Rose Esquenazi
A música Brasil, de Benedito Lacerda e Aldo Cabral,
interpretada por Dalva de Oliveira e Francisco Alves, em 1939, exalta o Brasil e seu povo, o paraíso na Terra, “orgulho dos filhos teus”,
cheia de fartura e riqueza. Pois bem, essa obra da música popular brasileira
tinha um objetivo: falar bem do governo de Getúlio Vargas, que havia estabelecido
o Estado Novo em 1937. Dois anos depois, o Departamento de Imprensa e
Propaganda, o famigerado DIP, ia expandindo o seu poder e interferindo em todas
as atividades artísticas, culturais, jornalísticas.
Já havíamos comentando aqui no seu programa a disputa
entre Noel Rosa e Wilson Batista. O Poeta da Vila defendendo, com a sua música,
os compositores como profissionais sérios e importantes. E Wilson batendo na
tecla que o bacana mesmo era não trabalhar, explorar mulheres, viver na
malandragem regada à muita bebida e samba.
Em 1940, uma polêmica ocorreu durante o concurso
musical chamado Noite da Música Popular, promovida pelo DIP. Ary Barroso, que
já fazia sucesso, inscreveu a música Aquarela
do Brasil no concurso e foi desclassificado. Os jurados, entre eles, o
maestro Heitor Villa-Lobos, argumentou que a música não era carnavalesca e que
o Carnaval não era palco para manifestações patrióticas ou de civismo. Ary
ficou uma arara. Ele não tinha feito um samba patriótico e, no regulamento do
concurso, não havia a exigência de que era preciso fazer música de Carnaval.
O fato é que o DIP queria mesmo acabar com os sambas
negativos, que traziam a “marca do sensualismo”, que segundo as palavras de
Álvaro Salgado, na revista Cultura
Política, era algo “feio e indecente”. Ao contrário, queria incentivar a
música que incentivava o bom comportamento,
o prazer de trabalhar muito, ganhar pouco e até ter muitos filhos. Um dos
maiores ridículos que surgiram naquele tempo foi o samba É negócio casar, de Ataulfo Alves e Felisberto Martins.
Curiosamente, se estimulava o casamento e a ideia de se ter mais de quatro
filhos. Na letra, dizia-se que o presidente mandava premiar esses pais de
tantos herdeiros. O que ninguém sabia é que essa política era uma cópia do que
ocorria durante o regime fascista italiano. Mussolini queria mesmo aumentar a
população e decidiu implementar a política, logo copiada por Getúlio Vargas. Ouça É negócio casar, na voz de Ataulfo Alves, no YouTube.
Aquarela
do Brasil, ao que tundo indica, não foi feita para estimular o
civismo. Mas outras canções da época tinham exatamente esse objetivo. Além de Brasil, podemos citar Canta
Brasil, de Alcir Pires
Vermelho e David Nasser. E também Onde o
céu é mais azul, mais uma vez de Alcir Pires Vermelho, João de Barro e
Alberto Ribeiro e outras mais. O que a
gente percebe é que praticamente todas têm grandes arranjos de orquestras,
feitos por grandes maestros. Tenho que confessar que algumas são até belas
músicas que voltaram a ser gravadas por outros intérpretes, como Gal Costa, 30,
40 anos depois.
O absurdo é tentar
criar música com fórmulas, para agradar o presidente e o Estado Novo. Qualquer
samba que falasse da miséria do povo, das dificuldades do trabalhador e de sua
condição de vida não conseguia a autorização do Departamento de Censura do DIP.
Assim, não podiam ser gravadas ou interpretadas. O mesmo tipo de restrição
ocorreu durante a ditadura militar, a partir de 1964 até 1980. Depois do AI-5, tudo
tornou-se mais difícil para a classe artística.
A Rádio Nacional
veiculava todas essas músicas ufanistas porque havia sido incorporada às
empresas da União em 1940. E, desde que criou as emissoras em ondas curtas, a
Nacional transmitia para o mundo essa ideologia positiva que escondia as nossas
mazelas. O DIP chegou a inaugurar um programa chamado Hora do Brasil, na Rádio El Mundo, em Buenos Aires. A atração incluía
as notícias e músicas que interessavam ao governo do Estado Novo. Como escreveu
o jornalista e pesquisador Sérgio Cabral, no livro A MPB na era do rádio, para economizar, a produção chamava músicos
e cantores locais que não conheciam o ritmo quente da MPB. Resultado, virava um
pastiche malfeito e até ridículo.
Os brasileiros que iam
para Buenos Aires e, por acaso, ouviam o programa, ficavam com vergonha. Ary
Barroso deu uma entrevista em que atacou a tentativa de conquistar os
portenhos. Ele disse: “É uma vergonha para o Brasil. Estou para ver outro
programa tão mal organizado e que desfaça tanto da música brasileira, a começar
pela orquestra que não tem um brasileiro”.
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