Rose Esquenazi
Atualmente,
temos muitas maneiras de estudar um idioma. Além de vários cursinhos que aparecem
em diferentes cidades, pode-se aprender inglês, francês ou espanhol em cursos a
distância, em aulas pela internet, via Skype, até em mensagens que podemos receber no nosso
iPhone. Mas imaginem isso nos anos 30 e 40. Tudo era muito mais difícil. Antes
de celulares, internet e TV, só o rádio reunia as condições de ser o grande
professor. Aliás, esse era o maior objetivo de Edgar Roquette-Pinto ao criar a
Rádio Sociedade, em 1923. Ser a escola dos que não tinham escola.
Graças à
ajuda do pessoal do departamento
de pesquisa do Acervo da EBC, sob a
coordenação de Michelle Tito, Luiz Antonio Cruz Albuquerque e equipe, consegui alguns
exemplares de programas da British Broadcasting Corporation, conhecida como BBC.
Preparados especialmente para nós, brasileiros, e enviados de Londres, Vamos falar inglês, ou Let’s speak English, tinha duração de
14. É uma delícia ouvir a interpretação dos atores, a voz elegante e gentil do
apresentador, descobrir as lições mais básicas dessas aulas radiofônicas. As
aulas eram muito bem dirigidas e, depois de cada ensinamento, a produção dava
um tempo para que o ouvinte treinasse em sua casa a pronúncia e a dicção. Ninguém corrigia o aluno como se faz hoje em
dia ao vivo, pelo Skype, mas já era alguma coisa. Além disso, era tudo de graça!
Não
conseguimos identificar a data precisa desses programas, mas acredito que
tenham sido gravados no final dos anos 60. Digo isso porque as referências e
brincadeiras de adivinhação se referem a atores dessa época, como Lawrence
Olivier e Cary Grant e Omar Shariff.
Vamos voltar
ainda mais no tempo. Em 1938, os especialistas da BBC notaram que não havia mensagens inglesas no
Brasil e na América Latina. Não se falava em cultura, política, economia da
Grã-Bretanha. Mas havia uma grande propagação de ideais alemães, russos e
italianos a partir da Rádio Berlim, a Rádio Russa e Rádio Italiana nos aparelhos
dos brasileiros. Durante a transmissão musical através de ondas curtas, esses
regimes faziam propaganda política e ideológica. Assim, a fim de se posicionar
em uma época tão conflituosa e perigosa, a BBC inaugurou o Serviço Latino-Americano em
dois idiomas, espanhol e português, direto de Londres. No mesmo ano, foi criado
o serviço em árabe. Em 1941, a BBC lançou um canal exclusivo para o Brasil.
Muitos
programas foram produzidos para os brasileiros nesse serviço, que foi além da Segunda
Guerra. Além do semanal Rádio-Magazine, de Bento Fabião,
pseudônimo de Geraldo Cavalcanti, havia radioteatro, assinado por Vladimir
Herzog, o Vlado; os que falavam sobre literatura, como Crônica Londrina, escrita por Antonio Callado.
Lya Cavalcanti
era responsável pela Hora Feminina. A
BBC também preparava muitas atrações musicais, como Orquestras Sinfônicas Europeias, A Vida de Chopin, Anedotas
musicais. Muitos outros brasileiros, como Bento Fabião, Rachel Braune,
Dulce Jay, Aymberê, José Veiga, Sérgio Viotti entre outros - foram convidados para morar na Inglaterra
para escrever e irradiar a vasta programação, que incluía notícias diárias em Big Ben - noticiário. Desde 1948, teve
início Inglês pelo rádio.
O modelo do
rádio inglês era diferente dos outros na Europa, desde os anos 20. Enquanto os
programas de rádio na União Soviética eram maçantes e cheios de “estatísticas
dúbias”, segundo os escritores Asa Briggs e Peter Burke, os britânicos tinham o
interesse de “fornecer informação, entretenimento e educação”. Eram conteúdos
feitos por pessoas do meio e não por ideólogos ou políticos. O objetivo era esclarecer a população para
torná-la consciente na hora de votar por seus representantes políticos. Foi uma escola de ética para muitas outras
emissoras que viriam a seguir.
Havia uma
postura formal e, ao mesmo tempo, íntegra dos locutores. Um padrão de qualidade
que ainda era rara no Brasil. Mais tarde, a Rádio Jornal do Brasil se aproximou
desse estilo elegante e sóbrio. Durante a guerra, era preciso ouvir os
discursos de Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico para saber o que
estava acontecendo na guerra. Acompanhar o dia a dia do conflito mundial, saber
que se combatia contra o nazismo e o fascista na Europa. Ainda mais que nossos soldados
estavam na Itália: o que estaria
acontecendo do outro lado do mundo? Acompanhar a BBC, de Londres, além do Repórter Esso, da Rádio Nacional e do Grande Jornal Falado Tupi, era
fundamental.
Depois da
guerra, como já disse, a BBC lançou programas para ensinar inglês, passando as
lições e as noções básicas do idioma. Os brasileiros tinham fome de saber. O
inglês já dominava como segunda língua, passando na frente do francês que
prevalecia no Brasil desde o século XIX. Naquela época e até hoje, falar inglês
é se expressar em uma língua universal, entendida por todos.
Liana
Milanez, autora do livro Rádio MEC:
Herança de um sonho na Rádio Sociedade, ,
de 1923 a 1936, havia “aulas com
grandes mestres, saraus artísticos, apresentações musicais, notícias
comentadas” na rádio educativa. Imaginem que 70% da nossa população era
analfabeta. O rádio não exigia nada, apensas o ouvido atento. Depois que a Rádio Sociedade se tornou Rádio MEC, em 1936,
os intelectuais continuaram se interessando pelo conteúdo da programação. Os professores do Colégio Pedro II ensinavam
pelo rádio, aceitando o convite , primeiramente de Roquette-Pinto e depois da
direção da MEC. Além da programação educativa, havia sinfonias, quartetos
musicais, grandes maestros e peças teatrais.
00A partir
de 1970, o Serviço de Radiodifusão Educativa produziu e veiculou o Projeto
Minerva, responsável pela expansão do ensino em todo o país.
Mas vamos
voltar às aulas de inglês. A programação musical de língua inglesa cresceu
muito a partir dos anos 60. Podemos citar o surgimento dos Beatles, os Rolling
Stones, dezenas de bandas de rock. Isso sem contar com os americanos Elvis
Presley, o jazz e também o rock americano que revolucionava uma era e que
tinham as letras em inglês. Mas como entender o que eles estavam cantando? Era
preciso aprender o idioma começando pelo beabá. Havia também a expansão
econômica e cada vez precisávamos mais do idioma de Shakespeare.
Vamos ouvir
mais um trecho do programa Vamos falar
inglês. Agora, a edição 94. Vocês
vão perceber como as aulas já estavam com conteúdo bem mais complexo. Nesse trecho, o caso do empréstimo das dez
libras.
De uma
maneira agradável, com o melhor sotaque possível, os brasileiros passavam a
falar um pouco do inglês. Na produção da
BBC, há ambientação, efeitos sonoros e sempre uma música no final do programa.
Uma viagem deliciosa no túnel do tempo através da BBC e da Rádio MEC. Let’s speak English, Marco Aurélio?
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