Rose Esquenazi
Sempre é bom falar sobre Noel Rosa, ainda mais quando há uma efeméride.
Há 80 anos, em 2016, Noel nos deixou, com apenas 26 anos de idade. A obra de sua autoria é espetacular. Vamos contar um pouco sobre os amores do Poeta da Vila que
viveu grandes romances, namoricos e paqueras. O compositor foi um intenso namorador, apaixonado pelas mulheres. Pesquisando em livros, como o de João Máximo e Carlos Didier, e em sites,
como o de Luís Nassif, descobrimos que Noel Rosa gostava de viver a noite,
bebendo e cantando com os amigos, onde quer que fosse. Podia ser na Lapa, Mangueira,
Gamboa, Glória ou em seu bairro de origem: Vila Isabel. Em todos esses lugares,
ele encontrou mulheres como Clarinha, Fina,
Julinha, Lindaura, Ceci, quase todas transformadas em musas
inspiradoras. Dizem os biógrafos, e não são poucos, que a primeira namorada de
Noel foi Clarinha, Clara
Corrêa Neto. Para a namorada da juventude ele compôs Não morre tão cedo. A música ficou inédita até ser gravada por
Vânia Bastos, em 1992. Até o fim da vida, segundo o jornalista João Máximo, Clarinha
foi apaixonada por Noel.
O namoro não resistiu às mentiras de
Noel. Assim que ele saía da casa de
Clara, na Rua Barão do Bom Retiro, em Vila Isabel, ele ia direto para a de Josefina Teles Nunes (Fina),
na Rua Moju, no mesmo bairro. Fina perdeu o pai e teve que trabalhar para
ajudar a sustentar a família. Noel havia comprado um carro de segunda mão e
perseguia a moça pelos bairros da Tijuca e Andaraí. Fina não disse exatamente
onde estava trabalhando e, certo dia, quando o compositor a viu perto da
Fábrica de Tecidos Aliança, deduziu que era lá. Só que Fina tinha ido levar
comida para irmã, também operária. Fina cumpria horário em outra fábrica: a de
botões Hachiya. Três
apitos tanto fala de Fina quanto da vida no subúrbio dos anos 30. Os
apitos das fábricas funcionavam para despertar e sinalizar o começo e o fim do
expediente. Na interpretação de Aracy de Almeida, uma das prediletas
intérpretes das músicas de Noel, Três
apitos só foi gravada em 1951, 14 anos depois da morte do compositor. Ah,
ele nunca namorou Aracy.
Noel Rosa não era um rapaz bonito, longe disso. Franzino, com defeito no
queixo, marca do nascimento a fórceps, mesmo assim, ele conseguia conquistar as
meninas. O maior charme era compor músicas divertidas e curiosas com grande facilidade. Com Prato Fundo, ele conquistou
os familiares de Fina. Quando o convidavam Noel para jantar. O rapaz com
queijo defeituoso mentia: “Já jantei, obrigado”. Na verdade, ele quase não
comia e ficava horrorizado ao ver a quantidade com a qual os parentes da
namorada se serviam em pratos fundos. Vamos ouvir Prato Fundo na voz de Almirante, o grande amigo de Noel e integrante
dos dois primeiros grupos musicais que eles formaram na juventude: o Flor de
Tempo e o Bando dos Tangarás.
Noel começou a frequentar as casas
noturnas da Lapa. Ele já estava fazendo carreira sozinho e ganhava algum
dinheiro. Em uma dessas casas noturnas, ele conheceu uma mulher mais velha, Júlia Bernardes. Julinha trabalhava em diferentes cabarés e se tornou
próxima do compositor. Eles namoravam em um barracão na Penha,
local afastado dos olhares da mãe de Noel. Para Julinha, ele compôs Meu barracão e Cor de cinza. Eles se amavam, mas brigavam bastante. Tanto
que, um dia, Julinha jogou o violão de Noel nas águas de um rio. Os críticos
até hoje não sabem se a música Pra
esquecer teria sido feita para Julinha. Em uma entrevista para a revista Carioca, Noel teria negado essa possibilidade.
Um dos versos diz: “a luva no carro é um
documento daquela que me esqueceu”. Aracy de
Almeida interpreta Cor de cinza, música que está no YouTube.
Na primeira participação que fiz para o
seu programa, há mais de três anos, colocamos para tocar uma entrevista de Lindaura Pereira da Mota.
Ela foi a única mulher que se casou com Noel, só que na polícia. Há
controvérsia sobre a idade que a moça tinha nessa ocasião, 13 ou 17? O fato é
que a mãe de Lindaura descobriu que ela havia transado com o compositor, talvez
estivesse grávida. Foram todos para a chefatura de polícia e selaram o
compromisso na marra. Parece que tudo começou em um hotel na rua Senador
Euzébio, perto da Praça Onze. Só que na ocasião caiu uma forte chuva na cidade
e o casal não conseguiu sair de lá.
Noel não gostava da ideia de casamento, sempre disse isso. Certa
vez, disse que preferia ser preso a se casar. Mas não foi isso que aconteceu
com Lindaura. Ele foi se encontrar com Clarinha e pediu desculpas. Para
Clarinha, ele compôs, Não morre tão cedo.
Nos versos, Noel revela que “uma pessoa tão boa, tão boa, que até dormindo, perdoa”.
Já para Lindaura, Noel escreveu Cansei de pedir porque ele queria sumir daquele
casamento infeliz. O poeta é claro:
Já
cansei de pedir / Pra você me deixar / Dizendo que não posso mais /
Continuar amando / Sem querer amar / Meu Deus, estou pecando /
Amando sem querer... Me sacrificando sem você merecer!
Continuar amando / Sem querer amar / Meu Deus, estou pecando /
Amando sem querer... Me sacrificando sem você merecer!
Amar
sem ter amor é um suplício / Você não compreende a minha dor /
Nem pode avaliar / O sacrifício que eu fiz / Para você ser feliz!
Nem pode avaliar / O sacrifício que eu fiz / Para você ser feliz!
O drama ficou maior quando Noel Rosa
conheceu a moça que vinha de Campos, a Ceci. Juraci Correia de Moraes tinha 16
anos, era bonita e era dançarina de Cabaré Apolo, na Lapa.
O compositor ficou apaixonadíssimo e Lindaura acabou sabendo, o que acabou gerando
brigas. Lindaura, certa vez, pediu dinheiro para fazer um vestido. Noel sugeriu
que ela fosse trabalhar fora. A música Você
vai se quiser, que tem uma letra dúbia:
Você
vai se quiser / Pois a mulher / Não se deve obrigar a trabalhar / Mas não vá
dizer depois / Que você não tem vestido / Que o jantar não dá pra dois.
Noel também compôs Cem mil réis,
com Vadico, seu grande parceiro, para falar sobre dinheiro para fazer um soirée, vestido de noite.
Você me pediu cem mil réis / Pra comprar
um soirée / E um tamborim / O organdi anda barato pra cachorro / E um gato lá
nomorro, / Não é tão caro assim.
Sei que você / Num dia faz um tamborim, / Mas ninguém faz um
soirée / Com meio metro de cetim / De soirée / Você num baile se destaca / Mas
não quero mais você, / Porque não sei vestir casaca.
A dureza se tornou uma realidade,
afinal, Noel Rosa agradava Ceci com mimos e sustentava Lindaura. Só que Ceci
não quis a oferta de um apartamento para viver com Noel. Ela preferia a
liberdade, conhecer outros rapazes e foi assim que namorou Wilson Batista. De
Campos, como ela, Wilson era grande compositor que conseguiu mexer com os brios
dos compositores da época.
Lenço
no pescoço fazia uma
ode aos malandros, o contrário do que Getúlio Vargas pregava em sua política.
Para tentar mostrar que compositores podiam ser pessoas sérias, Noel respondeu com
Rapaz Folgado. Sem querer, Noel
legitimou a compositor desconhecido e deu início à primeira disputa musical do
rádio brasileiro. Noel trabalhou em diferentes emissoras, como a Rádio Club do
Brasil, Rádio Philips e Educadora. Foi contrarregra, criador de jingles e autor
de embolados e fazia grande sucesso no Programa
Casé. Já falamos sobre esse tema aqui no blog radionahistoria.blogspot.com.br.
Wilson Batista e Noel Rosa chegaram a
compor uma música juntos para mostrar como Ceci era volúvel. Em Deixa de ser convencida, em 1936, a letra diz assim:
Deixa de
ser convencida / Todos sabem qual é / Teu velho modo de vida.
És uma perfeita artista, eu bem sei, / Também fui do trapézio, / Até salto morta l
No arame eu já dei. / (Muita medalha eu ganhei!) / E no picadeiro desta vida /
Serei o domador, / Serás a fera abatida. / Conheço muito bem acrobacia /
Por isso não faço fé / Em amor, em amor de parceria.
És uma perfeita artista, eu bem sei, / Também fui do trapézio, / Até salto morta l
No arame eu já dei. / (Muita medalha eu ganhei!) / E no picadeiro desta vida /
Serei o domador, / Serás a fera abatida. / Conheço muito bem acrobacia /
Por isso não faço fé / Em amor, em amor de parceria.
Mesmo
assim, machucado, Noel escreveu lindas músicas pra Ceci: Dama do Cabaré, Pra que mentir, com Vadico, onde ele
explicita que morre de ciúmes dela e que ouvimos no início do quadro.
Pra que mentir / se eu
sei que gostas de outro / Que te diz que não te quer? / Pra que mentir / Tanto
assim / Se tu sabes que eu sei / Que tu não gostas de mim?! / Se tu sabes que
eu te quero / Apesar de ser traído / Pelo teu ódio sincero / Ou por teu amor
fingido?!
Quantos beijos e Último desejo estão na lista da Ceci. A última canção seria uma espécie de testamento, quando Noel já estava bem mal, sofrendo de tuberculose. Ele chamou Vadico, pianista e seu parceiro, e pediu que ele entregasse a música para Ceci, depois de escrever as cifras. Vadico encontrou a jovem na boate Caverna e disse assim: “Noel me pediu para te entregar. Acho que ele te castiga um pouco neste samba, Ceci”.
Nosso
amor que eu não esqueço, / que teve seu começo, / Numa festa de São João, //
Morre hoje sem foguete, / Sem retrato e sem bilhete, / Sem luar, sem
violão.
Ouça no YouTube uma homenagem que Hermínio Bello de Carvalho fez, em
1987, para Noel Rosa.
Muito triste foi o fim de Noel
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