Rose Esquenazi
A
música instrumental brasileira tem grandes qualidades e ganhou muito espaço nas
rádios, a partir dos anos 30. Conhecida Época de Ouro, além de incluir cantores
e compositores, apresentaram instrumentistas de primeira. Um deles, podemos
citar aqui, é o clarinetista e maestro Severino Araújo. Nascido em Limoeiro, Pernambuco,
em 23 de abril de 1917, Severino Araújo de Oliveira começou a conhecer
músicaa partir das aulas do pai, o Mestre Cazuzinha, mestre da Banda Militar.
Ele tinha seis anos quando foi apresentado ao clarinete. Dois anos depois, aos
oito, já sabia de cor as técnicas do solfejo. Passou a tomar as lições dos
alunos do Mestre Cazuzinha e, com eles – que eram bem mais velhos - passou a
aprender outras técnicas e ritmos.
Aos 12
anos, Severino compôs o primeiro arranjo para a Banda Municipal de Chã de
Rocha, que ficava no interior da Paraíba. Daí, foi um pulo para as criações
carnavalescas. Severino passou, em 1936, para a Banda da Polícia Militar da Paraíba, como
primeiro clarinetista.
Sentia-se um profissional de verdade: compôs o choro "Espinha de
Bacalhau", que ouvimos no início do quadro. Esse choro se tornou a
mais famosa obra de Severino Araújo e uma das mais tocadas no Brasil e
no exterior.
Como era corriqueiro naquele
tempo, os jovens do interior tinham que ir para uma capital se quisessem fazer
sucesso. Severino decidiu por João Pessoa e logo
convidado para fazer parte da Orquestra Tabajara. O lugar tinha destaque: seria o primeiro
clarinetista. Ele era tão bom músico que se tornou regente em 1938. Aos 21 anos, depois da morte do maestro Olegário
de Luna Freire, assumiu o comando.
No dia 6 de agosto de 1944, Severino aceitou o convite de Assis Chateaubriand, que também era paraibano, para vir para o Rio de
Janeiro. E adivinhe onde ele foi trabalhar? Na Rádio Tupi! O contrato foi assinado no dia 20 de janeiro de 1945. Imediatamente
a Orquestra Tabajara ganhava repercussão no país, já que a atração era
transmitida para toda cadeia "associada", composta de várias
emissoras de rádio. Eles tocavam jazz, música brasileira, standards, de tudo um
pouco. Ouça, no YouTube, Gafanhoto Manco, escrita em 1937 por Severino Araújo.
O rádio
precisava de orquestras e as orquestras precisavam do rádio. Atualmente, não
existe nenhuma emissora com uma orquestra contratada. Mas no auge da Rádio
Nacional, havia três orquestras completas, diversos maestros, sem falar nos conjuntos
regionais. Desafio os ouvintes nessa afirmação: será que os ouvidos dos brasileiroseram
mais exigentes no passado? Acho que sim, porque ouvíamos todos os tipos de
música, do samba ao chorinho, do clássico aos sucessos carnavalescos e atrações
internacionais, de todas as partes do mundo.
Durante
10 anos, a Orquestra Tabajara se apresentou na Rádio Tupi, tendo à
frente o maestro Severino Araújo. Ao contrário de muitas orquestras, essa era
formada apenas com instrumentos de sopro. Como disse, o próprio Severino era um
excelente clarinetista. Havia uma outra
orquestra com a qual a Tabajara rivalizava: a Pan American, de Simon Bountman,
que chegou a gravar 180 discos. Na Boate Drink, Severino se apresentava com os
músicos que ganharam o nome de Românticos de Cuba. Foram gravados pelo selo
Drink.
Depois da Rádio Tupi, Severino e a
sua orquestra passaram cinco anos na Rádio Mayrink Veiga e outros dez anos na
Rádio Nacional. Como era de se esperar, do rádio à televisão, todos os músicos,
atores, diretores faziam o mesmo percurso. Assim, ele foi contratado pela TV
Tupi do Rio e fez parte do programa inaugural no dia 20 de janeiro de 1951.
Como havia prometido Assis Chateaubriand, quatro meses depois da estreia da TV
Difusora de São Paulo, a primeira da América Latina, nascia a afiliada carioca.
