segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

A voz do morro: Jorge Goulart

 Rose Esquenazi





         Hoje vamos falar do cantor Jorge Goulart e da crise política na Rádio Nacional assim que foi decretado o Golpe Militar em 1964. Jorge Neves Bastos nasceu no dia 17 de março de 1926, no Rio de Janeiro. Desde criança, se interessava pela música e gostava de cantar nas serestas que havia no bairro do Méier. Seu pai era o jornalista Iberê Bastos e, a mãe, Arlete Neves Bastos. Jorge foi o primogênito dos quatro filhos do casal e, desde os 11 anos, estudou no Colégio Pedro II. 

           Como todos os jovens da época, era apaixonado pelos cantores famosos da música. Eram donos de grandes vozes Francisco Alves, Vicente Celestino, Orlando Silva e, o seu preferido, Carlos Galhardo.  Jorge Goulart também tinha uma forte e poderosa voz.  O rádio atraía a todos e, muito jovem, aos 17 anos, conheceu compositores que iriam influenciá-lo a escolher os ritmos da música popular brasileira. Benedito Lacerda, Custódio Mesquita e Orestes Barbosa foram apresentados a ele por seu pai, no famoso Café Nice, na Avenida Rio Branco.  Jorge se casou muito cedo, só tinha 18 anos, na década de 40. Teve dois filhos, Vera Lúcia e Hélio. Quando a filha Vera Lúcia teve filho, aos 18 anos, Jorge se tornou avô, aos 36 anos. Vocês imaginam isso?

         No tempo do samba-canção, Jorge Goulart foi contratado pelo Golden Room do Copacabana Palace, boate dos bacanas endinheirados. Ele podia não ser do primeiríssimo time, mas atraiu a audiência com seu vozeirão perfeito.  Seu primeiro sucesso foi Xangô, de Ary Barroso e Fernando Lobo. Ao entrar na Rádio Nacional, passou a conhecer o gosto do sucesso.  Separado da primeira mulher, namorou Dalva de Oliveira, Emilinha Borba, Linda Baptista e todas as vedetes do Golden Room do Copacabana Palace.
Jorge divulgou músicas de alguns dos principais sambistas brasileiros e foi puxador das escolas de samba Império Serrano, Imperatriz Leopoldinense e Unidos de Vila Isabel. Foi também o primeiro intérprete da música A Voz do Morro, de autoria de Zé Kéti, que ouvimos no início do quadro. Lançou seu primeiro LP em 1945 e, em 1952, e assim o cantor ganhou o título de “Rei do rádio”.

           Nesse mesmo ano de 1952, iniciou relacionamento com a cantora Nora Ney, recém-separada depois de um casamento tempestuoso. Passaram a viver juntos sem se casarem porque, na época, não havia divórcio no Brasil. E em 1982, depois de mais de 30 anos de união, se casaram oficialmente. Juntos, tiveram uma filha. Nora nasceu em Olaria, e se mostrou musical muito cedo. Passou a estudar música e, lógico, começou a frequentar o auditório da Nacional. Fez sucesso como cantora e feliz no casamento. Nora Ney costumava dizer que “Jorge Goulart era o grande amigo nos dias difíceis e o companheiro fiel dos dias de glória". Interpretaram alguns sucessos juntos, como Quando eu me chamar saudade, de Nelson Cavaquinho e Guilherme Brito.

         A música Balzaqueana, de Haroldo Lobo e David Nasser, fez muito sucesso na interpretação de Jorge Goulart. Naquele tempo, muitos compositores moravam em Paquetá, ainda uma ilha com praias muito limpas. O bairro – porque Paquetá é um bairro carioca – continua lá. Mas a água, infelizmente, é bem suja! Ouça no YouYube Fim de semana em Paquetá  

          Jorge Goulart entrou para o Partido Comunista, que era clandestino, mas que funcionava com certa liberdade no governo Kubistcheck. Nora também tinha ideias socializantes e, em 1958, os dois organizaram uma excursão de artistas na União Soviética. Na trupe estavam Dolores Duran, Maria Helena Raposo, o Conjunto Farroupilha e um grupo dirigido por Paulo Moura. Dolores Duran e Paulo Moura não gostaram do clima de controle na URSS e desistiram de cumprir toda a agenda de shows. Jorge Goulart acusou a cantora de falta de profissionalismo.

           No Programa César de Alencar, o mais famoso do país, Jorge Goulart ganhou o apelido "Gogó de ouro" ou "Boca de caçapa". Já os amigos o chamavam de "Bochecha de alumínio". Jorge fez sucesso com as marchinhas de Carnaval, como Cabeleira do Zezé, de João Roberto Kelly.

Até que, em 1964, foi decretada a ditadura militar. Todos sabiam que Goulart, Nora e outros profissionais da Nacional eram de esquerda e muitos filiados ao Partido Comunista. O então deputado federal Rubens Paiva e outros radialistas defenderam a democracia no microfone da Nacional. No discurso, Rubens Paiva, depois morto pelos militares, convocou estudantes e trabalhadores para que se mobilizassem pacificamente contra o movimento golpista. Os fuzileiros navais e os coronéis do Exército invadiram a RN e instauraram o Inquérito Policial Militar. Saiu uma lista com 36 pessoas que perderam seus empregos por serem consideradas de esquerda. Entre elas, estavam Dias Gomes, Gerdal dos Santos, Gracindo Junior e Jorge Goulart.
     
           Houve uma grande polêmica na época dizendo que foi César de Alencar quem fez a lista. O apresentador ganhou a fama de dedo-duro e, depois disso, a decadência do grande animador foi absoluta. Teve gente que o defendeu, mas foi mais forte a corrente que o atacou. O fato é que muitos profissionais perderam o emprego e ficaram sem perspectiva de trabalho. Quem iria dar emprego a um comunista? Todo o mundo morria de medo da ditadura. Anos mais tarde, Jorge Goulart deu seu depoimento sobre o assunto. Ele disse o seguinte: “ Artisticamente César de Alencar foi fantástico; politicamente, um zero, um grande zero. Não sabia e não entendia nada de política. A lista com os nossos nomes não partiu dele, que era ignorante no assunto. Pode-se discutir o seu modo pessoal de agir, mas aí é outra história”.

            Goulart que fumava muito teve um câncer no esôfago. Em 1983, foi operado e perdeu as cordas vocais e teve que aprender a falar através do esôfago. Pode-se imaginar a tristeza desse artista. Morreu aos 86 anos vítima de uma parada cardiorrespiratória, em 17 de março de 2012. Vamos terminar com outro grande sucesso de Jorge Goulart: Sereia de Copacabana, no filme Aviso aos navegantes, de 1950. Os ouvintes podem ir ao YouTube e ver imagens incríveis da falsa Copacabana do filme e o elegante Goulart de terno e gravata passeando na orla da Princesinha do Mar.


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