domingo, 24 de dezembro de 2017

Paulo Vanzolini, um erudito popular


Rose Esquenazi




         Paulo Vanzolini foi o poeta do samba paulista. Ao contrário de muitos sambistas que nasceram e viveram apenas no ambiente musical, no Rio de Janeiro, Vanzolini tinha outra profissão e morava em São Paulo. Ele estudou medicina e durante muitos anos trabalhou como zoologista. Mas ele possuía um dom especial para a poesia, assim, são dele alguns dos mais lindos versos da Música Popular Brasileira. Segundo o blog Esquina Musical, entre aspas, “o essencial estava na sua pequena, porém, qualitativa, produção de sambas”, que se tornaram clássicos.  A letra de Ronda, por exemplo, que ouvimos na voz de Nelson Gonçalves, diz assim:

         “De noite eu rondo a cidade/A te procurar sem encontrar/No meio de olhares espio/ Em todos os bares/Você não está.../Volto pra casa abatida/ Desencantada da vida/O sonho alegria me dá: Nele você está”.

          Paulo nasceu no dia 25 de abril de 1924. Morou no Rio de Janeiro ainda criança e voltou para São Paulo, em 1930. Ao entrar para a faculdade de medicina, passou a participar das rodas de música dos colegas e, lógico, acompanhava a turma bebendo, identificado com a boemia. Recitava também os versos nos regionais da universidade. A música Ronda nasceu por acaso. A cantora Inezita Barroso, amiga da família, simplesmente não sabia que um disco tinha um lado B. Para agradar Inezita, Paulo compôs Ronda,  lançando-se sem saber como compositor-cientista.No início da carreira, não chamou muita atenção. Aos poucos, os boêmios, que não são poucos, passaram a cantar e a ser identificar com as situações da música. Gravada apenas em 1977, pela cantora Márcia, a letra de Ronda tinha um final trágico. É a história de uma prostituta que mata seu gigolô. Depois de Márcia, Ronda teve mais de 30 gravações.

        Porém, com perfeita paciência/Volto a te buscar/Hei de encontrar/Bebendo com outras mulheres/Rolando um dadinho/Jogando bilhar/E neste dia, então/Vai dar na primeira edição/Cena de sangue num bar/Da Avenida São João

      Triste, não é? Estamos em uma época em que prevalecia o samba-canção na música romântica. No início dos anos 40, havia 14 lançamentos de samba canção por ano. Paulo tinha em que se mirar: Ary Barroso, Lamartine Babo, Custódio Mesquita, Mário Reis, Ismael Silva. Ótimos compositores que seguiram os passos de um dos primeiros sambas-canções brasileiros, o Mulato bamba, de Noel Rosa, lançada em 1932. Da mistura do erudito com o popular, nasceu a música e a poesia de Paulo Vanzolini.  

        Em 1951, Paulo Vanzolini quis que a cantora Inezita Barroso cantasse seu samba Volta por cima. Mas ela não quis. Já o cantor Noite Ilustrada, apelido de Mário Sousa Marques Filho, lançou a música pela Philips, em 1962, com muito sucesso. A canção ficou três semanas em primeiro lugar nas paradas de sucesso. Elza Soares também gravou, com grande repercussão. Em minha opinião, é uma das bonitas obras da MPB. Nesse mesmo ano de 1962, Paulo Vanzolini tornou-se diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Seu objetivo nunca foi viver de música ou gravar discos. Mas tinha prazer em escrever e assim continuava a compor poemas para os ouvidos por seu grupo de amigos que eram frequentadores da boate Jogral.

          Muita gente gravou Volta por cima. Uma das mais belas interpretações foi a da Maria Bethania. Crítico, Paulo implicava até com ela: costumava dizer que Bethania não era cantora, mas uma declamadora. Na letra, a parte mais importante para o compositor era a que dizia: “reconhece a queda, mas não desanima”. Vamos ler a letra agora e depois ouvir a Bethania cantando, OK?
Chorei, não procurei esconder/Todos viram, fingiram/Pena de mim, não precisava/Ali onde eu chorei/Qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei/Quero ver quem dava/Um homem de moral não fica no chão/Nem quer que mulher/Venha lhe dar a mão/Reconhece a queda e não desanima/Levanta, sacode a poeira/E dá a volta por cima.
Ouça a maravilhosa declamadora Maria Bethania no YouTube.

       Os pesquisadores musicais fazem um estranho perfil de Paulo Vanzolini. Às vezes, descrevem a sua música como samba sem diplomacia. Em Praça Clóvis, de 1967,talvez isso seja verdade. Na letra, o compositor que um homem é assaltado.  Ao contrário do que muitos poderiam supor, ele não fica chateado em perder seu dinheirinho. Na verdade, fica feliz porque o ladrão levou o retrato da mulher ingrata. Ouçam a letra irônica, que também é uma marca de Paulo Vanzolini.

Na praça Clóvis/Minha carteira foi batida/Tinha vinte e cinco cruzeiros/E o teu retrato/vinte e cinco/Eu, francamente, achei barato/Pra me livrarem/Do meu atraso de vida/Eu já devia ter rasgado/E não podia/Esse retrato cujo olhar/Me maltratava e perseguia/Um dia veio o lanceiro/Naquele aperto da praça/vinte e cinco/Francamente foi de graça

        Chico Buarque gravou a música e parecia se divertir muito com essa situação inusitada. As músicas de Paulo Vanzolini tocavam no rádio, mas ele também trabalhou no programa  Consultório Sentimental, apresentado por Cacilda Becker, na Rádio América. Lá, ele lia poemas. Em São Paulo, em 1951, Paulo Vanzolini publicou o livro de versos chamado Lira. E do rádio foi para a antiga TV Record, de São Paulo. Ele fazia um show com Aracy de Almeida e conseguia domar a alma rebelde da cantora.

        No programa Festival da Velha Guarda, trouxe para um novo público grandes músicos que estavam sendo esquecidos. Nos shows, apareceram , por exemplo, Donga e João da Baiana. Só em 1974, Vanzolini conseguiu gravar seu primeiro disco, Onze Sambas e uma Capoeira, graças um convite de Marcus Pereira, dono da gravadora com o mesmo nome. Vamos ouvir Maria que ninguém queria, de 1974, com Nelson Gonçalves


         Paulo Lanzolini estudou também na Columbia University e, durante toda a vida, se dedicou à zoologia. A decisão de seguir essa carreira teve início quando foi passear de bicicleta, pela primeira vez, no Instituto Butantã. Suas letras mostravam o cotidiano de homens e mulheres que sofrem por amor e que, às vezes, querem se vingar de uma traição. Na música Mente, interpretada por Clara Nunes, ele dizia:

        “Mente, ainda é uma saída, é uma hipótese de vida, mente, sai dizendo que me ama. Pois na mentira, meu amor, crer eu não creio, só pretendo que de tanto mentir, repetir que me ama, você mesma acabe crendo!.”

          Amigo de Adoniran Barbosa, Paulo Lanzolini é considerado um dos mais famosos compositores de São Paulo. Ele morreu em 2013, aos 89 anos. Chegou a ser reconhecido e ganhou o Prêmio da  Associação Paulista de Críticos de Artes, pelo conjunto da obra que refletia a sintaxe do paulistano. E para os que o imaginam como sofredor, ele esclareceu ainda em vida. Nunca sofreu de dor de cotovelo! Ouça no YouTube Cravo branco, de 1967.

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