casino da Urca quando algum americano fazia aniversário. Achou a música suave, fácil de guardar na cabeça. Passou a tocar sempre que alguém comemorava aniversário no Cassino. Em 1942, o radialista Almirante, que trabalhava na Rádio Tupi, decidiu fazer um concurso para escolher a melhor letra de uma possível versão brasileira  para a música Parabéns pra você. Cinco mil participantes mandaram as suas letras para a emissora de Chateaubriand e acabou vencendo Bertha Celeste Homem de Mello, paulista de Pindamonhangaba.
         Vicente Paiva se casou com Amália e os dois ficaram muito amigos do casal Dalva de Oliveira e Herivelto Martins.  Juntos, eles fizeram temporadas pelo país e puderam ver o casamento de Dalva e Herivelto entrar em crise e acabar dramaticamente. Para Dalva, Vicente Paiva compôs uma das mais bonitas músicas de seu repertório: Olhos verdes. Dalva tinha olhos verdes.
          Muitos anos mais tarde, Gal Costa ficou conhecida por interpretar essa mesma música,  mas não de forma tão dramática ou lírica como Dalva. A letra escorrega em algumas palavras como cambucais, cismadores e por aí vai, mas a orquestração é perfeita revelando um Brasil com autoestima alta. Em 1961, Olhos verdes participou de um Festival de Berlim, a convite da República Federal da Alemanha.  Atenção para a letra de poesia estranha:
           
Na Graça Toda das Palmeiras / Esguias Altaneiras a Balançar / São Da Cor Do Mar Da Cor Da Mata / Os Olhos Verdes Da Mulata / Tão Cismadores e Fatais, Fatais / E Num Beijo Ardente Perfumado / Conserva o Cravo Do Pecado
Dos Saborosos Cambucais.
         
          Quando Carmem Miranda voltou ao Brasil, depois do primeiro ano nos Estados Unidos, a cantora sofreu uma espécie de bullying  da elite do Cassino da Urca. Achavam que ela havia se vendido para os americanos, não suportavam vê-la ganhando em dólares e fazendo mais sucesso do que eles.

           Atendendo um pedido de dona Alzira Vargas, Carmem cantou em um show beneficente no Cassino e conseguiu pouquíssimos aplausos dessa classe de pessoas identificadas com os ideais nazifascistas. Enquanto Carmem esperava por novo contrato americano, o dono do Cassino, Joaquim Rolla, pediu que os compositores criassem obras para mostrar que a cantora continuava sendo muito brasileira. Duas delas vieram da safra de Vicente Paiva, a que ouvimos no início do quadro, Ela diz que tem, com Aníbal Cruz, e Disseram que voltei americanizada, com Luis Peixoto.
           Quando o presidente Dutra proibiu os cassinos no Brasil, em 1946, todos os artistas e funcionários ficaram desempregados do dia para a noite. Muitas pessoas entraram em desespero, mas não Vicente Paiva. Nas minhas pesquisas, descobri que ele se tornou taxista, abandonando a carreira musical.

         No mesmo ano de Olhos Verdes,  em 1951, Vicente Paiva produziu outro mega sucesso para Dalva de Oliveira: Ave Maria, com Jaime Redondo. Era costume as estações de rádio de antigamente incluírem às 18h uma música religiosa. A tarde caía, a noite chegava, nada melhor do que agradecer por mais um dia de vida. A Rádio Jornal do Brasil, por exemplo, tinha um clássico de Dunshee de Abranches chamado Ave Maria, que ficou muito popular. Mas a Ave Maria de Vicente Paiva na voz de Dalva marcou muito. Vicente Paiva morreu aos 58 anos, em 18 de fevereiro de 1964. Era pai da vedete Dayse Paiva.

2 comentários:

  1. oi Rose, adorei seu artigo. Sou Orlando Avila Kilesse ,neto de Vicente Paiva.
    minha mae foi casada com o filho dele,Decio Paiva.
    estou começando um documentario sobre ele e estou recolhendo informações.
    a historia que ele se tornou taxista é verdade.meu pai me falou a respeito. vc poderia colaborar com minha pesquisa? obrigado. meu mail é : orlatoonsfilmes@gmail.com

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  2. em tempo:meus pais faleceram em 2019,antes minha tia Dayse Paiva e sua mae Amalia,ja tinha partido em 2010,me sobraram poucas referencias e uma caixa de fotos.

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