domingo, 24 de dezembro de 2017

Severino Araújo: pai da Orquestra Tabajara


Rose Esquenazi



            A música instrumental brasileira tem grandes qualidades e ganhou muito espaço nas rádios, a partir dos anos 30. Conhecida Época de Ouro, além de incluir cantores e compositores, apresentaram instrumentistas de primeira. Um deles, podemos citar aqui, é o clarinetista e maestro Severino Araújo. Nascido em Limoeiro, Pernambuco, em 23 de abril de 1917, Severino Araújo de Oliveira começou a conhecer músicaa partir das aulas do pai, o Mestre Cazuzinha, mestre da Banda Militar. Ele tinha seis anos quando foi apresentado ao clarinete. Dois anos depois, aos oito, já sabia de cor as técnicas do solfejo. Passou a tomar as lições dos alunos do Mestre Cazuzinha e, com eles – que eram bem mais velhos - passou a aprender outras técnicas e ritmos.
           Aos 12 anos, Severino compôs o primeiro arranjo para a Banda Municipal de Chã de Rocha, que ficava no interior da Paraíba. Daí, foi um pulo para as criações carnavalescas. Severino passou, em 1936, para a Banda da Polícia Militar da Paraíba, como primeiro clarinetista. Sentia-se um profissional de verdade: compôs o choro "Espinha de Bacalhau", que ouvimos no início do quadro. Esse choro se tornou a mais famosa obra de Severino Araújo e uma das mais tocadas no Brasil e no exterior.
           Como era corriqueiro naquele tempo, os jovens do interior tinham que ir para uma capital se quisessem fazer sucesso. Severino decidiu por João Pessoa e logo convidado para fazer parte da Orquestra Tabajara. O lugar tinha destaque: seria o primeiro clarinetista. Ele era tão bom músico que se tornou regente em 1938. Aos 21 anos, depois da morte do maestro Olegário de Luna Freire, assumiu o comando.

         No dia 6 de agosto de 1944, Severino aceitou o convite de Assis Chateaubriand, que também era paraibano, para vir para o Rio de Janeiro. E adivinhe onde ele foi trabalhar? Na Rádio Tupi!   O contrato foi assinado no dia 20 de janeiro de 1945. Imediatamente a Orquestra Tabajara ganhava repercussão no país, já que a atração era transmitida para toda cadeia "associada", composta de várias emissoras de rádio. Eles tocavam jazz, música brasileira, standards, de tudo um pouco. Ouça, no YouTube, Gafanhoto Manco, escrita em 1937 por Severino Araújo. 

         O rádio precisava de orquestras e as orquestras precisavam do rádio. Atualmente, não existe nenhuma emissora com uma orquestra contratada. Mas no auge da Rádio Nacional, havia três orquestras completas, diversos maestros, sem falar nos conjuntos regionais. Desafio os ouvintes nessa afirmação: será que os ouvidos dos brasileiroseram mais exigentes no passado? Acho que sim, porque ouvíamos todos os tipos de música, do samba ao chorinho, do clássico aos sucessos carnavalescos e atrações internacionais, de todas as partes do mundo.

          Durante 10 anos, a Orquestra Tabajara se apresentou na Rádio Tupi, tendo à frente o maestro Severino Araújo. Ao contrário de muitas orquestras, essa era formada apenas com instrumentos de sopro. Como disse, o próprio Severino era um excelente clarinetista.  Havia uma outra orquestra com a qual a Tabajara rivalizava: a Pan American, de Simon Bountman, que chegou a gravar 180 discos. Na Boate Drink, Severino se apresentava com os músicos que ganharam o nome de Românticos de Cuba. Foram gravados pelo selo Drink.
       
