“Ó, padeiro
dessa rua”
O
primeiro programa popular no rádio e o primeiro jingle.
Nássara foi o primeiro autor de jingle no Brasil |
Nos
anos 30, não existia nem mesmo a palavra jingle. Mas foi com um reclame – como
se dizia na época - que Antônio Nássara e seu patrão Adhemar Casé - conseguiram
driblar a antipatia do dono da padaria Bragança, em Botafogo. O português, é
bom que se explique, fazia o melhor pão da cidade. Mas eu vou contar essa
história desde o início.
Tudo
começou com Adhemar Casé. O pernambucano nasceu no dia 9/11/1902, na cidade de Belo
Jardim. A família teve que fugir da cidade por problemas
políticos, sendo que Casé morou no Recife, foi soldado no Rio e, quando decidiu
que iria morar no Rio, descobriu que não tinha tostão. Ele aceitou emprego de
fiscal, corretor de anúncio e vendedor de rádio. Esperto e sagaz, Casé
conseguiu driblar as dificuldades: era difícil vender aparelhos de rádio nos
anos 30: eram caros, importados, de grandes dimensões (não havia os portáteis).
Ele, então, começou a ter boas ideias.
No
livro “Programa Casé: o rádio começou aqui”, lançado pela Editora Mauad, 1995,
o neto Rafael Casé conta as histórias de homem que se tornou um grande
radialista. Casé consultou a lista
telefônica do Rio e pensou: “Se uma pessoa já tem telefone, que era caríssimo,
ela pode comprar um rádio. Espertamente,
ele esperava o homem sair para o trabalho e, só depois, tocava a
campainha. A mulher atendia a porta e Casé dizia que iria fazer uma
demonstração gratuita de rádio. Ela dizia que não, que o marido não estava etc.
Então Casé contava uma mentirinha: “Mas seu marido ligou para a loja onde
trabalho e me pediu para vir aqui”.
Quando
Casé ligava o rádio na melhor estação na época, a Rádio Sociedade, a dona de
casa ficava encantada. A música invadia aquele ambiente de forma maravilhosa. Ou
um locutor, o speaker, contava uma história, lia algum texto, era um mundo que se
abria para ela. Em mais um golpe de mestre, o vendedor dizia que deixaria o
aparelho na casa gratuitamente por alguns dias. A família podia desfrutar da
programação e, se quisesse comprar depois o aparelho, ele voltaria mais tarde.
Quase todos acabavam comprando o rádio em prestações.
É
bom lembrar para os mais jovens que, naquela época, não havia TV, celular,
shopping ou qualquer tipo de computador e internet.
Casé
conseguiu vender tantos rádios, que juntou um dinheirinho e acabou comprando
seu próprio aparelho. Ouvindo a BBC, da Inglaterra, e a NBC, nos Estados
Unidos, através das ondas curtas, Casé descobriu que a rádio estrangeira era
muito melhor do que a brasileira. A nossa era cheia de interrupções e
silêncios. Nas estrangeiras, havia sempre uma música no fundo e um speaker
falando alguma coisa.
Teve
ideia de criar seu próprio programa e se transformou em um “programista”.
Comprou, por uma fortuna, um horário na Rádio Philips, da empresa holandesa que
também comercializava aparelhos de rádio, e saiu para arranjar os anúncios que só
passaram a ser permitidos naquele mesmo ano de 1932.
Casé
contratou os melhores artistas com a ajuda de Silvio Salema, que contactou a
Carmem Miranda, Noel Rosa, Francisco Alves, Luis Barbosa, Donga, avisando a todos que eles receberiam cachê,
uma raridade naquela época porque os artistas costumavam cantar de graça.
O
programa de estreia no dia 14/2/1932, domingo, fez sucesso na primeira parte:
das 20h às 22h, a música brasileira, com sambas, emboladas, samba-canção e
muita alegria. De 22h à meia-noite, não teve repercussão já que a música
clássica era comum nas estações. Por isso, já no segundo programa, Casé
estendeu as participações populares. Fez tanto sucesso que se tornou o
principal programa no Rio.
É
uma curiosidade saber que o nome da atração – Programa Casé – foi dado em cima
da hora. Na estreia, Casé estava tão nervoso que se esqueceu desse detalhe
importante. O diretor da Rádio Philips convidado para fazer a apresentação do programa, já ao microfone, teve que
improvisar e saiu esse título!
Apesar
do sucesso, Casé gastou todo o dinheiro que tinha, além do que buscava no
comércio e na indústria. Assim, depois do 15º programa, ele decidiu acabar com a empreitada. Por sorte,
duas coisas aconteceram: o dono da loja que vendia rádio, talvez com pena do
Casé, ofereceu um contrato de três meses. E um paulista foi procurar o diretor
do “Programa Casé” no escritório. Ele contratou meia-hora por semana para
anunciar um produto dos Laboratórios Queiroz porque descobriu que o “Programa
Casé” era o melhor da cidade. Ele ficou tão feliz, que se esqueceu de perguntar qual era o anúncio que teria que fazer. Havia uma
lista de produtos proibidos naquele tempo: purgantes, roupas íntimas, remédio
para hemorroida, cólica etc. Por quê? Achavam que podiam chocar os ouvidos do
público.
Criativo, Casé encomendou uma historinha e,
sem mencionar a palavra purgante, fez o público entender o que o Manon
Purgativo. Tratava-se de uma noiva que ficaria mais feliz sem prisão de ventre
do que com a joia cara ou casaco de pele que ganhou do noivo.
Certo
dia, então, como disse no início do quadro, Casé cismou que o português dono da
padaria de Botafogo deveria anunciar no seu programa porque fazia um ótimo pão.
Para agradá-lo, Nássara, compositor, ilustrador e cartunista, que trabalhava com Casé, criou o jingle do
pão. No dia seguinte, todo os fregueses que vinham à padaria apareciam cantando: “Ó padeiro
dessa rua, tenha sempre na lembrança, não me traga outro pão, que não seja o
pão Bragança”. Muitos comerciantes
passaram a encomendar musiquinhas, ou jingles, para seus produtos.
O
português fechou o contrato de um ano com o Casé e o pão de Botafogo começou a
ser vendido em Copacabana e em outros bairros da cidade. É uma curiosidade
saber que no Rio do século passado, os moradores tinham duas caixas na porta de
casa: uma para o pão fresco e a outra para o leite.
O
rádio iniciava nos anos 30, a sua época de ouro. No "Programa Casé", Noel Rosa e
Marília Batista improvisavam versos de publicidade em cima do sucesso “De babado”:
https://www.youtube.com/watch?v=kcowUQlztko . Como eram reclames
ao vivo, não há registro dessas participações, só a música original.
http://radios.ebc.com.br/todas-vozes/edicao/2014-07/primeira-propaganda-em-forma-de-musica-no-radio-brasileiro
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