sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Luiz Gonzaga, o Rei do Baião

17/08/2015
 Rose Esquenazi

Luiz Gonzaga e a sua sanfona




O crítico Ricardo Cravo Albin costuma dizer que Luiz Gonzaga foi um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos. Não era “só o melhor entre todos os cantores de alma sertaneja, mas também o mais importante cantor-músico-compositor que o Nordeste já produziu”.  Gênio que ele compara a Ary Barroso, Pixinguinha, Tom Jobim ou Chico Buarque.

Mas não foi fácil a vida de Luiz Gonzaga do Nascimento até ser aceito pelo público e pela crítica.  O músico nasceu no dia 13 de dezembro de 1912 na cidade de Exu, Pernambuco. Em 1939, ao completar dez anos de exército, teve de dar baixa. Não era permitido ficar mais do que esse tempo. No mesmo ano, embarcou para o Rio de Janeiro, voltou para Pernambuco e, não muito tempo depois, estava novamente no Rio de Janeiro. Para sobreviver, passava o chapéu para arrecadar uns trocados nos bares da zona do baixo meretrício depois de tocar não as músicas sertanejas que aprendeu com os amigos do Exército. Tocava as músicas da moda na sanfona de 120 baixos que havia comprado.

A vida no Rio de Janeiro, onde pretendia ficar conhecido, era mesmo muito difícil. Em 1940, para sobreviver, procurou uma oportunidade nos programas de calouros. Não foi bem sucedido no Calouros em desfile, de Ary Barroso, na Rádio Tupi, e no Papel carbono de Renato Murce, na Rádio Clube. Até que, um dia, no Bar Cidade Nova, no Mangue, estudantes cearenses pediram que ele tocasse música nordestina.  Ele já tinha até esquecido.  Voltou para seu humilde quarto e passou a se lembrar dos velhos ritmos nordestinos. Outra vez, no bar, um fato inesperado aconteceu. Juntou gente da rua para ouvirVira e mexe. O bar ficou lotado. Ouça Vira e mexe, também conhecida como Xamego, que marcou tanto a carreira de Luiz Gonzaga.

Ao se apresentar novamente no programa Calouros em desfile, obteve a nota máxima,5, raramente dada a alguém pelo exigente Ary Barroso. Além disso, ganhou o prêmio de 150 mil réis. O xamego virou uma espécie de ritmo diferente e o pessoal gostou muito.Vira e mexe ganhou o título, mais tarde,de Xamego, uma ideia do irmão de Gonzaga que achava que a música era muito sensual, da maneira como era tocada. 

Gonzaga se inspirou no gaúcho Pedro Raimundo, um sujeito alegre, que se apresentava como sulista no rádio.  Decidiu imitá-lo. Na Rádio Nacional, apresentou a novidade, foi aceito, mas o figurino nordestino rejeitado. O diretor Floriano Faissal disse que ali não era “casa de cangaceiro”. O artista teria que vestir um summer, traje formal que não tinha nada a ver com a sua música.  Aos poucos, porém, se acostumaram com o traje e com o fato de Luiz Gonzaga ter abandonado as valsas, os tangos e os foxtrotes que apresentava antes para agradar o público do rádio.  E também o seu jeito de cantar só foi aceito aos poucos, a duras penas.

A partir dos anos 1943, ele passou a interpretar choros,xotes, calangos, mazurcas. O encontro dele com o advogado Humberto Teixeira abriu-lhe novos caminhos. Lançaram Baião, gravada com o famoso grupo vocal Quatro Azes e Um Coringa, acompanhado pela sanfona de Gonzaga. O cearense Humberto Teixeira percebeu o grande talento de Lua, apelido que ganhou por ter uma face redonda como a lua cheia. Segundo o site do Dicionário Albin de Música Brasileira, “o novo gênero mudou o panorama musical brasileiro e impôs-se como o mais importante até o surgimento da Bossa Nova em fins dos anos 1950”. Ouça a música Baião.