         Depois da Rádio Tupi, Severino e a sua orquestra passaram cinco anos na Rádio Mayrink Veiga e outros dez anos na Rádio Nacional. Como era de se esperar, do rádio à televisão, todos os músicos, atores, diretores faziam o mesmo percurso. Assim, ele foi contratado pela TV Tupi do Rio e fez parte do programa inaugural no dia 20 de janeiro de 1951. Como havia prometido Assis Chateaubriand, quatro meses depois da estreia da TV Difusora de São Paulo, a primeira da América Latina, nascia a afiliada carioca.
         A imprensa ainda chamava a TV de “a maravilha da tecnologia”. Cheguei a ver o contrato profissional de Severino na Tupi. Ele ganhava 2.300 mil-réis, enquanto Ary Barroso, a grande estrela, recebia 5 mil réis.  Depois da inauguração, a Orquestra Tabajara ficava com o horário nobre: domingo, às 20h45. Ia ao ar ao vivo porque não havia videotape. Curiosamente, a atração vinha depois do programete Aprenda a sintonizar. O engenheiro Luis Malheiros ensinava ao público como deveria ajustar o som e a imagem daquele estranho aparelho, o televisor, que ficou no lugar do rádio, na sala.

         Severino foi considerado um pioneiro ao unir elementos do jazz e do choro na música brasileira. Ele também era um mestre dos arranjos para Big Band. Depois da Época de Ouro, Severino continuou a trabalhar na fase chamada de “transição”, de 1946 a 1957, antes da Bossa Nova. Os músicos viviam viajando pelo país e para o exterior também. Os franceses e os portugueses dançaram ao som dos arranjos dos sopros de Severino Araújo e sua orquestra.
        Depois da Tupi, a Orquestra Tabajara se transferiu para a TV Rio. Os arranjos de Severino foram elogiadíssimos na abertura do 1º Festival Internacional da Canção.
A música escolhida não era nada fácil: Guarani, de Carlos Gomes. Em 1953, o jornal O Globo fez uma enquete para saber quais foram os melhores discos gravados naquele ano e o público escolheu a Tabajara como a mais destacada orquestra popular. Ouça a música Pensando em você, de 1953, mais uma obra assinada pelo maestro.

        Em 1945, o empresário Eduardo Tapajós, dono do Hotel Glória, que atualmente está em ruínas à espera de um empresário para colocá-lo funcionando novamente, inventou uma atração à beira da piscina. Segundo Rui Castro no livro A noite do meu bem, a festa tinha o nome de aqua-society. Ali, os melhores músicos tocavam na atração Jazz aftermidnight, ou Jazz depois da meia-noite. Para os íntimos, apenas jam. Ao lado do maestro Cipó, Dick Farney, Johnny Alf, apresentava-se Severino Araújo tocando clarinete.
        Severino Araújo e a Orquestra Tabajara animaram muitos bailes: foram 10 anos na Domingueira Voadora, no Circo Voador, e 20 anos na festa anual chamada “Parece que Foi Hontem”, escrito com H. Organizada pela cooperativa dos jornalistas do Rio de Janeiro, era nostalgia pura.  Os homens usavam trajes antigos, fraques e cartolas, e as mulheres vestidos longos e luvas. Era muito engraçado esse evento feito para dançar. Todos se sentiam nos anos 40!
       Felizmente, Severino foi reconhecido em vida. Entre 1983 e 1985, recebeu os títulos de "Cidadão Carioca" e "Cidadão Paraibano", pela contribuição dada através da música aos estados do Rio de Janeiro e Paraíba.  Em 1988, registrou-se um fato muito raro no mundo: ele regeu uma orquestra por cinquenta anos ininterruptos. Foram mais de 14 mil apresentações, tendo sempre na liderança desse pernambucano que acabou superando a sua própria marca. Em 2012, pôde festejar 70 anos de Orquestra Tabajara. Ao morrer, deixou o lugar para o irmão Jayme Araújosaxofonista e flautista, que ainda comanda apresentações nas cidades brasileiras.

          Em 2014, a Lei 3194 declarou a Orquestra Tabajara como Patrimônio Imaterial do Rio de Janeiro. Severino foi fiel a sua gravadora, Continental, durante 35 anos. Lá, ele gravou 300 discos. Já na gravadora CID, a Orquestra conseguiu grande sucesso com Anos dourados, que também foi famoso seriado da TV Globo. Segundo os críticos, “Severino trouxe a modernidade para a nossa música. Seu arranjo, mais agressivo, mudou a sonoridade arredondada que dominou o final dos anos 40”. Severino morreu em 3 de agosto de 2012, aos 95 anos, até o fim da vida regeu a Orquestra Tabajara. Ouça, no YouTube, o chorinho Paraquedista. Vale a pena!

o final dos anos 40.

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