quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Rádio Blog – O programa mais famoso do mundo

                                      
 Rose Esquenazi



Você sabe qual foi o programa de rádio mais impactante, o mais falado no mundo? Os estudiosos dizem que foi Guerra dos Mundos, veiculado no dia 30 de outubro de 1938, um domingo, criação do genial Orson Welles. Welles (1915-1985) tinha apenas 23 anos quando passou a dirigir o programa de teatro radiofônico chamado Mercury Teatre on the Air, da emissora americana CBS. Naquela data, ele decidiu adaptar o romance clássico de ficção científica, de 1897, com o mesmo título, do autor inglês H.G. Welles. Muito ligado ao teatro, Welles tentou dar veracidade à história de invasão de marcianos na terra.

Hoje, para comemorar os 100 anos de nascimento de Welles, vamos apresentar uma versão brasileira do famoso programa. Em 1998, uma equipe da Rádio de Pernambuco encenou a Guerra dos Mundos, sob a liderança de Luiz Maranhão Filho. O CD foi encartado no livro Rádio e Pânico. A Guerra dos Mundos, 60 anos depois, organizado por Eduardo Meditsch.  No livro, vários professores analisaram o impacto do programa que mais marcou a mídia no século XX.

Vamos tentar entender porque uma simples atração de rádio levou à população de Nova Jersey  e Nova York ao verdadeiro pânico nos anos 30. Em primeiro lugar, o mundo vivia o prenúncio da Segunda Guerra. Havia medo do ar. O nazismo estava crescendo na Europa e ninguém sabia se os Estados Unidos iriam ou não participar da guerra, o que de fato aconteceu em 1941. Em 1938, já havia no rádio uma divisão entre o noticiário e o entretenimento. Mas o jovem Orson Welles resolveu misturar as duas coisas sem dizer ao público que estava fazendo isso. As técnicas radiofônicas nos Estados Unidos estavam muito mais avançadas do que no Brasil. Traduzindo. Desde o início da atividade, em 1920, três antes do Brasil, os EUA já tinham dinheiro vindo do comércio e indústria. Coisa que só vai acontecer aqui em 1932. Com dinheiro, eles investem, contratam, ousam fazer programas diferentes.

O público que estava ouvindo o programa Mercury Teatre on the Air desde o início sabia que aquele horário era do teatro. Mas as pessoas que sintonizaram o rádio depois e, por acaso, não ouviram a apresentação do locutor, pensaram que as notícias eram reais porque interrompiam o programa musical. Acharam que realmente estava acontecendo uma tragédia. Isso porque o diretor Welles ensaiou com a sua grande equipe todos os detalhes. Os atores interpretaram os papéis de cientistas, prefeito, vítimas e jornalistas com muito realismo. Além disso, a decoração sonora, ou melhor, a sonoplastia, foi estudada minuciosamente para reproduzir sons de sirenes, supostas naves espaciais aterrissando na terra e por aí vai. Em um filme de TV a que assisti, certa vez, apareceu uma técnica da CBS gravando – ah, já existiam gravadores de fita, na época, e não de acetatos como os daqui – gravando bem de perto uma descarga de banheiro. Amplificada ao extremo, o barulho ficou parecendo o mais dramático som jamais ouvido na Terra!

Vamos ao começo do programa com música agradável e descontraída ao último boletim. Um suposto repórter vai ao Observatório, conversar com um cientista sobre o Planeta Marte. Isso até que a notícia de uma explosão chega ao rádio. É tudo muito estranho. O que caiu na fazenda, que círculos de fogo são aqueles?  Vamos ouvir mais um trecho.


A situação de pânico foi tomando conta da população de Nova Jersey. Muitos acreditaram nos depoimentos das autoridades. Pegaram as crianças, as joias e o dinheiro e fugiram sem rumo. Não queriam dar de cara com marcianos. OK, as pessoas eram mais ingênuas naquele tempo. Mas nunca havia acontecido algo semelhante. Logo se formou um grande engarrafamento nas estradas. Pessoas buzinavam alucinadamente, algumas tentaram o suicídio. Não há confirmação de que alguém tenha realmente se matado.

