domingo, 24 de dezembro de 2017

Curso de inglês na Rádio MEC





 Rose Esquenazi


Atualmente, temos muitas maneiras de estudar um idioma. Além de vários cursinhos que aparecem em diferentes cidades, pode-se aprender inglês, francês ou espanhol em cursos a distância, em aulas pela internet, via Skype,  até em mensagens que podemos receber no nosso iPhone. Mas imaginem isso nos anos 30 e 40. Tudo era muito mais difícil. Antes de celulares, internet e TV, só o rádio reunia as condições de ser o grande professor. Aliás, esse era o maior objetivo de Edgar Roquette-Pinto ao criar a Rádio Sociedade, em 1923. Ser a escola dos que não tinham escola.

Graças à ajuda do pessoal  do departamento de pesquisa do Acervo da  EBC, sob a coordenação de Michelle Tito, Luiz Antonio Cruz Albuquerque e equipe, consegui alguns exemplares de programas da British Broadcasting Corporation, conhecida como BBC. Preparados especialmente para nós, brasileiros, e enviados de Londres, Vamos falar inglês, ou Let’s speak English, tinha duração de 14. É uma delícia ouvir a interpretação dos atores, a voz elegante e gentil do apresentador, descobrir as lições mais básicas dessas aulas radiofônicas. As aulas eram muito bem dirigidas e, depois de cada ensinamento, a produção dava um tempo para que o ouvinte treinasse em sua casa a pronúncia e a dicção.  Ninguém corrigia o aluno como se faz hoje em dia ao vivo, pelo Skype, mas já era alguma coisa.  Além disso, era tudo de graça!

Não conseguimos identificar a data precisa desses programas, mas acredito que tenham sido gravados no final dos anos 60. Digo isso porque as referências e brincadeiras de adivinhação se referem a atores dessa época, como Lawrence Olivier e Cary Grant e Omar Shariff.  

Vamos voltar ainda mais no tempo. Em 1938, os especialistas da BBC  notaram que não havia mensagens inglesas no Brasil e na América Latina. Não se falava em cultura, política, economia da Grã-Bretanha. Mas havia uma grande propagação de ideais alemães, russos e italianos a partir da Rádio Berlim, a Rádio Russa e Rádio Italiana nos aparelhos dos brasileiros. Durante a transmissão musical através de ondas curtas, esses regimes faziam propaganda política e ideológica. Assim, a fim de se posicionar em uma época tão conflituosa e perigosa,  a BBC inaugurou o Serviço Latino-Americano em dois idiomas, espanhol e português, direto de Londres. No mesmo ano, foi criado o serviço em árabe. Em 1941, a BBC lançou um canal exclusivo para o Brasil.

Muitos programas foram produzidos para os brasileiros nesse serviço, que foi além da Segunda Guerra.  Além do semanal Rádio-Magazine, de Bento Fabião, pseudônimo de Geraldo Cavalcanti, havia radioteatro, assinado por Vladimir Herzog, o Vlado; os que falavam sobre literatura, como Crônica Londrina, escrita por Antonio Callado.

Lya Cavalcanti era responsável pela Hora Feminina. A BBC também preparava muitas atrações musicais, como Orquestras Sinfônicas Europeias, A Vida de Chopin, Anedotas musicais. Muitos outros brasileiros, como Bento Fabião, Rachel Braune, Dulce Jay, Aymberê, José Veiga, Sérgio Viotti entre outros -  foram convidados para morar na Inglaterra para escrever e irradiar a vasta programação, que incluía notícias diárias em Big Ben - noticiário. Desde 1948, teve início Inglês pelo rádio.


O modelo do rádio inglês era diferente dos outros na Europa, desde os anos 20. Enquanto os programas de rádio na União Soviética eram maçantes e cheios de “estatísticas dúbias”, segundo os escritores Asa Briggs e Peter Burke, os britânicos tinham o interesse de “fornecer informação, entretenimento e educação”. Eram conteúdos feitos por pessoas do meio e não por ideólogos ou políticos.  O objetivo era esclarecer a população para torná-la consciente na hora de votar por seus representantes políticos.  Foi uma escola de ética para muitas outras emissoras que viriam a seguir.

Havia uma postura formal e, ao mesmo tempo, íntegra dos locutores. Um padrão de qualidade que ainda era rara no Brasil. Mais tarde, a Rádio Jornal do Brasil se aproximou desse estilo elegante e sóbrio. Durante a guerra, era preciso ouvir os discursos de Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico para saber o que estava acontecendo na guerra. Acompanhar o dia a dia do conflito mundial, saber que se combatia contra o nazismo e o fascista  na Europa. Ainda mais que nossos soldados estavam na Itália:  o que estaria acontecendo do outro lado do mundo? Acompanhar a BBC, de Londres, além do Repórter Esso, da Rádio Nacional e do Grande Jornal Falado Tupi, era fundamental.

Depois da guerra, como já disse, a BBC lançou programas para ensinar inglês, passando as lições e as noções básicas do idioma. Os brasileiros tinham fome de saber. O inglês já dominava como segunda língua, passando na frente do francês que prevalecia no Brasil desde o século XIX. Naquela época e até hoje, falar inglês é se expressar em uma língua universal, entendida por todos.

Liana Milanez, autora do livro Rádio MEC: Herança de um sonho na Rádio Sociedade, ,  de 1923 a 1936, havia  “aulas com grandes mestres, saraus artísticos, apresentações musicais, notícias comentadas” na rádio educativa. Imaginem que 70% da nossa população era analfabeta. O rádio não exigia nada, apensas o ouvido atento. Depois que a  Rádio Sociedade se tornou Rádio MEC, em 1936, os intelectuais continuaram se interessando pelo conteúdo da programação.  Os professores do Colégio Pedro II ensinavam pelo rádio, aceitando o convite , primeiramente de Roquette-Pinto e depois da direção da MEC. Além da programação educativa, havia sinfonias, quartetos musicais, grandes maestros e peças teatrais.  
00A partir de 1970, o Serviço de Radiodifusão Educativa produziu e veiculou o Projeto Minerva, responsável pela expansão do ensino em todo o país.

Mas vamos voltar às aulas de inglês. A programação musical de língua inglesa cresceu muito a partir dos anos 60. Podemos citar o surgimento dos Beatles, os Rolling Stones, dezenas de bandas de rock. Isso sem contar com os americanos Elvis Presley, o jazz e também o rock americano que revolucionava uma era e que tinham as letras em inglês. Mas como entender o que eles estavam cantando? Era preciso aprender o idioma começando pelo beabá. Havia também a expansão econômica e cada vez precisávamos mais do idioma de Shakespeare.

Vamos ouvir mais um trecho do programa Vamos falar inglês. Agora, a edição 94.  Vocês vão perceber como as aulas já estavam com conteúdo bem mais complexo.  Nesse trecho, o caso do empréstimo das dez libras. 


De uma maneira agradável, com o melhor sotaque possível, os brasileiros passavam a falar um pouco do inglês.  Na produção da BBC, há ambientação, efeitos sonoros e sempre uma música no final do programa. Uma viagem deliciosa no túnel do tempo através da BBC e da Rádio MEC. Let’s speak English, Marco Aurélio? 

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