segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A GREVE DO RÁDIO

"O RÁDIO FAZ HISTÓRIA" - Rádio MEC AM

Rose Esquenazi

Lamartine Babo: bom humor e criatividade


O lançamento da música “As cinco estações do ano”, do compositor Lamartine Babo,  em 1933, tinha como objetivo fazer as pazes entre os compositores e os donos das estações de rádio do Rio de Janeiro. Em junho, as cinco principais estações rádio saíram do ar porque os proprietários não queriam pagar um aumento de direito autoral aos compositores: de 90 para 500 mil-reis por mês, pelo uso de música em sua programação. Isso foi uma determinação pela Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, a SBAT e. em vez de black-out, greve dos trabalhadores, os empresários fizeram um lock-out, e fecharam as rádios. O silêncio na cidade foi impactante.
Seria como o público, hoje, ligasse a TV, e não tivesse nada do que ver nos diferentes canais.
Essa exigência se devia ao aumento do faturamento de publicidade. A partir de 32, houve a liberação de comerciais, mas a lei, escrita por Getúlio Vargas, quando ele  ainda era deputado, que estabelecia esse pagamento ao compositor que estava tentando viver de sua criação musical.
A greve durou um pouco mais de um mês, teve apoio de alguns jornais, cujos donos também eram proprietários de rádios. Até que as negociações chegaram ao fim, tendo como liderança o Adhemar Casé, o radialista que mais faturava naquela época.
As rádios Mayrink Veiga, Philips, Rádio Club, Rádio Sociedade e Rádio Educadora voltaram a funcionar e passaram a pagar mais pela música veiculada na programação. Não tanto quanto queria a SBAT, mas 300 mil réis, o que foi bom para os artistas.
Então, para melhorar o clima entre o rádio e os compositores, Lamartine fez uma música muito interessante e gostosa, um cateretê, chamada “As cinco estações do ano”.  O disco foi lançado pela Victor, em agosto. Em cada estrofe, ele brincava com o jeito e o estilo das rádios, cada uma delas voltada para um determinado público. Já no começo dos anos 30, começava a segmentação do rádio.
Essa música foi gravada por Carmem Miranda e seus amigos Lamartine Babo, Mário Reis e Almirante. Dá para notar que foi uma farra essa gravação, é possível identificar cada voz ao microfone e as brincadeiras que eles fazem. Cada estação tinha um prefixo marcante e era moda referir-se a uma rádio por seu número no dial, demonstrando que o ouvinte era fã e conhecedor daquela estação.
No primeiro verso, Lamartine fala da Rádio Educadora, que era muito ouvida nas cidades como São Lourenço, Lambari, lugares, onde as pessoas iam descansar e tratar da saúde. Era considerada uma estação antiga, que eram também chamadas de estações de trem.
“Antigamente, eu banquei a estação de águas/ Hoje guardo as minhas mágoas/ Num baú de tampo azul/ Já fui fraquinha, mas agora estou forte/ Já fui ouvida lá no Norte/ Quando o vento está no Sul./ Transmite a PRAC... C... C...”
A segunda estrofe falava da emissora com mais anúncios, a  Rádio Philips e o seu Pprograma Casé. Lamartine reproduziu o som da sirene que fazia parte do programa Casé e escreveu o verso: “Eu sou a Philips do samba e da fuzarca/ Anuncio qualquer marca de bombom ou de café/ Chegada a hora do apito da sirene/ Grita logo dona Irene/ Liga o rádio, vem cá, Zé!/ Transmite PRA X... X... X...”
 Na terceira estrofe, aparece a Rádio Mayrink, a que estação que ficava em primeiro lugar e que contava com o diretor artístico César Ladeira, que tinha uma ótima voz e gostava de falar todos os erres e esses das palavras, criando uma nova moda radiofônica.
 “Sou a Mayrink, popular e conhecida/ Toda gente fica louca/ Sou querida até no hospício/ E quando chega sexta-feira, em Dona Clara/ Sai até tapa na cara/ Só por causa do Patrício/ Transmite PRK... K... K...”
Lamartine leu no jornal que em um hospício do Rio, os internos brigavam e batiam nos enfermeiros  e eles não ligassem a Mayrink no dia e hora do programa excelente músico Patrício Teixeira.
A quarta estação era a mais antiga, a Rádio Sociedade. Nessa estrofe, Lamartine resume que é uma estação mais formal que não gostava do samba, gênero musical que começava a estourar na cidade. “Sou conhecida nos quatro cantos da cidade/ Sou a Rádio Sociedade/ Fico firme, aguento o tranco. Adoro o clássico, odeio a fuzarqueira.  Minha gente,  eu fui porteira do Barão do Rio Branco. PRAA... AA... AA...”
 A quinta emissora era a Rádio Clube, que irradiava muitos jogos. Como os donos dos clubes, às vezes, implicavam com a presença de radialistas dentro do campo porque tirava o público da arquibancada (que preferia ficar em casa ouvindo o rádio) – os locutores tinham que subir em árvores ou em tetos de galinheiros para pode ver o jogo e fazer a transmissão. Muitas vezes, havia a interferência de galinhas cacarejando durante a partida, o que era muito engraçado e chato para quem queria saber se os jogadores tinham marcado o gol ou não. Isso aconteceu mesmo com o speaker Amador Santos, em um Fla-Flu, e depois com o Ary Barroso, que foi impedido de entrar em São Januário porque criticava muito o Vasco da Gama.
“Eu sou o Rádio Clube/ Eu sou um homem, minha gente/ Francamente sou do esporte/Futebol me põe doente/Gollllll/ No galinheiro, eu irradio  para o povo/ Cada gol que eu anuncio/ A galinha bota ovo/ Transmite PRAB... B... B.../

Essa história eu li, pela primeira vez, em um livro do jornalista Sérgio Cabral e, aos poucos, fui descobrindo mais detalhes sobre a música. Ganhei um disco antigo da Carmem Miranda com essa gravação que, anos mais tarde, entrou para o acervo do You Tube. 

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