A imprensa ainda chamava a TV de “a
maravilha da tecnologia”. Cheguei a ver o contrato profissional de Severino na
Tupi. Ele ganhava 2.300 mil-réis, enquanto Ary Barroso, a grande estrela,
recebia 5 mil réis. Depois da
inauguração, a Orquestra Tabajara ficava com o horário nobre: domingo, às
20h45. Ia ao ar ao vivo porque não havia videotape. Curiosamente, a atração
vinha depois do programete Aprenda a
sintonizar. O engenheiro Luis Malheiros ensinava ao público como deveria
ajustar o som e a imagem daquele estranho aparelho, o televisor, que ficou no
lugar do rádio, na sala.
Severino foi
considerado um pioneiro ao unir elementos do jazz e do choro na música brasileira. Ele também era um mestre dos arranjos para Big Band. Depois
da Época de Ouro, Severino continuou a trabalhar na fase chamada de “transição”,
de 1946 a 1957, antes da Bossa Nova. Os músicos viviam viajando pelo país e
para o exterior também. Os franceses e os portugueses dançaram ao som dos
arranjos dos sopros de Severino Araújo e sua orquestra.
Depois da
Tupi, a Orquestra Tabajara se
transferiu para a TV Rio. Os arranjos de Severino foram elogiadíssimos na
abertura do 1º Festival Internacional da Canção.
A música escolhida não era nada
fácil: Guarani, de Carlos Gomes. Em
1953, o jornal O
Globo fez uma enquete para saber quais foram os melhores discos gravados
naquele ano e o público escolheu a Tabajara como a mais destacada orquestra popular. Ouça a música Pensando em você, de 1953,
mais uma obra assinada pelo maestro.
Em 1945,
o empresário Eduardo Tapajós, dono do Hotel Glória, que atualmente está em
ruínas à espera de um empresário para colocá-lo funcionando novamente, inventou
uma atração à beira da piscina. Segundo Rui Castro no livro A noite do meu bem, a festa tinha o nome
de aqua-society. Ali, os melhores músicos tocavam na atração Jazz aftermidnight, ou Jazz depois da meia-noite. Para os
íntimos, apenas jam. Ao lado do
maestro Cipó, Dick Farney, Johnny Alf, apresentava-se Severino Araújo tocando
clarinete.
Severino
Araújo e a Orquestra Tabajara animaram muitos bailes: foram 10 anos na
Domingueira Voadora, no Circo Voador, e 20 anos na festa anual chamada “Parece
que Foi Hontem”, escrito com H. Organizada pela cooperativa dos jornalistas do
Rio de Janeiro, era nostalgia pura. Os homens
usavam trajes antigos, fraques e cartolas, e as mulheres vestidos longos e
luvas. Era muito engraçado esse evento feito para dançar. Todos se sentiam nos
anos 40!
Felizmente,
Severino foi reconhecido em vida. Entre 1983 e 1985, recebeu os títulos de "Cidadão
Carioca" e "Cidadão Paraibano", pela
contribuição dada através da música aos estados do Rio de Janeiro e Paraíba. Em 1988, registrou-se um fato muito raro no mundo: ele
regeu uma orquestra por cinquenta anos ininterruptos. Foram mais de 14 mil
apresentações, tendo sempre na liderança desse pernambucano que acabou
superando a sua própria marca. Em 2012, pôde festejar 70 anos de Orquestra
Tabajara. Ao morrer, deixou o lugar para o irmão Jayme Araújo, saxofonista e flautista, que
ainda comanda apresentações nas cidades brasileiras.
Em 2014,
a Lei 3194 declarou a Orquestra Tabajara como Patrimônio Imaterial do Rio de
Janeiro. Severino foi fiel a sua gravadora, Continental, durante 35 anos. Lá,
ele gravou 300 discos. Já na gravadora CID, a Orquestra conseguiu grande
sucesso com Anos dourados, que também
foi famoso seriado da TV Globo. Segundo
os críticos, “Severino trouxe a modernidade para a nossa música. Seu arranjo,
mais agressivo, mudou a sonoridade arredondada que dominou o final dos anos 40”. Severino
morreu em 3 de agosto de 2012, aos 95 anos, até o fim da vida regeu a Orquestra
Tabajara. Ouça, no YouTube, o chorinho Paraquedista. Vale a pena!
o final dos anos 40.
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