segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Nelson Rodrigues e as "pessoas normais"


Rose Esquenazi



        No último dia 23 de agosto de 2016, Nelson Rodrigues comemoraria 104 anos. A data foi lembrada pela Rádio Nacional de Brasília. Que bom. Todos nós devemos nos lembrar e conhecer a obra dessa figura ilustre, criativa e contraditória. O que muita gente não sabe é que existiu um programa na Rádio MEC AM chamado Palavras ao ar  nos anos 90. Dramatizado pelo Núcleo Carioca de Teatro, sob a direção de Luiz Arthur Nunes, teve produção de Sérgio Góes de Paula. A apresentação ficava ao cargo de Moacir Chaves.

          A encenação de oito programas da série de A vida como ela é, baseados em crônicas de Nelson Rodrigues, reflete um excelente momento do rádio ao mostrar o talento do escritor. Ele era também jornalista, crítico de futebol e grande dramaturgo que modernizou a linguagem. Nelson criou o teatro brasileiro moderno. Ouça um trecho da história que foi ao ar em 18 de julho de 1993 chamada “Noiva para sempre”. Na abertura, ouvimos o slogan: “Rádio MEC, educada e culta” apresenta “um programa cheio de intenções”. Na abertura entram também o prefixo do Globo no ar e um trecho de Francisco Alves cantando “Boa noite, amor”, marca registrada de seu programa na Rádio Nacional.Está no YouTube: www.tropix.nce.ufrj.br/teatro/

         Como já dissemos, Nelson Rodrigues nasceu no dia 23 de agosto de 1912, no Recife. Veio com a família para o Rio de Janeiro aos 5 anos.  A grande inspiração se deu na infância vivida na Zona Norte do Rio.  Na casa humilde na Rua Alegre, 135 (atual rua Almirante João Cândido Brasil), no bairro de Aldeia Campista, nasceram muitas de suas fantasias que iriam se transformar em crônicas e peças de teatro. Nelson percebia a moral da classe média  e suas contradições. Ao trabalhar muitos anos no jornal do pai, A manhã, Nelson lia e redigia as notícias policiais. Como era corriqueiro naquele tempo, acrescentava detalhes um tanto fantasiosos. Anos mais tarde, ele disse uma de suas famosas e polêmicas frases: “Hoje, a reportagem de polícia está mais árida do que uma paisagem lunar. O repórter mente pouco, mente cada vez menos”.

          Eu tenho formação jornalística, não gosto de mentiras. Mas Nelson Rodrigues estava em outro patamar: para ele, a realidade e a fantasia se confundiam. Talvez porque tenha testemunhado muito jovem, em 1929, o assassinato do irmão Roberto, maravilhoso artista plástico. Tudo por conta de uma matéria que saiu na primeira página do jornal. O tom era de zombaria e envolvia uma mulher casada. O que poucos sabiam é que Sylvia Serafim também era amante de Mário, pai de Nelson. Ao chegar na redação com um revólver carregado, Sylvia procurou Mário. Como ele não estava, matou o filho Roberto. Foi um trauma para toda a vida de Nelson.

         Nelson também escrevia críticas de futebol e de sua maior paixão: o Fluminense.Com uma imaginação espetacular e rica, inventava até personagens que ajudavam ou atrapalhavam os jogadores em um campo de futebol. Chamava-se “Sobrenatural de Almeida”. Na vida, teve outras tragédias, alguns amores e casamentos problemáticos. Tudo isso tornou o jornalista uma pessoa triste e indecifrável. Segundo escreveu Tristão de Atayde, na data da morte de Nelson, no dia 21 de dezembro de 1980, ele abandonou “o elitismo verbal e psicológico modernista, para entrar em cheio na massa das paixões mais populares. Daí a sua popularidade única e natural, que fez descer o modernismo às ruas e à lama”.
          Do jornal ao teatro, Nelson brilhou ao usar diálogos sem pompa e incorporou a linguagem popular às tramas suburbanas. Assim, ele rompia com a tradição. Até àquele momento, os atores recitavam as falas e os temas eram muito artificiais e distantes do cidadão comum. A primeira peça, A mulher sem pecado, em 1942, chamou atenção. Na peça seguinte, o autor ganhou renome nacional. Vestido de noiva, encenada por Ziembinski, com o grupo Os Comediantes, em 1943, tornou-se um marco histórico. Deu início ao moderno teatro brasileiro. Havia três planos na história: a memória, a alucinação e a realidade.  Nunca ninguém havia ousado tanto.
          Além das crônicas no jornal O Globo, Correio da Manhã e Última Hora, Nelson Rodrigues continuou a escrever peças que foram divididas em três partes: as psicológicas, as míticas e as tragédias cariocas. Muitos desses dramas chegaram ao cinema e conquistaram muito sucesso, como Engraçadinha e Dama do Lotação.

        Na crônica dramatizada Palavras ao ar, que foi ao ar na Rádio MEC, a história é a seguinte. O pai Maciel diz a sua mulher que Maurício frequenta a casa deles há seis meses e não se decidiu com que filha irá se casar: se Rosinha ou Helena. Preocupado, o pai decide pressionar o rapaz e dá um prazo para a decisão. Aí entra a dúvida e o gênio de Nelson Rodrigues. Maurício gosta igualmente das duas moças, como escolher apenas uma? 

           Nem sempre a classe média conservadora gostava de ouvir seus pecados no palco. Muitos acusavam Nelson de exagerar nas tramas psicológicas, perversões, traumas, desvios, desejos e conflitos escandalosos. Ele também foi perseguido pela esquerda, os críticos, a censura e os católicos. A posição política de Nelson, de centro-direita, foi muito questionada e reprovada na época da ditadura militar. Mas hoje sabemos que nunca deixou de visitar em prisões militares seus amigos de esquerda presos – como Hélio Pellegrino, Ziraldo e o próprio filho, Nelson Rodrigues Filho.
Certa vez, o amigo e grande poeta Manuel Bandeira perguntou a Nelson por que ele não escrevia sobre pessoas normais. Ao que ele respondeu: “Mas só escrevo sobre gente normal, como eu e você”.


Segunda parte


         Dramatizado pelo Núcleo Carioca de Teatro, sob a direção de Luiz Arthur Nunes, A vida como ela é  teve produção de Sérgio Góes de Paula. A apresentação ficou a cargo de Moacir Chaves. A recuperação dos áudios faz parte do projeto Tropix, sediado na UFRJ. A encenação de oito programas da série de A vida como ela é, baseados em crônicas de Nelson Rodrigues, reflete um excelente momento do rádio ao mostrar o talento do escritor. Ele foi também jornalista, crítico de futebol e grande dramaturgo que modernizou a linguagem do teatro. Não é à-toa que se diz que ele criou o teatro brasileiro moderno. Vamos ouvir um trecho da história que foi ao ar em 1993 chamada “Despeito”. 

        Nessa história, Nelson Rodrigues conta a história de um marido muito ciumento e que implica até com a risada da mulher. Rafael acha que o riso de Marlene é escandalosa, ou, segundo ele, “manifestação de impudor”. A mulher sente medo do marido principalmente quando ele diz que mataria o homem que se aproximasse dela. Ele só confiava em um homem na Terra: Leocádio, amigo de longa data. A amiga de Marlene acha absurda tanta sujeição e repete suas teses: a de que não há amor ou casamento só dura dois anos. E que se deve experimentar a traição, fato comum na vida de tantas mulheres. Até que o marido viaja e a Marlene se sente livre pela primeira vez. Os termos usados por Nelson são datados e muito engraçados, exagerados. Depois de um longo banho, em que ela própria se acaricia e sente prazer, “lésbica de si mesmo” (sic), a mulher começa a sentir vontade de seguir o conselho da amiga. Liga para Leocádio e convida para que ele vá vê-la porque se sente muito sozinha. 

      Como tantos outros contos de Nelson Rodrigues, há o elemento surpreendente e inesperado. Leocádio foge de Marlene porque, no fundo, gosta dela. Cada vez mais agressiva e se sentindo rejeitada, a mulher enlouquece e vai atrás do rapaz seguindo  outro conselho da amiga liberada: “É preciso ser explícita ser direta na conquista. Só que Leocádio é fiel ao amigo e jamais o trairia. Ouça no YouTube a mais um trecho:   http://www.tropix.nce.ufrj.br/teatro/

        Muitas pessoas estranham até hoje o lado trágico do escritor Nelson Rodrigues que considerava a vida de maneira trágica e dramática. O próprio grupo de teatro que encena a crônica transformada em peça para teatro, reforça o lado da ópera e os grandes dramas encenados não só no palco. Mas na vida cotidiana também.

          No livro O anjo pornográfico, de Ruy Castro, sabe-se que Nelson Rodrigues foi um adolescente triste. Ele admitia isso. Apaixonou-se por várias mulheres e quase sempre foi ignorado por elas. Depois da morte do irmão na sua frente no jornal do pai, e de ter vivido vários dramas familiares, sofreu vários recalques.

         Entre suas frases geniais, ele disse a seguinte: “Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico.

         Nelson Rodrigues nasceu no dia 23 de agosto de 1912, no Recife. Veio com a família para o Rio de Janeiro aos cinco anos.  A grande inspiração se deu na infância vivida na Zona Norte do Rio.  Depois de trabalhar com o pai, passou por vários jornais e revistas como O Cruzeiro, que durante muitos anos foi a mais vendida do Brasil. Na gráfica da empresa, passou a escrever o folhetim Meu destino é pecar, usando o pseudônimo de Suzana Flag. De oito mil exemplares, a tiragem cresceu para 12 mil e depois 300 mil exemplares. Sucesso absoluto.

Nelson morreu em 1980, deixando muitos fãs e centenas de produções. O escritor e sociólogo Gilberto Freyre comparou o Nelson Rodrigues ao escritor americano Eugene O’Neill, que recebeu o Nobel de Literatura de 1936 e o Prêmio Pulitzer por várias vezes.  Para o jornalista Francisco Pedro do Couto, “a sua arte é que importa. Ela é imensa, agressivamente bela, pujante e eterna. Como a de Shakespeare”. De fato, as peças se adaptaram muito bem ao tempo e ao radioteatro, provando que ele produzia obras abertas e facilmente adaptáveis.












Nenhum comentário:

Postar um comentário