Rose Esquenazi
Para continuar comemorando os 80 anos da Rádio MEC, pesquisei o programa cultural Perfil
Mulher. A atração semanal falava sobre a vida de mulheres extraordinárias
que imprimiram sabedoria e inteligência à história nacional. No dia 22 de
dezembro de 1995, o tema do Perfil foi a
escritora Clarice Lispector. Os produtores que assinaram a atração foram Laura
Figueiredo e Helena Paradela. O locutor era Luciano Gama, sendo que a atriz Neila
Tavares fez uma participação especial.
Clarice
Lispector nasceu na Rússia, na cidade de Chechelnyk, em 10 de dezembro de 1920.
Chegou ainda bebê no Brasil, assim que os pais conseguiram fugir da perseguição
aos judeus, que eram muito pobres na época. Os cossacos, em seus pogroms,
matavam e cometiam toda a sorte de violência nas aldeias humildes. O Brasil
representava uma nova esperança, assim como acontece hoje com os refugiados
sírios, congoleses, venezuelanos que chegam no país em busca de uma nova
oportunidade.
Em Maceió
e no Recife, onde foi morar, Clarice descobriu a sua brasilidade. Desde jovem
começou a escrever contos. Mais tarde, vieram os ensaios e os romances. Ela era
diferente, talvez um pouco enigmática, mas muito profunda em tudo o que
escrevia. Tanto que, atualmente, é uma escritora reconhecida no mundo, sendo lançada
continuamente na Europa e nos Estados Unidos. Passou a ser comparada pelos
críticos literários ao escritor tcheco Franz Kafka. Não é à toa que ela é
considerada um dos principais autores do século XX.
Em 1935,
depois do Recife, Clarice Lispector veio com a família para o Rio. Tinha 14 anos
e, na Tijuca, onde foi morar, estudou no ginásio do Colégio Sílvio Leite. Mais tarde, decidiu
fazer direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, apesar de não ser uma
jovem da elite: poucas mulheres tentavam essa área profissional. A escritora costumava
dizer que queria mudar as coisas que viu nos mocambos miseráveis do Recife. Ali
prometeu que “não deixaria aquilo
continuar”. Como advogada ela achava que seria possível ajudar as
pessoas humildes. Descobriu, anos depois, que não era tão fácil assim a sua
missão.
Clarice passou a fazer
traduções e a contribuir para a imprensa, até que lançou seu primeiro livro, 'Perto do coração selvagem'. O romance
foi rejeitado por algumas editoras, mas acabou saindo, causando impacto entre alguns
escritores. O crítico Guilherme Figueiredo reconheceu que Clarice era uma
estreante, mas sua obra já tinha “indicativos da qualidade maravilhosamente
poética de sua prosa”. Elogiou a sua, entre aspas, “estonteante riqueza verbal”. Disse mais: “o
sabor lentamente degustado das palavras e das sílabas, a capacidade de
mergulhar nelas até perderem o contorno de coisas, para receberem
uma aura vaga e irreal”. Ao se casar com um colega de turma, Maury Gurgel Valente, ela foi para a Itália. O marido se tornou
diplomata e Clarice teve que desempenhar outro papel. Ela desaparecia do Rio,
mas continuava escrevendo em vários países onde morou.
De
volta ao Brasil, Clarice Lispector – já com o primeiro filho – incluía cenas do cotidiano
que incluem momentos de epifania e mágica aos seus textos. Era diferente de
outras escritoras: falava sobre algo indescritível, sobrenatural. Como o
programa da Rádio MEC abordou, Clarice era uma mulher bonita que chamava
atenção. Provocava estranhas reações nas pessoas: algumas se apaixonavam por
ela. Outras, a achavam simplesmente esquisita. Seja como for, ela escreveu uma
obra grandiosa. É muito comum que agora, quase 40 anos depois de sua morte,
tantas peças de teatro, cursos em universidades e filmes se inspirem em seus
personagens e nas suas histórias.
Um
de seus mais famosos livros é a 'Hora da
Estrela', que foi adaptado para o cinema pela diretora Suzana Amaral, em
1985. A atriz Marcélia Cartaxo emprestou tristeza e desilusão à personagem
Macabéa. A nordestina de 19 anos, órfã de pai e mãe, tentava a vida na cidade
grande. Clarice contou que se inspirou em algumas mulheres que conheceu, muitas
sem esperança de mudar a vida e sem futuro. O filme é considerado um dos 100
filmes brasileiros mais importantes de todos os tempos.
É interessante reconhecer que Clarice Lispector
consiga hoje a atenção de tantos jovens, no Brasil e no mundo.Influencia os que
se aventuram no mundo da literatura.Clarice morreu no Rio em 9 de dezembro de 1977, um
dia antes de completar 57 anos, em decorrência de um câncer. Deixou dois filhos: Pedro
Lispector Valente e Paulo Lispector Valente. Paulo cuida de sua obra.
Suas principais obras foram as
seguintes: 'Perto do coração selvagem',
'O lustre', 'Cidade sitiada (1949), A paixão
segundo G. H. (1964),
Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969), Água viva (1973) e Um sopro de vida (1978). Escreveu também
muitos contos, publicados muitas vezes na imprensa antes de se tornarem
coletâneas: Laços de
família (1960),
A legião estrangeira (1964), Felicidade
clandestina (1971),
O ovo e a galinha (1977), A bela e
a fera (1979). Além da novela A hora da estrela (1977), aventurou-se na
literatura infantil, muitas escritas para os filhos. Vamos ouvir mais um trecho
do programa.
Clarice deu uma entrevista na TV Cultura, disponível no YouTube, quando ela acabava de escrever A hora da estrela. A obra ainda não tinha título, mas Clarice Lispector descreveu a
personagem Macabéa. Seu último e maravilhoso biógrafo é o americano Benjamin
Moser, tornou-se responsável por editar
a obra nos Estados Unidos recentemente.
No livro, Benjamim parece captar a alma da
escritora, as suas contradições e toda a sua beleza. Na Introdução, ele escreveu
que Clarice não se deixava revelar de primeira. Nas entrevistas que dava,
muitas vezes respondia assim: “Não sei, não conheço, não ouvi dizer, não
entendo do assunto, não é do meu domínio, é difícil explicar, não me considero,
desconheço, não creio”. Respostas que causam o maior sofrimento a qualquer
jornalista, mas que são também fruto da verdade daquela pessoa chamada de
mítica, uma verdadeira esfinge.
“Ela disse que “fatos e pormenores” a aborreciam.
No livro 'Um sopro de vida', Clarice
é a personagem Ângela Pralini. Em certo momento, escreve que teve um sonho bom.
“Na vida nós somos artistas de uma peça de teatro absurdo escrita por um Deus
absurdo. Nós somos todos os participantes desse teatro: na verdade nunca
morremos quando acontece a morte. Só morremos como artistas. Isso seria a
eternidade?”
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