domingo, 24 de dezembro de 2017

Rádio Tupi, o Cacique do Ar

Rose Esquenazi




   
          Vamos falar um pouco sobre a história da Rádio Tupi. Assis Chateaubriand já era grande empresário, dono de vários jornais, como O Jornal, e a maior revista da época, O Cruzeiro, quando decidiu entrar no negócio do rádio. Outros empresários, como o Conde Pereira Carneiro, do Jornal do Brasil, estavam fazendo o mesmo.  Era uma nova política atirar para vários lados, eles achavam uma mídia alimentaria a outra.
Os críticos achavam que os empresários da imprensa, ao inaugurar estações de rádio, podiam estar dando um tiro no pé. Ou seja, iriam esvaziar o conteúdo de seus jornais e revistas trocando pelo noticiário do rádio, que iria dominar tudo. Chatô respondeu assim: “Sou um homem da imprensa de papel e estou convencido de que a ideia que forma opinião tem que estar impressa em letra de fôrma. O rádio pode ser mais abrangente, e certamente é mais subversivo que o jornal, mas o que mexe com o tutano do freguês é o jornal. Nem a revista, mas o jornal diário”.

          A data oficial da inauguração da Tupi aconteceu no dia 25 de setembro de 1935. Oito dias antes, houve uma pré-inauguração da Tupi do Rio. No dia 15 de setembro, o famoso maestro Heitor Villa-Lobos regeu um espetáculo musical, com um coro de 120 professores. Eles cantaram o Hino Nacional, e deve ter sido impressionante. Além dessa apresentação, a Orquestra Dajos Bella, o Conjunto Benedicto Lacerda, a Orquestra Tupi, que teve a regência de Leonidas Autuori, se apresentou com as cantoras Elsie Houston e Olga Praquer Coelho.

           Em seu discurso, o diretor da Rádio Tupi, Dario Magalhães, garantiu que os motivos nacionais representavam a empresa. É importante lembrar aqui que ainda não existia a Rádio Nacional, que nasceu um ano depois, em 1936. Mas no Rio de Janeiro funcionavam as Rádios Sociedade, Philips, Rádio Club do Brasil, Educadora do Brasil, Ipanema e Rádio Fluminense. Ouvimos, no começo do quadro, a soprano brasileira Elsie Houston cantando Puxa o Melão Sabiá, música folclórica, adaptada por Luciano Gallet. Ela se apresentava pela primeira vez no rádio. Anos depois, quando foi morar no exterior, Elsie ganhou o apelido de Embaixadora da Música Brasileira.
Na Rua Santo Cristo, 148, a Tupi, ou PRG-3, se tornava o primeiro  empreendimento radiofônico das Emissoras e Diários Associados. Mais tarde, nos anos 40, a emissora é transferida para a Rua Venezuela, nº 43.

          Chateaubriand, o famoso Chatô, administrava de maneira caótica as suas empresas. Tanto que ele pensou, primeiramente, em inaugurar a sua estação em São Paulo. Mas estava devendo para várias empresas dos milionários Matarazzo, Martinelli, Guinle e Modesto Leal. Com o tempo, Chatô soube dar a volta por cima. Ouça, no YouTube, o violinista russo Dajos Bella e sua orquestra, que participou da inauguração da Tupi no Rio.

          Apelidada de “Cacique do Ar”, a Tupi de São Paulo foi inaugurada em 1937. Chateaubriand construiu a segunda mais potente emissora da América Latina. A primeira ficava em Porto Alegre e se chamava Rádio Farroupilha. Ele convidou especialmente para o momento solene de apertar o botão da emissora o famoso inventor da radiotelegrafia, o italiano Guglielmo Marconi. Marconi já tinha seu nome conhecido no Rio porque  ele inaugurou, de Roma, a iluminação da estátua do Corcovado no Rio de Janeiro, em 12 de setembro de 1931.