Em 1943, Luiz Gonzaga assinou o primeiro contrato para atuar fora do Rio de Janeiro, fazendo uma temporada no Cassino Ahu, em Curitiba. Começou a ser chamado de “o maior acordeonista do Brasil”. Nesse ano também ganhou o apelido "Maior Sanfoneiro Nordestino”, dado pelo jovem radialista César de Alencar.

Em 1947, com o mesmo parceiro Humberto Teixeira, compôs o maior sucesso de todos os tempos: Asa branca, que ouvimos no início do quadro.Regravada inúmeras vezes, continua sendo sucesso na atualidade. Depois, Luiz Gonzaga foi convidado a participar do filme Esse mundo é um pandeiro, de Watson Macedo.
O Rei do Baião tornou-se o principal astro da música popular brasileira. Assim, em 1949, é convidado para fazer parte do elenco da comédia musical O mundo se diverte da Atlântida, com a polca Lorota boa, parceria de Teixeira. E também na comédia musical Estou aí, da Cinédia, com a música Mangaratiba.Gonzagão teve outros parceiros importantes como Zédantas e costumava frequentar tanto a Rádio Nacional quanto a Mayrink Veiga.

Em 1949, lançou com Zédantas, como o baiãoVem morena e o forró Forró de Mané Vito. O baião era tocado em todos os lugares. Na sua indumentária, ele passou a usar um chapéu de couro, que mandou vir do Nordeste.  Em 1950 lançou de sua parceria com Zédantas o baião A dança da moda, que afirma que "No Rio está tudo mudado", numa referência às mudanças de comportamento introduzidas pelo baião.
Em 1951, a cantora Carmélia Alves ficou conhecida como a Rainha do Baião. Já havia uma grande divulgação do estilo de Gonzaga. Carmélia e Sivuca, por exemplo, lançaram o disco No mundo do baião, com vários sucessos do sanfoneiro. Ouça Xote das meninas.

Apesar de tudo, Luiz Gonzaga passou por várias fases, altos e baixos. Quando precisava de mais dinheiro, participava de campanhas políticas e também atuava como músico de estúdio. Trabalhou em teatro de revista e programas de rádio, como Alma do sertão. Tocava nos dancings no centro da cidade, como Farolito, Eldorado, Assírio, Belas Artes.

Os anos 60 não foram muito felizes para Luiz Gonzaga. A música estava mudada, o rádio perdia força para a TV. Sofreu um grave acidente, teve traumatismo craniano e ferimento num olho. Ainda gravou outros discos. Em 1964, lançou outro LP A triste partida, de Patativa do Assaré. Os críticos viram ali um manifesto sertanejo.

Em 1968 lançou três LPs, entre eles, O sanfoneiro do povo de Deus, com inspiração religiosa. Nesse mesmo ano, Gilberto Gil, um dos líderes do movimento intitulado Tropicália, disse ter sido Luiz Gonzaga "a primeira grande coisa significativa do ponto de vista da cultura de massa no Brasil". Caetano Veloso fazia também questão de elogiar o cantor, compositor e sanfoneiro nordestino.

Em 1981, chegou às lojas o álbum duplo Vida do viajante, gravado ao vivo durante a excursão pelo Brasil feita com o filho Gonzaguinha no ano anterior. Os dois brigavam muito porque tinham comportamentos muito diferentes. Filho de uma dançarina de cabaré, Odaléa, foi assumido por Gonzaga.  O filme de Breno Silveira, Gonzaga de Pai para Filho, de 2012, mostra bem esses conflitos, depois contornados. Durante essa excursão, Gonzaga ganhou o apelido de Gonzagão, que muitos críticos acham inapropriado. A ideia surgiu a partir de uma faixa colocada em um show em São Paulo que dizia: “Gonzagão e Gonzaguinha, a maior dupla sertaneja do Brasil”.


Só para marcar a data: ele morreu no dia 2/8, de 1989, no Recife, aos 76 anos. Para terminar, ouça O xamego da Guiomar.

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