segunda-feira, 15 de setembro de 2014

ARY BARROSO, O RADIALISTA POLITICAMENTE INCORRETO

 

RÁDIO BLOG PROGRAMA  - RÁDIO MEC AM – 8/9/2014



Ary Barroso (1903-1964) foi um grande compositor, todo o mundo sabe disso.  Ele compôs 264 músicas sendo que Aquarela do Brasil, de 1939, é considerada, em muitos países, o verdadeiro hino nacional brasileiro. Foi gravada por muitos artistas, inclusive  por Carmem Miranda e Frank Sinatra.

Além de gênio musical, Ary Barroso foi também importante radialista. Natural de Ubá, Minas Gerais, Ary ficou órfão aos 8 anos e foi criado pela avó. Ele aprendeu, desde cedo, com uma tia, a ser pianista. Aos 17 anos, veio para o Rio para estudar direito. Ele havia ganhado uma fortuna de um tio e resolveu descobrir tudo que a noite da Capital Federal poderia lhe oferecer. O dinheiro acabou antes de Ary terminar a faculdade e ele teve que procurar emprego. Acabou no Cine Iris, na Rua da Carioca, acompanhando os filmes mudos. Ele fazia a mesma coisa que fazia em Ubá, com a tia, no cinema da cidade.  Começou a trabalhar no teatro musicado, mas custou a emplacar com suas composições. Até que escreveu a música Dá nela que ganhou um concurso promovido pela Casa Edison, em 1939.

Fanático por futebol e, principalmente, pelo Flamengo, Ary Barroso tornou-se speaker esportivo. Ele não era dono de voz muito boa, mas tinha emoção. O problema é que ele era politicamente incorreto. Quando os jogadores do Flamengo estavam impedidos ou se ele achasse que o juiz havia prejudicando o time do coração, Ary largava o microfone, entrava no campo e começava a xingar e ameaçar o outro time. O público, coitado, ouvindo a partida em casa, ficava sem saber o que estava acontecendo. Curiosamente, todos sabiam que ele torcia pelo Flamengo, e, mesmo assim, o aceitavam como speaker.

Naquele tempo, anos 30 e 40, os speakers transmitiam do campo, não havia cabine especial ou protegida por vidros. A gente pode imaginar a quantidade de interferência que havia, os ruídos de estática nessas transmissões eram enormes. Por essa razão, no momento exato do gol, não se conseguia ouvir nada, daí a grande frustração do público. Ary Barroso achou que deveria fazer algum som especial para avisar os torcedores de rádio que havia acontecido o gol.

Certo dia, ele percorreu várias lojas de música na Rua Carioca e testou vários instrumentos. Nada o contentava. Até que chegou a uma simples gaitinha. Havia descoberto o som para marcar os gols. Nascia a “gaitinha do Ary”. Depois, várias estações de rádio passaram a adotar sinais sonoros. Isso, antes de os computadores reproduzirem qualquer tipo de som.

Como era politicamente incorreto, Ary era impedido de entrar em alguns estádios de futebol. O jeito era improvisar. Existe uma foto maravilhosa em que o speaker esportivo está em cima do telhado, com um microfone e seu técnico, um pouco mais abaixo, segura o fio, em uma verdadeira cena de equilibrismo. Tudo para que o público ouvisse a transmissão do jogo.

Ary inaugurou, no Rio de Janeiro, o primeiro programa de novatos, em 1947, na Rádio Cruzeiro do Sul, o  programa Calouros em desfile. Ele dizia que havia inventado o gênero, mas não foi verdade. Na Rádio Cruzeiro do Sul, em São Paulo, estreou o primeiro desse tipo a Hora dos Calouros, que depois virou moda em todas as rádios brasileiras.  Se formos rigorosos, o programa nasceu mesmo nos Estados Unidos, com o The Gong Show, a hora do gongo. Os desafinados ganhavam uma gongada nos estúdios da estação de rádio.
Ary copiou o gongo, contratou o ator Macalé e vestiu-o de preto, como se fosse um carrasco. Os candidatos, pessoas humildes, tinham o sonho de começar uma carreira no mundo da música e queriam mostrar a veia artística. Como tinha um ótimo ouvido, assim que a pessoa desafinava, Ary olhava para Macalé e o “carrasco” batia em um gongo enorme que soava forte no estúdio. O candidato saía da estação humilhado e, às vezes, chorando.

Muitos dizem que Ary gostava de humilhar as pessoas e o público se divertia com isso. O fato é que o ser humano tem esse lado cruel. Por essa razão, muitos calouros preferiam pseudônimos para que não fossem ridicularizados pelos parentes e amigos quando chegavam em casa ou perturbados pelos colegas quando voltavam ao trabalho. Ao ser tão rigoroso, Ary Barroso também abria portas para os jovens. Ou seja, quando um candidato se dava bem, a carreira de cantor ou cantora estava garantida.

Isso aconteceu com a cantora Elza Soares, aos 16 anos, em 1953. A história é contada pelo escritor José Louzeiro, na biografia que escreveu sobre Elza. Muito pobre, pesando 45 quilos, ela morava na comunidade de Água Santa. Vivia cantando com uma lata de água na cabeça e ficou com uma voz rouca, especial. Naquela data, o filho de Elza estava doente e ela decidiu tentar o prêmio do programa para levá-lo ao médico. Sem roupa adequada nem dinheiro para ir ao cabeleireiro, Elza apareceu na rádio para cantar do jeito que deu. Muito mal vestida. O diálogo que se seguiu, ficou conhecido:
Ary Barroso perguntou ao microfone do programa Calouros em desfile:
- O que você veio fazer aqui? 
Elza Soares disse:
- Seu Ary, eu acho que aqui a gente canta, né?
- E quem disse que você canta? 
- Eu canto.
- Então me faz o favor e me diga de que planeta você veio?
-Do mesmo planeta seu, seu Ary.
- E qual é o meu planeta? 
- Planeta fome.
Ary ficou sem graça e, depois, maravilhado com a voz de Elza Soares. Ela passou a frequentar o programa e deslanchou na carreira.

Ary compôs muitas músicas para Carmem Miranda e, no Brasil, conheceu oi diretor Walt Disney. Ele convidou Ary para trabalhar nos Estados Unidos. Ele foi, chegou a trabalhar no cinema. Ganhou um bom dinheiro mas, de repente, quis voltar. Por que, quiseram saber os amigos. Porque aqui não tem o Flamengo jogando aos domingos.



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