Rose Esquenazi
Antônio Gonçalves Sobral, Nélson
Gonçalves, foi um dos maiores cantores e compositores da música brasileira. Considerado herdeiro direto de Francisco
Alves e Orlando Silva, Nélson era conhecido pelas canções sentimentais, os
sambas-canções, foxes e tangos. Mais tarde, essas produções foram chamadas de
bregas-românticas.
A volta
do boêmio, de Adelino Moreira, chamado de “o poeta da dor de cotovelo”, foi gravada em 1957 teve um
milhão de discos vendidos, um fato extraordinário. Na letra, o homem se prepara
para voltar à vida boêmia, terror das mulheres que perdiam seus maridos para a
bebida e as noitadas. Pois a vida de
Nélson também teve altos e baixos. Mas ele conseguiu conquistar a nova geração
de músicos, sabendo respeitar e ser respeitado, gravando com eles.
Com muita sorte e
coincidência, soube que a terceira mulher de Nélson Gonçalves, Maria Luiza da Silva, está viva, mas um pouco
adoentada. Consegui, então, conversar com Ricardo da Silva Ramos Gonçalves, 57
anos, filho dela com o cantor. Professor de educação física, Ricardo foi muito
simpático e solícito. Ele me contou que quando seus alunos das escolas públicas
tomam conhecimento de que ele é filho de Nélson Gonçalves, não manifestam a
menor reação. Mas quando um adulto descobre a paternidade, a atitude é de
respeito e reverência.
Afinal, Nélson foi um dos que
mais gravaram discos no país: 300, ao todo. Foi também um dos que venderam mais
discos: 50 milhões, ao todo. Superado por Tonico&Tinoco, Rita Lee, Xuxa,
Roberto Carlos e Padre Marcelo Rossi, Nélson ainda aparece nas listas dos mais
vendidos. Ao lado de Elvis Presley, foi o único artista a ganhar o Prêmio
Nipper de ouro, por ter ficado na gravadora RCA por mais tempo.
Nélson participou de 18
filmes brasileiros. Era um galã. Durante a sua vida
que incluiu a era de ouro do rádio e da MPB, Nélson teve três casamentos e sete
filhos. Ricardo é um deles. Com boa memória, ele se lembra das noites em que o
pai se apresentava em casas noturnas, restaurantes e clubes e o levava junto.
Cuidadosamente, ele preparava uma espécie de bercinho com cadeiras e toalha de
mesa para que a criança descansasse enquanto ele cantava. Só para situar os
ouvintes no tempo: Nélson tinha 40 anos quando Ricardo nasceu. Nessa época, ele já não estava no auge da
carreira.
Ricardo me disse que “as
novas gerações não têm o mínimo conhecimento sobre a história do rádio. O
próprio governo e os professores poderiam, segundo ele, cultivar essa memória entre
os alunos”. Ricardo conhece os outros meios-irmãos dos casamentos anteriores,
com exceção de uma irmã. Para ele, as três mulheres de Nélson Gonçalves foram
igualmente fortes e importantes. A mãe dele, Maria
Luiza, fez tudo para que Nélson
se recuperasse do vício de drogas. Chegou a pedir empréstimo para pagar o
tratamento médico e advogado para defendê-lo no tempo em que ficou preso por
porte de droga. Em alguns depoimentos ainda em vida, Nélson repetiu para os
jovens que “homem é aquele que sai das drogas e não volta nunca mais”.
Segundo o radialista Beni Gualter, a prisão de Nelson Gonçalves, na Casa de
Detenção de São Paulo, provocou um escândalo nacional. No seu blog, Gualter disse que “alguns
dias depois, a direção do presídio recebeu um abaixo assinado dos 3.000
presidiários, onde eles pediam que suas penas fossem aumentadas em um dia cada
um, e que, em troca, Nelson Gonçalves fosse libertado”.
Depois da morte de Nélson,
em 18 de abril de 1998, com quase 70 anos, muitos livros, filmes, peças de
teatro e programas de TV foram lançados para contar a história do cantor. E não
faltaram cenas de glamour, com o mesmo brilho de Hollywood, e momentos tristes. Nélson fazia um tipo bonitão, e as fãs se
jogavam em cima dele. Mas podia ser agressivo quando tentava se livrar das
drogas.
Ricardo chegou a conhecer a
avó portuguesa no bairro do Brás, em São Paulo, mas não o avô, seo Manoel. Aliás, esse avô aprontava
para ganhar dinheiro na época em que era muito pobre. Ricardo conta que ele levava
Nélson ainda garoto, de 5 anos, e um
cego para as feiras e parques. Os três cantavam para o público, que ficava
encantado com aquela criança de boa voz. No final, na hora de dividir o
dinheiro, o avô dava para o cego as menores notas e ficava com as maiores! Feio
isso, não é? Ricardo conhece outros casos parecidos. No tempo em que São Paulo
ainda tinha luminárias de querosene nas ruas, o pai de Nélson quebrava os mecanismos
internos e depois se oferecia para consertá-las!. Os moradores, temerosos dos
ladrões, aceitavam.
Ricardo chegou a ver o pai
lutando boxe em uma luta histórica, contra o famoso Éder Jofre, no Ibirapuera.
