sábado, 17 de outubro de 2015

Carmem não vai ser esquecida

Rose Esquenazi





Volto a escrever sobre a maior cantora brasileira de todos os tempos, em minha opinião, e claro, de muitos outros fãs: Carmem Miranda.

Maria do Carmo Miranda da Cunha nasceu em 1909, em Canavezes, área rural de Portugal, e morreu em 5 de agosto de 1955. Os 60 anos de sua morte não foram muito divulgados e as homenagens ficaram no meio do caminho. Onde está a estátua que iriam inaugurar no Centro ou em  Copacabana? Quando será aberto o novo Museu da Imagem do Som, data  tantas vezes adiada, e que promete uma ala grande com o acervo da cantora?  Isso porque já fecharam o Museu Carmem Miranda no Flamengo há muito tempo.  O museu foi inaugurado em 1976 com roupas, sapatos de plataforma, turbantes e bijuterias, algumas criadas pela própria Carmem.

Ano passado, morreu Doni Sacramento, um dos maiores admiradores de Carmem. Criador de uma página somente para a Pequena Notável, o professor Sacramento investia tudo que ganhava para alimentar o site de sua paixão absoluta.  Tentei checar essa página e está fora do ar.  Chamava-se: www.carmen.miranda.nom.br. Ainda bem que a família mantém um site ativo.

Hoje vou me concentrar na Carmem Miranda antes de ir para os Estados Unidos, em 1939, onde continuou a carreira com muito sucesso. Vamos falar sobre como o rádio e a cidade do Rio moldaram o astral e o jeito de ser da cantora. Os fãs podem repetir o trajeto de Carmem pela cidade. Podemos dizer que ela foi pioneira de sua geração ao crescer dentro do universo radiofônico brasileiro.
O primeiro endereço da família de Carmem no Brasil, chegada de Portugal, muito pobre, foi em São Cristóvão, mas não se tem o registro exato.  O segundo foi na Rua Senhor dos Passos, 59, no SAARA.  Depois, a família se mudou para a Rua da Candelária, 50, hoje, número 94.  Dos seis aos 16, Carmem morou na Rua Joaquim Silva, 53, casa 4, na Lapa. Não existe mais a casa na vila, mas foi ali, no meio da boemia, que ela conviveu com vários tipos de pessoas, de escritores a músicos, prostitutas, malandros e jornalistas.

     A família ainda morou na Travessa do Comércio, 13, Praça XV, de 1925 a 1932. Ali funcionava pensão de Dona Maria, mãe de Carmem, lugar frequentado por Pixinguinha, Donga e João da Baiana. Foram eles que  abriram o caminho do samba para ela.  O pai era barbeiro e não ganhava muito, todos tinha, que ajudar no orçamento.

    A família, muito musical, também ajudou nessa formação artística. Anos mais tarde, Carmem vai gravar uma  música do famoso Sinhô: a Burucuntum. Nas ruas do Passeio, Ouvidor e Gonçalves Dias, Centro da cidade, Carmen trabalhou na juventude em casas de artigos femininos, de chapéus, aprendendo a confeccioná-los. Depois, foi para uma loja de artigos masculinos, defronte à Confeitaria Colombo. Era muito admirada pelos clientes e cantava enquanto trabalhava, coisa que o proprietário não gostava muito. Enquanto isso, ela e sua irmã mais velha, Olinda, já começavam a cantar amadoramente nos bistrôs dos arredores. Carmem amava o samba e os novos compositores que estavam surgindo e que se reuniam na sua casa.
Em uma festa conheceu o seu mentor, o compositor e violonista baiano Josué de Barros. Foi o primeiro a reconhecer o seu talento e graça. Ele disse, anos mais tarde: “Havia uma luz intensa nos olhos de Carmem e algo de elétrico no seu sorriso”. Foi ele quem a levou para a Rádio Sociedade. Foi bom o seu teste.

   O primeiro disco foi gravado em 1929: o samba Não vá simbora e o choro Se o samba é moda, os dois de autoria de Josué de Barros.Vamos ouvir um trecho da música Ta-hi, de Joubert de Carvalho, gravada em 1930. O público, ainda incipiente, gostou da voz de Carmem, os erres e os esses tão característicos dos anos 30.  Gostou tanto que comprou 36 mil cópias dos discos com Ta-hi.  Um número marcante.

Engraçadinha, criativa, espontânea, meio moleque, Carmem não hesitava em falar um ou outro palavrão.  Foram 40 músicas gravadas somente neste ano de 29, quando recebeu os títulos de “Rainha do Disco” e a “A Maior Cantora Popular Brasileira”. Um verdadeiro recorde, sobretudo para uma cantora tão jovem.

