Rose Esquenazi
Ouça aqui: http://radios.ebc.com.br/sites/_radios/files/episodios/2015-08/1108-50radio-mec-am-tambem-nos-anos-1970-casa-da-mpb.mp3?download=1
No
dia 7 de setembro, a Rádio MEC comemora 79 anos. A emissora, que passou por
várias fases, abrigou e ainda abriga inúmeros programas musicais. Hoje vamos
falar sobre um deles, os '100 anos da Música
Popular Brasileira Ao Vivo'. Parte
do Projeto Minerva, a atração lançava e valorizava as histórias e a
interpretação de músicos populares. A criação, o texto, os convites, as pesquisas
e a narração eram do escritor, radialista, historiador, crítico e pesquisador de
MPB, Ricardo Cravo Albin. Eu conversei com ele na quarta-feira da semana passada.
Ricardo admitiu, sem falsa modéstia, que, até hoje, o programa era muito bom,
grande orgulho profissional.
Ricardo imaginou um programa que pudesse ir
para todas as cidades, através das 1.200 estações coligadas. De certa maneira,
ele tentava reproduzir os musicais da juventude, que ouvia ao vivo do auditório
da Rádio Nacional. Os '100 anos da Música
Popular Brasileira Ao Vivo' não era exatamente ao vivo nem tinha auditório.
Era “ao vivo gravado”, como se dizia em 1974 e 1975. Na MEC, ele gravava como
se fosse ao vivo, mas, se tivesse algum erro, mandava voltar a fita e gravava
de novo para ficar tudo perfeitinho. Os aplausos eram inseridos na edição.
Nem
sempre os músicos convidados tinham espaço nas gravadoras e nos estúdios do
rádio. Muitas vezes, eram pessoas humildes, semianalfabetas, mas geniais, daí a importância de sua
participação. Os programas se tornaram históricos. Ouça um trecho de Notícia, de Nelson Cavaquinho, na
interpretação de Roberto Silva, que fez parte da série 100 anos da Música Popular Brasileira ao Vivo. https://www.youtube.com/watch?v=mIN4rSXLU-w
Todos
os sábados, a uma e meia da tarde, o programa ia ar para contar a história da MPB.
Praticamente todos os grandes intérpretes foram convidados. Mas a ênfase ficou em Cartola, Luiz Gonzaga e
os jovens Paulinho da Viola e Beth
Carvalho. Candeia e Jackson do Pandeiro eram novatos nos estúdios. Mas Altamiro
Carrilho já tinha certa experiência.
Cartola
só ficou mais à vontade diante do microfone porque era amigo de Ricardo Cravo
Albin. Ele ainda era morador da Mangueira e tinha sido redescoberto depois de
muitos anos esquecido pelo público. Na primeira fase de sucesso, como amigo de
Noel Rosa, e fundador da Mangueira, Cartola criou, em 1940, com Paulo da
Portela, o programa A Voz do Morro,
da Rádio Cruzeiro do Sul. O interessante era que a dupla lançava sucessos, mas o
público criava os títulos das canções. Em 1941, Cartola, Paulo da Portela e
Heitor dos Prazeres formaram o grupo Conjunto Carioca. Durante um mês, eles se
apresentaram na Rádio Cosmos, em São Paulo. Depois de ter contraído meningite e
de ter perdido a mulher, Cartola desapareceu. Muita gente achou que ele havia
morrido.
Angenor
de Oliveira, o Cartola, começou a exercer profissões humildes para sobreviver,
deixando a música de lado. Até que, em 1957, ele foi identificado em uma
madrugada pelo jornalista
Sérgio Porto (conhecido como Stanislaw Ponte
Preta). Cartola
trabalhava como vigia e lavador de carros dos moradores de
um edifício em Ipanema. Quando viu o compositor magro e maltrapilho, Stanislaw resolveu ajudá-lo a retornar
a carreira. Cartola conseguiu aparecer na imprensa, foi trabalhar como contínuo
no Diário Carioca, e, no ano
seguinte, no Ministério da Indústria e Comércio. Conseguiu se apresentar na
Rádio Mayrink Veiga. Aos 66 anos, em 1974, justamente no ano de estreia do
programa de Ricardo Cravo Albin, Cartola gravou o primeiro de seus quatro discos.