Antigo campeão, ele continuou indo para academia durante muitos anos depois de
ter largado a carreira de lutador. Anos mais tarde, teve uma fase em que ficou
parrudo. “Ele adorava conversar, era muito espirituoso. A gente morria de rir
com as histórias dele”, conta o filho.
Nélson nasceu em Santana
do Livramento, Rio Grande do Sul, no dia 21 de junho de 1920. Os pais eram
portugueses bastante pobres. A família se mudou para São Paulo e morou no
bairro do Brás. Desde criança, Nélson sonhava com a carreira de cantor
profissional e, claro, trabalhar em rádio e gravar discos. Mas foi longa a
trajetória dele, nem tão fácil assim.
Nelson
não teve preconceito sobre a maneira de como poderia ganhar dinheiro para
sustentar os pais. Exerceu a profissão de jornaleiro, mecânico, engraxate,
polidor e tamanqueiro. Até em luta livre ele tentou uma chance e, o incrível,
foi bem-sucedido. Tornou-se lutador na categoria peso-médio. Aos 16 anos,
ganhou o título de campeão paulista de luta. Aos 20 anos, ele se casou com
Elvira Molla e teve dois filhos: Marilene Gonçalves e Nelson Antônio Gonçalves.
Chegou a trabalhar como garçom no bar do seu irmão, na Avenida São João.
Continuou
lutando durante mais um ano até que decidiu tentar uma chance no rádio. Ele foi
a várias estações e foi reprovado em muitas atrações de calouros. Ou porque
ficava nervoso, ou porque estava com fome, ou porque falava rápido demais e
ninguém acreditava que ele pudesse exercer a profissão de cantor. Ele era
taquilárico e não gago, respirava rápido demais e embolava as palavras. Por
isso, acabou ganhando também o apelido de “Metralha”.
Nélson
decidiu gravar um disco para mostrar que tinha potencial. O problema é que
ninguém acreditava que aquele cara que falava rápido e se atrapalhava tanto
podia cantar tão bem como aparecia gravado. Quase foi preso por fraude, até que
conseguiu provar que era ele mesmo que havia gravado o disco.
Foi reprovado duas
vezes no programa de calouros de Aurélio Campos, em São Paulo. Finalmente foi
admitido na Rádio São Paulo, PRA-5, e dispensado logo depois. Conseguiu fazer carreira
em um tempo de crise até que decidiu ir para o Rio de Janeiro, em 1939. Naquele tempo, as cidades não trocavam muitas informações.
Teria que começar do zero. Voltou a ser reprovado em vários programas e até nos
Calouros em desfile, de Ary Barroso. Terror
dos calouros, Ary aconselhou a Nelson a desistir da carreira de músico e voltar
para os ringues. Já estava passando fome, vivendo nas pedras da Praia do
Flamengo, quando foi aceito na Rádio Mayrink Veiga. O contrato aconteceu graças
à sugestão de Carlos Galhardo que já o conhecia do rádio de São Paulo. Para
comemorar o adiantamento que recebeu, Ricardo – seu filho - nos contou que ele
saiu correndo, sabe para quê? Para comer! Pediu um pato assado, se fartou. E
ainda levou o que sobrou para os conhecidos que também viviam nas pedras do
Flamengo.
Nélson Gonçalves também foi
contratado para ser crooner no Cassino Copacabana, do Hotel Copacabana Palace. Tornou-se
um dos maiores ídolos do rádio nas décadas de 40 e 50. No fim
dos anos 40, sofrendo com os ciúmes da mulher, teve um longo caso com Maria,
uma fã mineira, apaixonada por ele. Maria acabou com ele misteriosamente e,
anos mais tarde, soube-se que ela estava grávida. Ela achava que Nelson não
iria se separar da primeira mulher. Lilian é essa filha dos dois, única irmã
que Ricardo não conhece.
Nélson teve uma união
difícil com a cantora Lourdinha Bittencourt, colega da Rádio Nacional. Ela não
queria engravidar para não perder o corpo esbelto que tinha. O casamento em
1952, que começou com paixão, acabou em 1959, com muitas brigas. Nélson emendava
uma turnê na outra, era super requisitado e acabou se viciando em cocaína. Em
1965, ele conheceu Maria Luiza da Silva e, depois do namoro, se casaram. Juntos tiveram dois filhos: Ricardo e Maria
das Graças. Nélson foi preso em flagrante e é claro que o fato abalou a
carreira do cantor. Como disse, Maria das Graças lutou muito para recuperar o
marido.
Depois
que saiu da cadeia, teve dificuldades de se encaixar no mundo da música. Ao
lançar o disco A Volta do Boêmio nº1, voltou a ter sucesso, retomando a carreira como recordista
de venda de discos. Ao contrário de tantos outros músicos que se isolaram, Nélson
gravou canções de novos compositores e grupos como Ângela Rô Rô (Simples Carinho), Kid Abelha (Nada por Mim), Legião Urbana (Ainda É Cedo) e Lulu Santos (Como uma Onda). Gravou "A Deusa
do Amor", que está no álbum Nós, em parceria com Lobão, em 1987.
Nélson
morreu em consequência de um infarto agudo do miocárdio no apartamento de sua
filha Margareth, no Rio.
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