          Com as Tupis do Rio e S.Paulo,  Chatô deu início, segundo Fernando Morais, no livro Chatô, o Rei do Brasil, “uma interminável série de Tamoios, Potis, Tupãs”. Chatô tinha mania de nomes indígenas porque estava construindo a sua taba radiofônica, tentando dominar o Brasil pelas ondas sonoras. Talvez a principal característica de Chatô foi abrir seus microfones para artistas internacionais que passavam pelo Rio. A cidade atraía estrangeiros por seus cassinos e praias e, assim, no cardápio de estrelas dos shows entravam Maurice Chevalier, Nat King Cole, Josephine Becker e a Orquestra Cassino de Sevilha.

           No elenco brasileiro, já a partir dos anos 40,  havia nomes espetaculares que muitas vezes saíam de outras rádios da cidade, como a Mayrink Veiga. Carlos Galhardo, Silvio Caldas, Dalva de Oliveira, Linda e Dircinha Batista, Ataulfo Alves, Dorival Caymmi, Elizeth Cardoso estavam no elenco das estrelas. Em São Paulo, foi contratada a peso de ouro, a cantora Carmem Miranda, a mais famosa intérprete brasileira de todos os tempos. Antes do contrato com as rádios e night clubs americanos, a Pequena Notável ganhou fortuna, o maior salário jamais pago a uma cantora brasileira. Os jornais criticaram, e se perguntavam: “quem ela pensa que é?”.  Tratava-se, segundo eles, apenas de uma cantora de samba, gênero considerado menor pelos intelectuais que preferiam o clássico.

           A Rádio Tupi também foi muito importante com o seu rádio-teatro. Excelentes artistas foram contratados ou cresceram nos estúdios da emissora. Paulo Gracindo, Orlando Drummond, Lourdes Mayer, Ida Gomes, Heloísa Helena, Rodolfo Mayer, por exemplo. Não faltou uma geração de bons humoristas, como Ema D’Ávila, Silvino Neto, Avalone Filho, Nádia Maria. Nos esportes, as emissoras de Chatô ficaram conhecidas pela gaitinha de Ary Barroso, que tocava sempre que havia um gol no campo. José Maria Scassa e o locutor Oduvaldo Cozzi também marcaram o futebol da Tupi. No jornalismo, havia uma ótima equipe e os radiojornal reproduzia as notícias em editorias, como se fosse um jornal impresso. Não há como se comparar a Tupi com a força e importância do Repórter Esso, da Nacional, a partir de 1941. Mas o Grande Jornal Falado Tupi não fazia feio de jeito nenhum. Tanto que anunciou o fim da guerra na frente de todo o mundo. Só que ninguém acreditou, mas isso é uma outra história.
Ouça, no YouTube, uma entrevista de Ary Barroso sendo entrevistado na Rádio Tupi do Rio sobre o sofrimento de exercer a função de locutor.

           Um incêndio em 1949, acabou com os estúdios da Tupi. Assim, temporariamente, a equipe se transferiu para a Rádio Guanabara, no Centro, para não interromper as suas transmissões. No Cinema Íris, na Rua da Carioca, Paulo Gracindo comandou o programa Rádio Sequência G-3. Depois de muitas obras, a Tupi ocupou o prédio da Avenida Venezuela, inaugurando no último andar o maior auditório da América Latina, o Maracanã dos Auditórios.

           Mil e quinhentas pessoas puderam acompanhar a Copa do Mundo de 1950, no auditório da PRG-3. Depois da Copa, era ali que se transmitia o programa de Almirante, Henrique Fóreis Domingues, chamado Incrível, Fantástico, Extraordinário. Ouvir a velha Guarda de Pixinguinha no programa Paquetá em Serenata, de Júlio Louzada, deve ter sido inesquecível. Para terminar, vamos ouvir o prefixo de Incrível, Fantástico, Extraordinário, em que Almirante contava casos sobrenaturais que aconteciam com as pessoas comuns. Sem sustos, visões, coincidências e fantasmas de montão.

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