Em 1931, f ez uma turnê internacional para a Argentina e teve tanto sucesso que voltou oito vezes. Na primeira vez, cantou ao lado de Francisco Alves, o Rei da Voz, Mário Reis, e o bandolinista Luperce Miranda. Carmem se tornou um ícone lá também, com o apelido de Carmencita. Cantou na Rádio El Mundo e era querida por todos.

     Em 1932, os anúncios foram permitidos para ocupar 20% e depois 25% da programação. Mas antes disso, nos anos 20, ninguém ganhava um centavo com o rádio que estava proibido de veicular anúncios. Cantava-se por gosto e na esperança de, um dia, ser reconhecido. Em 1933, Carmem gravou a música As Cinco Estações do Ano, de Lamartine Babo, ao lado dos músicos e amigos Lamartine Babo, Mário Reis, Almirante e o Grupo do Canhoto. Foi uma farra ao microfone para festejar as cinco maiores estações de rádio naquele ano: Rádio Club, Rádio Philips, Rádio Sociedade, Rádio Mayrink e Educadora.
     O sonho de entrar para o cinema se realizou a partir de 1926, quando foi extra no filme A esposa do solteiro. Depois, em 1930, em  Degraos da vida, quando ainda se escrevia degraus com o. Em 1932, participou de O Carnaval Cantado de 32 e, em 1933, Alô, alô, Carnaval. Ao lado da irmã Aurora Miranda, interpretou uma das músicas ícones do rádio brasileiro, Cantoras do rádio, de Alberto Ribeiro, João de Barro e Lamartine Babo.


Nós somos as cantoras do rádio, levamos a vida a cantar
De noite embalamos teu sono,
de manhã nós vamos te acordar
Nós somos as cantoras do rádio,
nossas canções cruzando o espaço azul
Vão reunindo num grande abraço corações de Norte a Sul.

Canto pelos espaços afora
Vou semeando cantigas, dando alegria a quem chora
(bum, bum, bum, bum, bum)

     Carmem estava subindo como um foguete e foi a primeira a ganhar um salário fixo no lugar dos cachês pequenos que os intérpretes gostavam ganhar, eventualmente, quando se apresentavam nas estações. Foi do elenco fixo da Mayrink Veiga, ao lado do diretor artístico que se tornou grande amigo, César Ladeira.

Todos os compositores queriam escrever músicas para Carmem porque era sucesso certo.  Foi o caso de Assis Valente, grande artista que deu para Carmem nada menos do que seis canções. Entre elas, Good-bye, Camisa Listada, Uva de caminhão. Com Mário Reis, em 1934, cantou para o Carnaval a música Alô, Alô. Outro sucesso. 


A família se mudou mais uma vez, agora para a Travessa do Comércio, no Arco dos Teles. A casa foi tombada pelo Patrimônio Cultural  e tem hoje o nome de Carmen Miranda House in Club,restaurante e videokê que faz homenagem à Pequena Notável. Com o tempo, a família já tinha dinheiro para se mudar para uma casa maior. Foram todos para a Rua André Cavalcanti, 229, no Curvelo, em Santa Tereza, Moraram ali de 1932 a 1934. Felizmente também foi tombada pelo Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro. De 1934 a 1936, se mudaram para a Rua Silveira Martins, 12, hoje, 20, no Catete.  Fica ali o Hotel Inglês, em frente ao Museu da República, Ainda não há qualquer referência ao fato de o lugar já ter sido residência da artista.

Em 1936, ao lançar a Rádio Tupi de São Paulo, Assis Chateaubriand resolveu fazer uma loucura. Ofereceu a Carmem Mniranda um cachê que superou ao da Mayrink. Ela aceitou e provocou uma tempestade na imprensa. Como uma cantora de sambas, uma música considerada vulgar, conseguia tanto dinheiro? Essa era a questão. De volta ao Rio, foi recontratada pela Mayrink Veiga. Carmem nunca trabalhou na Nacional, curiosamente.
     O último endereço de Carmem no Brasil antes de ir para os EUA foi na Avenida São Sebastião, 131, Urca. A proximidade com o Cassino da Urca facilitou a vida da cantora que se apresentava lá. Seu número O que e que a baiana tem?, vestida a caráter, fez parte do filme Banana na Terra, de Wallace Downey, de 1939. A música era e Dorival Caymmi, um jovem que vinha da Bahia em busca de um lugar na música na Capital.

Foi no Cassino da Urca que a vida de Carmem Miranda mudou mais uma vez, ao ser convidada para trabalhar nos Estados Unidos. Será que existe uma placa no prédio atualmente. É claro que não! Vamos ouvir um trecho de O que é que a baiana tem no YouTube?


                                                                                                                          

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