segunda-feira, 20 de março de 2017

Jovem Guarda e a Festa de Arromba



Rose Esquenazi


Todo o mundo sabe que Festa de Arromba, de Erasmo e Roberto Carlos, interpretada por Erasmo, é uma das músicas ícones da Jovem Guarda. Nessa época, anos 60, estávamos vivendo o tempo da transição do rádio para a TV. O que estou descobrindo, Marco Aurélio, é que a Jovem Guarda está de volta nas estações de rádio digitais. Em uma rápida pesquisa, ouvi a Rádio Jovem Guarda, da Paraíba, a Rádio Calhambeque e a Rádio Vitrola da Saudade, as duas com sede em São Paulo! Isso, sem contar com os canais no YouTube dedicados a artistas desse movimento da Jovem Guarda e outros  sucessos internacionais dos anos 60.

Nesses canais, os fãs são ativos e muito agradecidos aos comunicadores, experientes ou não, que se dedicam a deixar intacta a memória desses ritmos. Foram muitos nos dials daquele tempo: vão desde originais italianos, latinos, franceses e americanos. Podem ter tido versões para o português, e, claro, o filé mignon que foram as músicas brasileiras tendo à frente Roberto e Erasmo Carlos, a Bossa Nova e o samba-canção que ganhou novas formas.

Inspirado pelo movimento da Jovem Guarda, anda fazendo muito sucesso no Teatro Net Rio o documentário musical Wanderléa, 60, Festa de Arromba, a que eu assisti e gostei muito. Parece que voltamos no tempo. O boca a boca fez com que a temporada fosse estendida até o dia 26/3/2017. Estou fazendo propaganda gratuita, mas vale a pena. São 24 cantores e bailarinos maravilhosos, 10 músicos, 350 figurinos, 20 cenários e 110 canções com arranjos criativos e surpreendentes. O ponto alto do espetáculo é a entrada triunfal de Wanderlea, ela própria, em ótima forma e cantando alguns de seus maiores sucessos.

É bom saber que esses ídolos são bem tratados e não foram esquecidos. Recentemente, a notícia da internação de Jerry Adriani comoveu os fãs. Parece que está bem melhor. Mas vamos voltar para a história do rádio. Antes da existência da Jovem Guarda, nos anos 50, Roberto Carlos, ainda criança, cantava na Rádio Cachoeira, no Espírito Santo. Ele brilhava no Programa Infantil. Mas ainda era o tempo dos boleros e dos tangos. O menino Zunga, seu apelido, também gostava da canção country nacional interpretada pelo cantor Bob Nelson, estrela da Rádio Nacional.

Ao se mudar para o Rio com a família, Roberto Carlos conheceu Tim Maia e outros músicos da Tijuca – como Arlênio Lívio e Wellington Conceição - que gostavam de rock n’roll. Juntos, criaram o conjunto The Sputniks, em 1957.Mas como aparecer, como dar o primeiro passo no mundo da música? O rádio era a saída, mesmo que, na imprensa, existisse uma campanha acusando o rock de fazer mal aos jovens. Carlos Imperial criou, na Rádio Guanabara, um programa dedicado ao gênero. Mais tarde, passou para a TV Tupi.

A mania foi se espalhando. Jair de Taumaturgo, um dos principais radialistas da Rádio Mayrink Veiga, tinha um programa chamado Alô Brotos, de 1961, onde os cantores jovens tocavam rock. Por isso, Taumaturgo é considerado muito importante para o desenvolvimento da Jovem Guarda.

Carlos Imperial concorria com Jair de Taumaturgo com o programa Brotos no 7.  Na TV Rio, ele apresentou o programa Hoje é Dia de Rock com jovens cantores e grupos que passavam a se conhecer no estúdio. Um dos grupos de destaque era Renato e seus Blue Caps (nomeados por Jair). Estavam tentando a sorte também os jovens Wilson Simonal e Erasmo Carlos. Vamos ouvir Feche os olhos, versão de All my loving, dos Beatles, com o grupo Renato e seus Blue Caps.

Jair de Taumaturgo teve grande influência na carreira de Roberto Carlos e de outros músicos da mesma geração. Mas ele foi considerado coroa, e, por isso, convidou Isaac Zaltman para apresentar o programa Alô, brotos, na Mayrink Veiga. A atração se tornou o maior sucesso na cidade. Os jovens cantores iam ao programa, se fantasiavam como os artistas estrangeiros ou criavam personagens diferentes para se mostrar para a plateia de rádio. Na Rádio Carioca, das 10h da manhã e até as 21h30, só se tocava rock. Até o palhaço Carequinha interpretou rock n’ roll: o Rock do Ratinho e  o Rock da Alegria. Essa também era uma porta de entrada dos jovens na cena musical.

Na Rádio Globo, Chacrinha passou a apresentar A parada é do Rock e com Luiz de Carvalho havia mais uma atração: a Revista do Rock no ar.  Surgiram vários magazines também dedicadas ao gênero, como a Revista do Rock e Baby Face.

De São Paulo, apareceram outros nomes que seriam importantes para o rádio jovem. Wanderley Cardoso começou a cantar aos 13 anos. O primeiro sucesso foi Preste atenção e, realmente, chamou atenção. Tratava-se da versão da música Fais Attention, de Jean Loup Chauby e Bob de Pac. Jerry Adriani, ou melhor, Jair Alves de Souza, também é de São Paulo, e começou a carreira em 1964 com a música  Italianíssimo.  No segundo disco, Credi a me, Jerry ficou ainda mais conhecido. 

Wanderléa nasceu em Minas, em Governador Valadares, e veio com a família para o Rio quando tinha 9 anos. Aos 10 anos, já se apresentava nas rádios nos programas de calouros. A música serviria para ela se libertar dos pais e irmãos, muito conservadores. Dali a alguns anos, Wanderléa começou a gravar, conheceu Roberto Carlos, com quem namorou, e foi com a turma do Rio se juntar à de São Paulo.

O convite partiu da TV Record que perdeu o direito de transmitir as partidas de futebol aos domingos. Com um buraco na programação, a agência de propaganda Magaldi, Maia e Prosperi foi contratada e escolheu o nome Jovem Guarda inspirada em uma frase de Lenin. O político russo dizia: “O futuro pertence à jovem guarda porque a velha está ultrapassada”.  Até nos figurinos, calças boca-de-sino, minissaias, adereços, cabelões faziam parte da estratégia da agência de publicidade. Isso, sem contar com as gírias: papo-firme, é uma brasa, mora, broto etc

Segundo o trabalho acadêmico de Silvio Antonio Luiz Anaz, “as canções da Jovem Guarda construíram, reproduziram e compartilharam um peculiar imaginário do amor romântico”. Para o pesquisador, a amostra representativa dos maiores sucessos da Jovem Guarda, compostos por Erasmo Carlos e Roberto Carlos, revela a figura do playboy como “herói do amor romântico”.

O que eu quero destacar é que o rádio dos anos 60 tocava continuamente muitos ritmos sendo que o público costumava levar seus radinhos de pilha para a praia ou ficava em casa acompanhando a Parada de Sucessos da Rádio Mundial e Tamoio. A concorrência era enorme e o  rádio era eclético disputando a atenção com a TV.  Ouça no YouTube um sucesso de Wanderléa, a Ternurinha: Foi assim, de Jota Carvalho


    

Nenhum comentário:

Postar um comentário