Rose Esquenazi
Antônio Maria era
grande em muitos sentidos. Jornalista e compositor admirável, comentarista,
narrador e roteirista de rádio, era também uma pessoa alta e forte, para não
dizer “acima do peso”. Ele tinha um metro e oitenta e pesava 120 quilos. Considerado o rei do samba-canção na década
de 50, foi autor dessa maravilha da qual acabamos de ouvir um trecho com Lúcio
Alves: Valsa da Cidade. O gênero musical
em questão foi detalhadamente estudado por Rui Castro no livro A
noite do meu bem. A história e as histórias do samba-canção”.
Antônio Maria Araújo de Morais nasceu no Recife no dia 17 de março de 1921. Segundo a pesquisadora Semira Adler Vainsencher,
da Fundação Joaquim Nabuco, Antônio nasceu em um
sobrado na Rua da União, no Recife, mas passou muito tempo no engenho do seu
avô. Teve uma boa educação: estudou no Colégio Marista e recebeu aulas de piano
e francês. Logo, ele se interessou pela música sendo amigo de Fernando Lobo, com
quem mais tarde foi conviver no Rio de Janeiro. Além da música, o futuro
compositor gostava muito da noite, tornando-se frequentador do Cabaré Imperial. Ao estudar agronomia,
decidiu fazer estágio na usina do avô, como técnico de irrigação de
cana-de-açúcar. O que aconteceu com ele
depois se repetiu em muitas outras famílias no Nordeste. Na divisão dos bens entre
os familiares, com a morte do avô, a usina faliu.
Certa vez,
ele escreveu o seguinte: "Um dia
amanhecemos pobres, nossos automóveis foram ser carros de praça, o veraneio da
praia ficou para quando Deus desse bom tempo".
O rádio crescia em
todas as capitais. Em 1934, Antônio Maria começou a trabalhar no Rádio Clube de
Pernambuco. Era locutor e apresentador de programas musicais feitos com discos.
Logo se destacou entre os profissionais
da época. Assim, em 1940, aos 19 anos, decidiu viajar para o Rio de Janeiro.
Tornou-se locutor esportivo na Rádio Ipanema. Tinha um estilo diferente de
irradiar os jogos, parece que os donos da emissora não gostaram e logo o dispensaram
do emprego. Mas ele narrou futebol em
outra emissora, a Rádio Tupi do Rio de Janeiro, como explicaremos em seguida.
Inteligente, bom texto,
se juntou ao grupo de outros recifenses que viviam no Rio: Fernando Lobo,
Abelardo Barbosa, o Chacrinha, Theophilo de Vasconcellos e Augusto Rodrigues. Todos
ainda sem dinheiro e buscando um lugar ao sol. Eles se ajudavam mutuamente e
conseguiam empregos uns para os outros. Moravam no Edifício Souza, na
Cinelândia. Dorival Caymmi, baiano ainda desconhecido, chegou ao Rio dois anos
antes e também entrou para a turma. Antônio
Maria começou a fazer sambinhas com Fernando Lobo e passou a conhecer os bares
cariocas. Sua primeira composição
foi Duas mãos, com parceria do
pianista Fats Elpidio.
Na primeira vez em que viveu no Rio, a estada durou 10
meses. Não ganhava muito dinheiro mesmo trabalhando na Rádio Ipanema e depois
Rádio Tupi. Como ele não conseguia um bom emprego no Rio, retornou
ao Recife. Foi trabalhar em jornais, produzir músicas para publicidade sendo,
inclusive, locutor esportivo.
Nessa época, Antônio Maria casou-se com Maria Gonçalves Ferreira. Tentou a sorte em Fortaleza, na
Rádio Clube do Ceará. Depois, foi para a Bahia, onde se tornou diretor das
Emissoras Associadas. Maria voltou ao Rio de Janeiro em 1947, já com dois filhos, contratado como diretor
artístico na Rádio Tupi, onde ficou amigo de Ary Barroso. Os dois eram bem
diferentes, mas, depois do trabalho, iam sempre jantar fora. Antonio Maria
narrou os ataques uruguaios no jogo Brasil versus Uruguai, e Ary ficou com os
ataques brasileiros naquela derrota horrível da Copa do Mundo, em 1950. Era uma
nova maneira de transmitir um jogo.
Antônio continuou compondo. Vamos ouvir Menino Grande. A letra
é bonita: /// "Eu gosto tanto do carinho que ele me
faz / Faz tanto bem o beijo que ele me traz / As horas passam / Ligeiras,
felizes / Sem a gente sentir / Ele está ao meu lado / Com o corpo cansado //// Precisa dormir / Dorme, menino grande / que
eu estou perto de ti /// Sonha o que bem quiseres / que eu não sairei daqui / Oh,
vento não faz barulho / meu amor está dormindo /// E o mar não bata com força / porque ele está
dormindo".
Antônio Maria passou a escrever crônicas que foram muito
bem recebidas. Foi contratado pelo diário O
Jornal, de Assis Chateaubriand, e chegou a assinar duas colunas que
vingaram pormais de 15 anos. Chamavam-se A
Noite É Grande (até 1955) e O Jornal
de Antônio Maria. Passou por outros jornais, como O Globo, onde assinou a coluna Mesa
de Pista, em 1959, e depois para o jornal Última Hora, onde voltou com O Jornal
de Antônio Maria e o Romance Policial
de Copacabana, sobre a vida no Rio de Janeiro.
A trajetória de Antônio Maria no rádio também foi rica e
variada. Em 1952, estava na Mayrink Veiga, emissora que queria competir com a
Tupi. Por isso, contratou o jornalista com o mais alto cachê do rádio
brasileiro: 50 mil cruzeiros. O radialista acabou comprando um Cadillac que era
um carrão na época.
Pessoa eclética, criava
até jingles publicitário, como o Auris Sedina,
com a seguinte letra: "Se a criança acordou / Dorme, dorme filhinha /
Tudo calmo ficou / Mamãe tem Auris Sedina"
Assis Chateaubriand convidou Antônio Maria para ser o
primeiro diretor de produção da TV Tupi do Rio, inaugurada em 20 de janeiro de
1951. Apesar de ser casado e ter dois
filhos, Antônio Maria continuava gostando da noite, das bebidas e das mulheres
bonitas. Chegou a escrever shows para a boate Casablanca e Night and Day e
assinou espetáculos de revista com seu amigo Ary Barroso. Os dois também
estiveram juntos no programa Rio, Eu
Gosto de Você, na TV Rio, em 1957.
No
programa Preto no Branco, de Oswaldo
Sargentelli, na TV Tupi, Antonio Maria sempre aparecia com uma pergunta difícil
para o entrevistado. Certa vez perguntou à deputada Sandra Cavalcanti se ela era mal-amada. A
resposta de Sandra foi curta e grossa. Ela disse assim: “Posso até ser, senhor
Maria, mas não fui eu que fiz aquela música Ninguém
me ama. O samba-choro, escrito com Fernando Lobo era uma lamúria só e foi gravado pelo cantor
americano Nat King Cole. Houve uma briga por conta dessa parceria: Maria brigou
com Fernando Lobo e revelou que a música não era do amigo, mas só dele, Maria!
Foram muitos sucessos assinados por Antônio Maria, como O Amor e a Rosa, com coautoria de Pernambuco,
interpretado pelo cantor Miltinho. Se eu
morresse amanhã, Canção da volta, Onde anda você. Ao todo, foram 62
composições, com parceiros importantes, como Vinícius de Moraes e Zé da Zilda.
Antônio Maria
trabalhava exaustivamente. Em uma semana, segundo Rui Castro, "escrevia,
produzia e apresentava três programas na Rádio Mayrink Veiga e um na Nacional
de São Paulo”. Escrevia ao todo 12 colunas para jornais e a revista Manchete. Sem falar nos shows das
boates. Ele bebia, era obeso, um apaixonado por Danuza Leão e um tanto suicida.
Sofria do coração desde criança. Ele gostava de dizer que era um "cardisplicente".
Sofreu um enfarte do miocárdio fulminante, antes de completar 43 anos, no dia
15 de outubro de 1964, em Copacabana. Ouça no YouTube Manhã de Carnaval, de Antônio Maria e Luiz Bonfá, na voz de João
Gilberto.
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