quinta-feira, 17 de julho de 2014

O primeiro jingle do rádio brasileiro




“Ó, padeiro dessa rua”

O primeiro programa popular no rádio e o primeiro jingle.


Nássara foi o primeiro autor de jingle no Brasil


Nos anos 30, não existia nem mesmo a palavra jingle. Mas foi com um reclame – como se dizia na época - que Antônio Nássara e seu patrão Adhemar Casé - conseguiram driblar a antipatia do dono da padaria Bragança, em Botafogo. O português, é bom que se explique, fazia o melhor pão da cidade. Mas eu vou contar essa história desde o início.


Tudo começou com Adhemar Casé. O pernambucano nasceu no dia 9/11/1902, na cidade de Belo Jardim.  A família teve que fugir da cidade por problemas políticos, sendo que Casé morou no Recife, foi soldado no Rio e, quando decidiu que iria morar no Rio, descobriu que não tinha tostão. Ele aceitou emprego de fiscal, corretor de anúncio e vendedor de rádio. Esperto e sagaz, Casé conseguiu driblar as dificuldades: era difícil vender aparelhos de rádio nos anos 30: eram caros, importados, de grandes dimensões (não havia os portáteis). Ele, então, começou a ter boas ideias.

No livro “Programa Casé: o rádio começou aqui”, lançado pela Editora Mauad, 1995, o neto Rafael Casé conta as histórias de homem que se tornou um grande radialista.  Casé consultou a lista telefônica do Rio e pensou: “Se uma pessoa já tem telefone, que era caríssimo, ela pode comprar um rádio.  Espertamente, ele esperava o homem sair para o trabalho e, só depois, tocava a campainha. A mulher atendia a porta e Casé dizia que iria fazer uma demonstração gratuita de rádio. Ela dizia que não, que o marido não estava etc. Então Casé contava uma mentirinha: “Mas seu marido ligou para a loja onde trabalho e me pediu para vir aqui”.

Quando Casé ligava o rádio na melhor estação na época, a Rádio Sociedade, a dona de casa ficava encantada. A música invadia aquele ambiente de forma maravilhosa. Ou um locutor, o speaker, contava uma história, lia algum texto, era um mundo que se abria para ela. Em mais um golpe de mestre, o vendedor dizia que deixaria o aparelho na casa gratuitamente por alguns dias. A família podia desfrutar da programação e, se quisesse comprar depois o aparelho, ele voltaria mais tarde. Quase todos acabavam comprando o rádio em prestações.

É bom lembrar para os mais jovens que, naquela época, não havia TV, celular, shopping ou qualquer tipo de computador e internet.

Casé conseguiu vender tantos rádios, que juntou um dinheirinho e acabou comprando seu próprio aparelho. Ouvindo a BBC, da Inglaterra, e a NBC, nos Estados Unidos, através das ondas curtas, Casé descobriu que a rádio estrangeira era muito melhor do que a brasileira. A nossa era cheia de interrupções e silêncios. Nas estrangeiras, havia sempre uma música no fundo e um speaker falando alguma coisa.

Teve ideia de criar seu próprio programa e se transformou em um “programista”. Comprou, por uma fortuna, um horário na Rádio Philips, da empresa holandesa que também comercializava aparelhos de rádio, e saiu para arranjar os anúncios que só passaram a ser permitidos naquele mesmo ano de 1932.

Casé contratou os melhores artistas com a ajuda de Silvio Salema, que contactou a Carmem Miranda, Noel Rosa, Francisco Alves, Luis Barbosa,  Donga, avisando a todos que eles receberiam cachê, uma raridade naquela época porque os artistas costumavam cantar de graça.

O programa de estreia no dia 14/2/1932, domingo, fez sucesso na primeira parte: das 20h às 22h, a música brasileira, com sambas, emboladas, samba-canção e muita alegria. De 22h à meia-noite, não teve repercussão já que a música clássica era comum nas estações. Por isso, já no segundo programa, Casé estendeu as participações populares. Fez tanto sucesso que se tornou o principal programa no Rio.

É uma curiosidade saber que o nome da atração – Programa Casé – foi dado em cima da hora. Na estreia, Casé estava tão nervoso que se esqueceu desse detalhe importante. O diretor da Rádio Philips convidado para fazer a apresentação do programa, já ao microfone, teve que improvisar e saiu esse título!

Apesar do sucesso, Casé gastou todo o dinheiro que tinha, além do que buscava no comércio e na indústria. Assim, depois do 15º programa, ele  decidiu acabar com a empreitada. Por sorte, duas coisas aconteceram: o dono da loja que vendia rádio, talvez com pena do Casé, ofereceu um contrato de três meses. E um paulista foi procurar o diretor do “Programa Casé” no escritório. Ele contratou meia-hora por semana para anunciar um produto dos Laboratórios Queiroz porque descobriu que o “Programa Casé” era o melhor da cidade. Ele ficou tão feliz, que se esqueceu de perguntar qual era o anúncio que teria que fazer. Havia uma lista de produtos proibidos naquele tempo: purgantes, roupas íntimas, remédio para hemorroida, cólica etc. Por quê? Achavam que podiam chocar os ouvidos do público.

Criativo, Casé encomendou uma historinha e, sem mencionar a palavra purgante, fez o público entender o que o Manon Purgativo. Tratava-se de uma noiva que ficaria mais feliz sem prisão de ventre do que com a joia cara ou casaco de pele que ganhou do noivo.

Certo dia, então, como disse no início do quadro, Casé cismou que o português dono da padaria de Botafogo deveria anunciar no seu programa porque fazia um ótimo pão. Para agradá-lo, Nássara, compositor, ilustrador e cartunista,  que trabalhava com Casé, criou o jingle do pão. No dia seguinte, todo os fregueses que vinham  à padaria apareciam cantando: “Ó padeiro dessa rua, tenha sempre na lembrança, não me traga outro pão, que não seja o pão Bragança”.  Muitos comerciantes passaram a encomendar musiquinhas, ou jingles, para seus produtos.

O português fechou o contrato de um ano com o Casé e o pão de Botafogo começou a ser vendido em Copacabana e em outros bairros da cidade. É uma curiosidade saber que no Rio do século passado, os moradores tinham duas caixas na porta de casa: uma para o pão fresco e a outra para o leite.

O rádio iniciava nos anos 30, a sua época de ouro. No "Programa Casé", Noel Rosa e Marília Batista improvisavam versos de publicidade em cima do sucesso “De babado”: https://www.youtube.com/watch?v=kcowUQlztko . Como eram reclames ao vivo, não há registro dessas participações, só a música original.


Assista ao quadro "O rádio faz história" no programa "Todas vozes", de Marco Aurélio Carvalho, na Rádio MEC AM, às segundas-feiras, às 8h40.

http://radios.ebc.com.br/todas-vozes/edicao/2014-07/primeira-propaganda-em-forma-de-musica-no-radio-brasileiro

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