Vamos ouvir Divina dama, de
Cartola, interpretado por ele mesmo.
https://www.youtube.com/watch?v=-Y3Z7aR-IS8
Voltando
à Rádio MEC, o resultado ficou tão interessante que a série foi gravada em 30
programas que resultaram em oito LPs memoráveis, lançados pela Tapecar. Raríssimos,
tornaram-se peças de colecionadores. Até que, em 2011, esse material foi relançado
em quatro CDs duplos, minuciosamente restaurados pelo selo Discobertas, de
Marcelo Fróes.
O programa
tinha um único problema nos anos 70. Foi muito criticado porque nasceu dentro
do Projeto Minerva. O Minerva partiu
de um decreto da época da ditadura. A atração começou no dia 1º de setembro de
1970, tinha horário fixo e era obrigatório em todas as rádios brasileiras. Como muita gente criticava o governo e também
não gostava de nada obrigatório, repeliu, no primeiro momento, o Projeto.
Mas
a intenção era nobre, educar o povo brasileiro, tal como pregava Roquette-Pinto
que inaugurou a primeira rádio no Brasil, em 1923. Ele mesmo, em 1936, passou a
Rádio Sociedade para o povo brasileiro, desde que o governo continuasse com o
seu projeto educativo inédito no rádio. A Rádio MEC nasceu assim, através de
uma doação.
A
sorte do Minerva foi que a diretora Maria Eugênia Stein tinha um ótimo gosto.
Convidou três pessoas excelentes para fazer o programa. Em primeiro lugar, o
diretor Zé Cândido de Carvalho, membro da Academia Brasileira de Letras. Ele
ficava com a parte do folclore brasileiro. Em segundo, Paulo Tapajós, que dava
aulas de música para todo o Brasil. Em terceiro lugar, Ricardo Cravo Albin, que
era amigo de todo o mundo e foi o fundador do Museu da Imagem do Som e seu diretor
de 1965 a 1971. Foi ele quem criou os Depoimentos para a Posteridade, uma
novidade absoluta. No MIS, até hoje, são
gravados os Depoimentos para a Posteridade. São fontes para estudantes e
profissionais que estudam a vida e obra dos mais famosos artistas brasileiros
da atualidade.
A iniciativa
antecedeu o núcleo de memória da Fundação Getúlio Vargas, o CPDOC. Foi anterior
também aos estudos sobre história oral, no Brasil, tão difundidos na atualidade
nas faculdades de História.
As
primeiras gravações do programa 100 anos
da MPB ao Vivo foram feitas
de forma arcaica pelos heroicos documentadores da época. Mas a história está lá
registrada. Inspiraram o banco de dados do site Dicionário Cravo Albin da
Música Popular Brasileira que todos podem acessar pela internet. Ricardo fez
outros 140 programas para o Projeto
Minerva, como o Gente da Música. Para
cada grande compositor da música popular brasileira ele reservava 30 minutos. “Em 70 horas”, ele disse, “nós botamos o
melhor da discografia que existe no Brasil, com discos que não existem mais
hoje, mas estão gravados na Rádio MEC. Foram ao todo mais de 15 séries de
programas, 15 títulos diferentes”.
Ouça Odete Amaral cantando Feitiço da Vila, de Noel Rosa e Vadico.
https://www.youtube.com/watch?v=5TEQqAUF2_8
Ricardo
Cravo Albin trabalhou na Rádio MEC durante 40 anos e se dedicou à estação com
grande interesse. “A Rádio MEC”, ele afirmou, “sempre foi a minha paixão. No
rádio, éramos livres pensadores produzindo aquilo de melhor para formar público
ouvinte.”
Os ouvintes gostavam muito de conhecer a
história da MPB. Ricardo explicou assim: “As pessoas escreviam, davam as suas
impressões em centenas de cartas. Eles pediam músicas, criticavam a falta de um
ou outro compositor ou intérprete”.
A
Rádio MEC lançou muitos outros programas de música. Além desses que citei, Ricardo
Cravo Albin participou ao lado de Paulo Tapajós, Haroldo Costa e Clóvis Paiva
das séries Nosso Domingo Musical,
Estampas Brasileiras, Folclore do Brasil, Discos de Ouro e por aí vai. Durante
a sua existência, e até hoje, não faltam programas de música clássica, jazz,
Bossa Nova, que ainda marcam a estação, sempre referência para os
brasileiros. Vamos concluir, ouça Altamiro Carrilho, em Flor
Amorosa, de Joaquim Calado. Instrumental SESC Brasil - 26_05_2010.
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