Quando a direção da rádio viu que estava acontecendo essa confusão toda, pediu para Orson Welles parar o programa e anunciar que era tudo mentirinha. Mas o diretor não parou. Ele quis ver o circo pegar fogo. E pegou mesmo. No dia seguinte, ele deu uma entrevista coletiva explicando que foi um erro dele, que não sabia o que estava acontecendo. O que foi uma grande mentira. Welles não era bobo nem nada. Logo depois dessa confusão, ficou tão famoso que a produtora de cinema RKO o convidou para entrar para a indústria. Isso sem Welles ter feito um único filme na vida. Com carta branca do estúdio, ele – o gênio – decidiu filmar Cidadão Kane, filme considerado um dos mais impressionantes realizados até hoje.



Segundo levantamento de Adriana Ruschel Duval, jornalista da PUC do RS, no livro de Eduardo Meditsch, havia 200 aparelhos por mil habitantes. Os carros saíam das fábricas já com rádios. Seis milhões de pessoas ouviram a voz de Orson Welles e dos atores naquele programa de 1938. “A imaginação fez o resto”, escreveu Adriana.

  A figura do locutor sumiu nos primeiros minutos do programa. “Travado no solo sagrado do imaginário, não teria nem um começo nem um fim”, nas palavras da jornalista.  “Permaneceria entre os meridianos da vida e da morte, da realidade e da fantasia.”

No texto da professora Ana Baumworcel, Orson Welles soube usar o silêncio no rádio como ninguém. O silêncio deu lugar à imaginação, ao suspense e ao medo. Ana cita Bruneau quando ele escreveu, em 1973, que “o silêncio é a língua de todas as fortes paixões, como o amor, a surpresa, o medo, a cólera”. Foram apenas seis segundos de silêncio até que a transmissão de Guerra dos Mundos voltasse com o boletim informativo e uma música. Mas que impacto... Esses segundos mudaram a vida do ouvinte daquela época!

No texto do saudoso Luiz Carlos Saroldi, um dos radialistas que mais entendia de rádio no nosso país, Orson Welles sabia que os fatos políticos no fim dos anos 30 levavam a uma situação dramática.  Ele não era um alienado. Segundo Saroldi, Orson Welles disse que “seis minutos depois de entrar no ar, os painéis telefônicos das estações de rádio do país inteiro piscavam como árvores de Natal”. Welles declarou que “vinte minutos depois estávamos com um estúdio repleto de policiais atônitos. Eles não sabiam quem prender nem por que, mas sem dúvida emprestaram um certo tom ao restante da transmissão”. Ainda nas palavras de Welles: “Fomos percebendo, enquanto prosseguíamos com a destruição de Nova Jersey, que o número de lunáticos existente no país tinha sido subestimado”.  

Durante 45 minutos, a população ficou hipnotizada com o que ouvia. O diretor Woody Allen chegou a incluir uma cena em seu filme A Era do Rádio, de 1987.  O rapaz está com uma mocinha e, ao ouvir que os marcianos tinham chegado, sai alucinado do carro e deixa a garota sozinha. Vamos ouvir mais um trecho.

O impacto das transmissões foi tamanho que houve um acordo nas emissoras para que, no futuro, as coisas nunca mais poderiam ser misturadas, Se fosse um programa de ficção, seria preciso lembrar, de tempos em tempos, que a transmissão se tratava de um peça teatral.E que não é possível enganar o público misturando dois tipos de comunicação, falar de jornalismo junto com ficção.  Na Alemanha e nos territórios ocupados, Hitler usou muito essa mistura durante a guerra e levou muita gente a acreditar em fatos não verdadeiros. A confiança e credibilidade se quebraram entre os ouvintes que confiavam tanto na voz do rádio.

Na análise de Sônia Virgínia Moreira, jornalista e professora da UERJ, “ao transmitir um texto de ficção com fortes componentes de realidade, o rádio conseguiu mostrar boa dose da sua capacidade de convencimento e de seu poder de mobilização. Duas características que seriam exploradas nos anos seguintes nos campos de batalha reais da Segunda Guerra Mundial”.  Vamos terminar com mais um trecho de A Guerra dos Mundos, na versão da Rádio de Pernambuco. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário