quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Clarice Lispector: Perfil de Mulher

Rose Esquenazi


        Para continuar comemorando os 80 anos da Rádio MEC, pesquisei o programa cultural Perfil Mulher. A atração semanal falava sobre a vida de mulheres extraordinárias que imprimiram sabedoria e inteligência à história nacional. No dia 22 de dezembro de 1995, o tema do Perfil foi a escritora Clarice Lispector. Os produtores que assinaram a atração foram Laura Figueiredo e Helena Paradela. O locutor era Luciano Gama, sendo que a atriz Neila Tavares fez uma participação especial.

          Clarice Lispector nasceu na Rússia, na cidade de Chechelnyk, em 10 de dezembro de 1920. Chegou ainda bebê no Brasil, assim que os pais conseguiram fugir da perseguição aos judeus, que eram muito pobres na época. Os cossacos, em seus pogroms, matavam e cometiam toda a sorte de violência nas aldeias humildes. O Brasil representava uma nova esperança, assim como acontece hoje com os refugiados sírios, congoleses, venezuelanos que chegam no país em busca de uma nova oportunidade.
          Em Maceió e no Recife, onde foi morar, Clarice descobriu a sua brasilidade. Desde jovem começou a escrever contos. Mais tarde, vieram os ensaios e os romances. Ela era diferente, talvez um pouco enigmática, mas muito profunda em tudo o que escrevia. Tanto que, atualmente, é uma escritora reconhecida no mundo, sendo lançada continuamente na Europa e nos Estados Unidos. Passou a ser comparada pelos críticos literários ao escritor tcheco Franz Kafka. Não é à toa que ela é considerada um dos principais autores do século XX.   
          Em 1935, depois do Recife, Clarice Lispector veio com a família para o Rio. Tinha 14 anos e, na Tijuca, onde foi morar, estudou no ginásio do Colégio Sílvio Leite. Mais tarde, decidiu fazer direito na  Universidade Federal do Rio de Janeiro, apesar de não ser uma jovem da elite: poucas mulheres tentavam essa área profissional. A escritora costumava dizer que queria mudar as coisas que viu nos mocambos miseráveis do Recife. Ali prometeu que “não deixaria aquilo continuar”. Como advogada ela achava que seria possível ajudar as pessoas humildes. Descobriu, anos depois, que não era tão fácil assim a sua missão.
          Clarice passou a fazer traduções e a contribuir para a imprensa, até que lançou seu primeiro livro, 'Perto do coração selvagem'. O romance foi rejeitado por algumas editoras, mas acabou saindo, causando impacto entre alguns escritores. O crítico Guilherme Figueiredo reconheceu que Clarice era uma estreante, mas sua obra já tinha “indicativos da qualidade maravilhosamente poética de sua prosa”.  Elogiou a sua, entre aspas,  “estonteante riqueza verbal”. Disse mais: “o sabor lentamente degustado das palavras e das sílabas, a capacidade de mergulhar nelas até perderem o contorno de coisas, para receberem uma aura vaga e irreal”. Ao se casar com um colega de turma, Maury Gurgel Valente, ela foi para a Itália. O marido se tornou diplomata e Clarice teve que desempenhar outro papel. Ela desaparecia do Rio, mas continuava escrevendo em vários países onde morou.

          De volta ao Brasil, Clarice Lispector – já com o primeiro filho – incluía cenas do cotidiano que incluem momentos de epifania e mágica aos seus textos. Era diferente de outras escritoras: falava sobre algo indescritível, sobrenatural. Como o programa da Rádio MEC abordou, Clarice era uma mulher bonita que chamava atenção. Provocava estranhas reações nas pessoas: algumas se apaixonavam por ela. Outras, a achavam simplesmente esquisita. Seja como for, ela escreveu uma obra grandiosa. É muito comum que agora, quase 40 anos depois de sua morte, tantas peças de teatro, cursos em universidades e filmes se inspirem em seus personagens e nas suas histórias.
          Um de seus mais famosos livros é a 'Hora da Estrela', que foi adaptado para o cinema pela diretora Suzana Amaral, em 1985. A atriz Marcélia Cartaxo emprestou tristeza e desilusão à personagem Macabéa. A nordestina de 19 anos, órfã de pai e mãe, tentava a vida na cidade grande. Clarice contou que se inspirou em algumas mulheres que conheceu, muitas sem esperança de mudar a vida e sem futuro. O filme é considerado um dos 100 filmes brasileiros mais importantes de todos os tempos.
          É interessante reconhecer que Clarice Lispector consiga hoje a atenção de tantos jovens, no Brasil e no mundo.Influencia os que se aventuram no mundo da literatura.Clarice morreu no Rio em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de completar 57 anos, em decorrência de um câncer. Deixou dois filhos: Pedro Lispector Valente e Paulo Lispector Valente. Paulo cuida de sua obra.

        Suas principais obras foram as seguintes: 'Perto do coração selvagem', 'O lustre', 'Cidade sitiada (1949), A paixão segundo G. H. (1964), Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969), Água viva (1973) e Um sopro de vida (1978). Escreveu também muitos contos, publicados muitas vezes na imprensa antes de se tornarem coletâneas: Laços de família (1960), A legião estrangeira (1964), Felicidade clandestina (1971), O ovo e a galinha (1977), A bela e a fera (1979). Além da novela A hora da estrela (1977), aventurou-se na literatura infantil, muitas escritas para os filhos. Vamos ouvir mais um trecho do programa.

         Clarice deu uma entrevista na TV Cultura, disponível no YouTube, quando ela acabava de escrever A hora da estrela. A obra ainda não tinha título, mas Clarice Lispector descreveu a personagem Macabéa. Seu último e maravilhoso biógrafo é o americano Benjamin Moser, tornou-se  responsável por editar a obra nos Estados Unidos recentemente.

         No livro, Benjamim parece captar a alma da escritora, as suas contradições e toda a sua beleza. Na Introdução, ele escreveu que Clarice não se deixava revelar de primeira. Nas entrevistas que dava, muitas vezes respondia assim: “Não sei, não conheço, não ouvi dizer, não entendo do assunto, não é do meu domínio, é difícil explicar, não me considero, desconheço, não creio”. Respostas que causam o maior sofrimento a qualquer jornalista, mas que são também fruto da verdade daquela pessoa chamada de mítica, uma verdadeira esfinge.

         “Ela disse que “fatos e pormenores” a aborreciam. No livro 'Um sopro de vida', Clarice é a personagem Ângela Pralini. Em certo momento, escreve que teve um sonho bom. “Na vida nós somos artistas de uma peça de teatro absurdo escrita por um Deus absurdo. Nós somos todos os participantes desse teatro: na verdade nunca morremos quando acontece a morte. Só morremos como artistas. Isso seria a eternidade?”

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