quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Antônio Maria: o menino grande



Rose Esquenazi




            
         Antônio Maria era grande em muitos sentidos. Jornalista e compositor admirável, comentarista, narrador e roteirista de rádio, era também uma pessoa alta e forte, para não dizer “acima do peso”. Ele tinha um metro e oitenta e  pesava 120 quilos.  Considerado o rei do samba-canção na década de 50, foi autor dessa maravilha da qual acabamos de ouvir um trecho com Lúcio Alves: Valsa da Cidade. O gênero musical em questão foi detalhadamente estudado por Rui Castro  no livro A noite do meu bem. A história e as histórias do samba-canção”.

            Antônio Maria Araújo de Morais nasceu no Recife no dia 17 de março de 1921.  Segundo a pesquisadora Semira Adler Vainsencher, da Fundação Joaquim Nabuco, Antônio nasceu em um sobrado na Rua da União, no Recife, mas passou muito tempo no engenho do seu avô. Teve uma boa educação: estudou no Colégio Marista e recebeu aulas de piano e francês. Logo, ele se interessou pela música sendo amigo de Fernando Lobo, com quem mais tarde foi conviver no Rio de Janeiro. Além da música, o futuro compositor gostava muito da noite, tornando-se frequentador do Cabaré Imperial. Ao estudar agronomia, decidiu fazer estágio na usina do avô, como técnico de irrigação de cana-de-açúcar.  O que aconteceu com ele depois se repetiu em muitas outras famílias no Nordeste. Na divisão dos bens entre os familiares, com a morte do avô, a usina faliu.

 Certa vez, ele escreveu o seguinte: "Um dia amanhecemos pobres, nossos automóveis foram ser carros de praça, o veraneio da praia ficou para quando Deus desse bom tempo".

O rádio crescia em todas as capitais. Em 1934, Antônio Maria começou a trabalhar no Rádio Clube de Pernambuco. Era locutor e apresentador de programas musicais feitos com discos.  Logo se destacou entre os profissionais da época. Assim, em 1940, aos 19 anos, decidiu viajar para o Rio de Janeiro. Tornou-se locutor esportivo na Rádio Ipanema. Tinha um estilo diferente de irradiar os jogos, parece que os donos da emissora não gostaram e logo o dispensaram do emprego.  Mas ele narrou futebol em outra emissora, a Rádio Tupi do Rio de Janeiro, como explicaremos em seguida.

Inteligente, bom texto, se juntou ao grupo de outros recifenses que viviam no Rio: Fernando Lobo, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, Theophilo de Vasconcellos e Augusto Rodrigues. Todos ainda sem dinheiro e buscando um lugar ao sol. Eles se ajudavam mutuamente e conseguiam empregos uns para os outros. Moravam no Edifício Souza, na Cinelândia. Dorival Caymmi, baiano ainda desconhecido, chegou ao Rio dois anos antes e também entrou para a turma. Antônio Maria começou a fazer sambinhas com Fernando Lobo e passou a conhecer os bares cariocas. Sua primeira composição foi Duas mãos, com parceria do pianista Fats Elpidio.

Na primeira vez em que viveu no Rio, a estada durou 10 meses. Não ganhava muito dinheiro mesmo trabalhando na Rádio Ipanema e depois Rádio Tupi. Como ele não conseguia um bom emprego no Rio, retornou ao Recife. Foi trabalhar em jornais, produzir músicas para publicidade sendo, inclusive, locutor esportivo.

Nessa época, Antônio Maria  casou-se com Maria Gonçalves Ferreira. Tentou a sorte em Fortaleza, na Rádio Clube do Ceará. Depois, foi para a Bahia, onde se tornou diretor das Emissoras Associadas. Maria voltou ao Rio de Janeiro em 1947,  já com dois filhos, contratado como diretor artístico na Rádio Tupi, onde ficou amigo de Ary Barroso. Os dois eram bem diferentes, mas, depois do trabalho, iam sempre jantar fora. Antonio Maria narrou os ataques uruguaios no jogo  Brasil versus Uruguai, e Ary ficou com os ataques brasileiros naquela derrota horrível da Copa do Mundo, em 1950. Era uma nova maneira de transmitir um jogo.

