Rose Esquenazi
No último dia 23 de
agosto de 2016, Nelson Rodrigues comemoraria 104 anos. A data foi lembrada pela Rádio
Nacional de Brasília. Que bom. Todos nós devemos nos lembrar e conhecer a obra
dessa figura ilustre, criativa e contraditória. O que muita gente não sabe é
que existiu um programa na Rádio MEC AM chamado Palavras ao ar nos anos 90.
Dramatizado pelo Núcleo Carioca de Teatro, sob a direção de Luiz Arthur Nunes,
teve produção de Sérgio Góes de Paula. A
apresentação ficava ao cargo de Moacir Chaves.
A
encenação de oito programas da série de A vida como ela é, baseados em crônicas
de Nelson Rodrigues, reflete um excelente momento do rádio ao mostrar o
talento do escritor. Ele era também jornalista, crítico de futebol e grande
dramaturgo que modernizou a linguagem. Nelson criou o teatro brasileiro moderno.
Ouça um trecho da história que foi ao ar em 18 de julho de 1993 chamada “Noiva para sempre”. Na abertura, ouvimos o
slogan: “Rádio MEC, educada e culta” apresenta “um programa cheio de intenções”.
Na abertura entram também o prefixo do Globo
no ar e um trecho de Francisco Alves cantando “Boa noite, amor”, marca
registrada de seu programa na Rádio Nacional.Está no YouTube: www.tropix.nce.ufrj.br/teatro/
Como já dissemos, Nelson
Rodrigues nasceu no dia 23 de agosto de 1912, no Recife. Veio com a família
para o Rio de Janeiro aos 5 anos. A
grande inspiração se deu na infância vivida na Zona Norte do Rio. Na casa humilde na Rua Alegre, 135 (atual rua
Almirante João Cândido Brasil), no bairro de Aldeia
Campista, nasceram muitas de suas fantasias
que iriam se transformar em crônicas e peças de teatro. Nelson percebia a moral
da classe média e suas contradições. Ao
trabalhar muitos anos no jornal do pai, A
manhã, Nelson lia e redigia as notícias policiais. Como era corriqueiro
naquele tempo, acrescentava detalhes um tanto fantasiosos. Anos mais tarde, ele
disse uma de suas famosas e polêmicas frases: “Hoje, a reportagem de polícia
está mais árida do que uma paisagem lunar. O repórter mente pouco, mente cada
vez menos”.
Eu tenho formação jornalística, não
gosto de mentiras. Mas Nelson Rodrigues estava em outro patamar: para ele, a
realidade e a fantasia se confundiam. Talvez porque tenha testemunhado muito
jovem, em 1929, o assassinato do irmão Roberto, maravilhoso artista
plástico. Tudo por conta de uma matéria que saiu na primeira página do jornal.
O tom era de zombaria e envolvia uma mulher casada. O que poucos sabiam é que
Sylvia Serafim também era amante de Mário, pai de Nelson. Ao chegar na redação
com um revólver carregado, Sylvia procurou Mário. Como ele não estava, matou o
filho Roberto. Foi um trauma para toda a vida de Nelson.
Nelson também escrevia críticas
de futebol e de sua maior paixão: o Fluminense.Com uma imaginação espetacular e
rica, inventava até personagens que ajudavam ou atrapalhavam os jogadores em um
campo de futebol. Chamava-se “Sobrenatural de Almeida”. Na vida, teve outras
tragédias, alguns amores e casamentos problemáticos. Tudo isso tornou o
jornalista uma pessoa triste e indecifrável. Segundo escreveu Tristão de Atayde,
na data da morte de Nelson, no dia 21 de dezembro de 1980, ele abandonou “o
elitismo verbal e psicológico modernista, para entrar em cheio na massa das
paixões mais populares. Daí a sua popularidade única e natural, que fez descer
o modernismo às ruas e à lama”.
Do jornal ao teatro, Nelson brilhou ao usar
diálogos sem pompa e incorporou a linguagem popular às tramas suburbanas. Assim,
ele rompia com a tradição. Até àquele momento, os atores recitavam as falas e
os temas eram muito artificiais e distantes do cidadão comum. A primeira peça, A mulher sem pecado, em 1942, chamou
atenção. Na peça seguinte, o autor ganhou renome nacional. Vestido de noiva, encenada por Ziembinski, com o grupo Os
Comediantes, em 1943, tornou-se um marco histórico. Deu início ao moderno teatro brasileiro.
Havia três planos na história: a memória, a alucinação e a realidade. Nunca ninguém havia ousado tanto.
Além das crônicas no
jornal O Globo, Correio da Manhã e Última Hora,
Nelson Rodrigues continuou a escrever peças que foram divididas em três partes:
as psicológicas, as míticas e as tragédias cariocas. Muitos desses dramas
chegaram ao cinema e conquistaram muito sucesso, como Engraçadinha e Dama do
Lotação.
Na crônica dramatizada Palavras ao ar, que foi ao ar na Rádio
MEC, a história é a seguinte. O pai Maciel diz a sua mulher que Maurício
frequenta a casa deles há seis meses e não se decidiu com que filha irá se
casar: se Rosinha ou Helena. Preocupado, o pai decide pressionar o rapaz e dá
um prazo para a decisão. Aí entra a dúvida e o gênio de Nelson Rodrigues. Maurício
gosta igualmente das duas moças, como escolher apenas uma?
Nem sempre a classe média
conservadora gostava de ouvir seus pecados no palco. Muitos acusavam Nelson de
exagerar nas tramas psicológicas, perversões, traumas, desvios, desejos e
conflitos escandalosos. Ele também foi perseguido pela esquerda, os críticos, a
censura e os católicos. A posição política de Nelson, de
centro-direita, foi muito questionada e reprovada na época da ditadura militar.
Mas hoje sabemos que nunca deixou de visitar em prisões militares seus amigos
de esquerda presos – como Hélio Pellegrino, Ziraldo e o próprio filho, Nelson
Rodrigues Filho.
Certa vez, o amigo e
grande poeta Manuel Bandeira perguntou a Nelson por que ele não escrevia sobre
pessoas normais. Ao que ele respondeu: “Mas só escrevo sobre gente normal, como
eu e você”.
Segunda parte
Dramatizado pelo Núcleo
Carioca de Teatro, sob a direção de Luiz Arthur Nunes, A vida como ela é teve
produção de Sérgio Góes de Paula. A apresentação
ficou a cargo de Moacir Chaves. A recuperação dos áudios faz parte do projeto
Tropix, sediado na UFRJ. A
encenação de oito programas da série de A vida como ela é, baseados em crônicas
de Nelson Rodrigues, reflete um excelente momento do rádio ao mostrar o
talento do escritor. Ele foi também jornalista, crítico de futebol e grande
dramaturgo que modernizou a linguagem do teatro. Não é à-toa que se diz que ele
criou o teatro brasileiro moderno. Vamos ouvir um trecho da história que foi ao
ar em 1993 chamada “Despeito”.
Nessa
história, Nelson Rodrigues conta a história de um marido muito ciumento e que implica
até com a risada da mulher. Rafael acha que o riso de Marlene é escandalosa, ou,
segundo ele, “manifestação de impudor”. A mulher sente medo do marido
principalmente quando ele diz que mataria o homem que se aproximasse dela. Ele
só confiava em um homem na Terra: Leocádio, amigo de longa data. A amiga de Marlene
acha absurda tanta sujeição e repete suas teses: a de que não há amor ou
casamento só dura dois anos. E que se deve experimentar a traição, fato comum
na vida de tantas mulheres. Até que o marido viaja e a Marlene se sente livre
pela primeira vez. Os termos usados por Nelson são datados e muito engraçados,
exagerados. Depois de um longo banho, em que ela própria se acaricia e sente
prazer, “lésbica de si mesmo” (sic), a mulher começa a sentir vontade de seguir
o conselho da amiga. Liga para Leocádio e convida para que ele vá vê-la porque
se sente muito sozinha.
Como tantos outros contos
de Nelson Rodrigues, há o elemento surpreendente e inesperado. Leocádio foge de
Marlene porque, no fundo, gosta dela. Cada vez mais agressiva e se sentindo
rejeitada, a mulher enlouquece e vai atrás do rapaz seguindo outro conselho da amiga liberada: “É preciso
ser explícita ser direta na conquista. Só que Leocádio é fiel ao amigo e jamais
o trairia. Ouça no YouTube a mais um trecho: http://www.tropix.nce.ufrj.br/teatro/
Muitas pessoas estranham
até hoje o lado trágico do escritor Nelson Rodrigues que considerava a vida de
maneira trágica e dramática. O próprio grupo de teatro que encena a crônica
transformada em peça para teatro, reforça o lado da ópera e os grandes dramas
encenados não só no palco. Mas na vida cotidiana também.
No livro O anjo pornográfico, de Ruy Castro,
sabe-se que Nelson Rodrigues foi um adolescente triste. Ele admitia isso.
Apaixonou-se por várias mulheres e quase sempre foi ignorado por elas. Depois da morte do irmão na sua frente no jornal do
pai, e de ter vivido vários dramas familiares, sofreu vários recalques.
Entre suas frases geniais,
ele disse a seguinte: “Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura.
Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da
fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um
anjo pornográfico.
Nelson
Rodrigues nasceu no dia 23 de agosto de 1912, no Recife. Veio com a família
para o Rio de Janeiro aos cinco anos. A
grande inspiração se deu na infância vivida na Zona Norte do Rio. Depois de trabalhar com o pai, passou por vários
jornais e revistas como O Cruzeiro,
que durante muitos anos foi a mais vendida do Brasil. Na gráfica da empresa, passou
a escrever o folhetim Meu destino é pecar,
usando o pseudônimo de Suzana Flag. De oito mil exemplares, a tiragem cresceu
para 12 mil e depois 300 mil exemplares. Sucesso absoluto.
Nelson morreu em 1980, deixando muitos fãs e centenas de produções. O escritor e
sociólogo Gilberto Freyre comparou o Nelson Rodrigues ao escritor americano
Eugene O’Neill, que recebeu o Nobel de Literatura de 1936 e o Prêmio
Pulitzer por várias vezes. Para o jornalista Francisco Pedro do Couto, “a
sua arte é que importa. Ela é imensa, agressivamente bela, pujante e eterna.
Como a de Shakespeare”. De fato, as peças se adaptaram muito bem ao tempo e ao
radioteatro, provando que ele produzia obras abertas e facilmente adaptáveis.
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