Antônio continuou compondo. Vamos ouvir Menino Grande. A letra é bonita:  ///  "Eu gosto tanto do carinho que ele me faz / Faz tanto bem o beijo que ele me traz / As horas passam / Ligeiras, felizes / Sem a gente sentir / Ele está ao meu lado / Com o corpo cansado ////  Precisa dormir / Dorme, menino grande / que eu estou perto de ti /// Sonha o que bem quiseres / que eu não sairei daqui / Oh, vento não faz barulho / meu amor está dormindo ///  E o mar não bata com força / porque ele está dormindo".
        
        Antônio Maria passou a escrever crônicas que foram muito bem recebidas. Foi contratado pelo diário O Jornal, de Assis Chateaubriand, e chegou a assinar duas colunas que vingaram pormais de 15 anos. Chamavam-se A Noite É Grande (até 1955) e O Jornal de Antônio Maria. Passou por outros jornais, como O Globo, onde assinou a coluna Mesa de Pista, em 1959, e depois para o jornal Última Hora, onde voltou com O Jornal de Antônio Maria e o Romance Policial de Copacabana, sobre a vida no Rio de Janeiro.
            A trajetória de Antônio Maria no rádio também foi rica e variada. Em 1952, estava na Mayrink Veiga, emissora que queria competir com a Tupi. Por isso, contratou o jornalista com o mais alto cachê do rádio brasileiro: 50 mil cruzeiros. O radialista acabou comprando um Cadillac que era um carrão na época.
Pessoa eclética, criava até jingles publicitário, como o  Auris Sedina, com a seguinte letra: "Se a criança acordou / Dorme, dorme filhinha / Tudo calmo ficou / Mamãe tem Auris Sedina"    

           Assis Chateaubriand convidou Antônio Maria para ser o primeiro diretor de produção da TV Tupi do Rio, inaugurada em 20 de janeiro de 1951.  Apesar de ser casado e ter dois filhos, Antônio Maria continuava gostando da noite, das bebidas e das mulheres bonitas. Chegou a escrever shows para a boate Casablanca e Night and Day e assinou espetáculos de revista com seu amigo Ary Barroso. Os dois também estiveram juntos no programa Rio, Eu Gosto de Você, na TV Rio, em 1957.

            No programa Preto no Branco, de Oswaldo Sargentelli, na TV Tupi, Antonio Maria sempre aparecia com uma pergunta difícil para o entrevistado. Certa vez perguntou à deputada  Sandra Cavalcanti se ela era mal-amada. A resposta de Sandra foi curta e grossa. Ela disse assim: “Posso até ser, senhor Maria, mas não fui eu que fiz aquela música Ninguém me ama. O samba-choro, escrito com Fernando Lobo era uma lamúria só e foi gravado pelo cantor americano Nat King Cole. Houve uma briga por conta dessa parceria: Maria brigou com Fernando Lobo e revelou que a música não era do amigo, mas só dele, Maria!
          
            Foram muitos sucessos assinados por Antônio Maria, como O Amor e a Rosa, com coautoria de Pernambuco, interpretado pelo cantor Miltinho. Se eu morresse amanhã, Canção da volta, Onde anda você. Ao todo, foram 62 composições, com parceiros importantes, como Vinícius de Moraes e Zé da Zilda.

            Antônio Maria trabalhava exaustivamente. Em uma semana, segundo Rui Castro, "escrevia, produzia e apresentava três programas na Rádio Mayrink Veiga e um na Nacional de São Paulo”. Escrevia ao todo 12 colunas para jornais e a revista Manchete. Sem falar nos shows das boates. Ele bebia, era obeso, um apaixonado por Danuza Leão e um tanto suicida. Sofria do coração desde criança. Ele gostava de dizer que era um "cardisplicente". Sofreu um enfarte do miocárdio fulminante, antes de completar 43 anos, no dia 15 de outubro de 1964, em Copacabana. Ouça no YouTube Manhã de Carnaval, de Antônio Maria e Luiz Bonfá, na voz de João Gilberto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário