segunda-feira, 23 de março de 2015

Cauby Peixoto: Cauby!


Rose Esquenazi




Cauby: a construção de um grande ídolo

No dia 15 de maio de 2016, Cauby Peixoto morreu aos 85 anos deixando inúmeros fãs. Ele comemorava 65 anos de uma carreira rica e versátil. Fenômeno da música, Cauby marcou a história do rádio e, quase até o fim da vida, fez shows e foi aclamado pelos fãs. A voz foi comparada com a de Frank Sinatra e Nat King Cole, nos áureos tempos, não se manteve a mesma, mas surpreendeu por sua capacidade de alternar graves e agudos, dando emoção à interpretação.

É interessante saber que Cauby foi o primeiro produto de marketing do rádio brasileiro, antes mesmo de existir essa palavra “mar-ke-ting”. Tudo por conta do empresário Di Veras, sagaz e focado, que decidiu fazer de um cantor pobre e com bela e poderosa voz, o maior cantor brasileiro. Passou a ser idolatrado pelas jovens que sonhavam em se casar com ele. Di Veras transformou Cauby em “O Professor”, sempre elegante e com roupas ricas, bem talhadas, sapatos sob medida. 

Cauby Peixoto não era um pseudônimo, mas nome mesmo. O garoto morava em Niterói e a família dele era muito musical: desde os pais até os irmãos. Desde criança, ouvia e cantava, aos poucos desenvolveu seu talento. Começou a cantar em boates, tendo que aumentar a idade para 18 anos. O irmão mais velho, Moacyr, fazia com que Cauby ouvisse Silvio Caldas e Orlando Silva. Cantavam com ele nas boates os irmãos Andyara e Araken

Curiosamente, o cantor, depois de gravar seu primeiro disco, passou a fazer parte da Rádio Nacional, não do Rio, como se esperava, mas de São Paulo, em 1951. Hospedando-se na casa da irmã Andyara, ele começava a carreira com uma grande paixão, a música americana. Tudo lembra você, por exemplo, foi uma versão de These Foolish Things, gravada por Nat King Cole.

Em 1953, o empresário Di Veras decidiu investir em Cauby, depois de ter tentado fazer o mesmo com Ângela Maria, que já tinha o próprio empresário. Di Veras era uma pessoa rica que gostava do meio musical. Ele decidiu imitar Tom Parker, empresário de Elvis Presley, nos Estados Unidos. Depois de ouvi-lo atentamente, Di Veras o convidou para vir ao Rio de Janeiro tentar a carreira porque, em S.Paulo, o cantor estava muito apagado. A primeira coisa que fez foi levá-lo ao melhor alfaiate do Rio, e mandar fazer um terno irretocável. Ensinou coisas importantes para o rapaz: sempre sorrir, saber onde colocar as mãos, ser gentil com as fãs e, lógico, soltar a voz.
Cauby foi convidado a participar do Programa César de Alencar, na Rádio Nacional, em 1953. O jornal A Noite chegou a fazer uma nota sobre a sua estreia, chamando Cauby, o rapaz de 21 anos (tinha 22), de cantor da Rádio Nacional de São Paulo que veio ao Rio interpretar Dois amores, por uma temporada de apenas um mês. Mas não foi o que aconteceu. Em seis meses, tornou-se um fenômeno e capa da Revista do Rádio, que era o melhor termômetro do talento naqueles tempos.

Di Veras começou a usar os seus truques para que seu cliente estivesse sempre na mídia, palavra usada atualmente, mas que, nos anos 50, simplesmente não existia.

O escritor Rodrigo Faour, em seu livro  Bastidores – Cauby Peixoto, 50 anos da voz e do mito (Editora Record), fez um grande pesquisa e sintetizou a trajetória do artista. Visto como cantor romântico “fazendo sucesso com sambas-canções abolerados e alguns foxes – gravou também samba, baião, tarantela, tango, bolero, mambo, valsa, choro, flamenco, calypso e rock”.  E eu acrescento jazz e swing.

Ele era assim, multitalentoso, capaz de cantar em várias línguas, com certa facilidade. Além do empresário, as cantoras que já eram muito conhecidas na Rádio Nacional, como Nora Ney, Leny Eversong e Carmem Costa decidiram começar uma verdadeira campanha para que o jovem Cauby fosse contratado na emissora carioca. Se o convite não fosse feito, elas pediriam demissão! A pressão funcionou.

Em 1954, Cauby cantou  Blue Gardenia, outra versão de uma música americana, de Bob Russell-Lester Lee, com versão de Antônio Carlos.  O sucesso foi estrondoso. Tornou-se uma referência, o sonho de todas as fãs, que começaram a escrever milhares de cartas elogiando o cantor, querendo namorá-lo, revelando paixões avassaladoras.  Logo no primeiro mês depois do lançamento, foi criado um fã-clube para Cauby, que tinha como nome, nada mais nada menos, do que Blue Gardenia. Na Revista do Rádio, a reportagem dizia que, ao entrar no auditório da Nacional, “as fãs desmaiavam gostosamente”, e, segundo o repórter, davam “gritinhos de contentamento”. Por essa razão, Cauby passou a ser conhecido como o cantor que fazia “as garotas desmaiarem”.
Vamos ouvir Blue Gardenia?
https://www.youtube.com/watch?v=Mc_-ZE3ZBk0

Di Veras criou o mito. Ajudou as fãs a fazerem faixas com elogios ao cantor e forçou a barra para que ele tornasse o campeão de faixas passando na frente de outro cantor popular na ocasião, o “rival”, o rei dos brotinhos, Francisco Carlos. Passou também o número de cartas enviadas para a Nacional. E olhe que as divas Emilinha Borba, Marlene e Nora Ney recebiam muita correspondência. Só no mês de julho de 1954, ele recebeu 3.052 cartas. A seção de correspondência da Rádio Nacional era uma sala gigantesca com vários funcionários trabalhando duramente para dar conta do recado de arrumar cada escaninho das celebridades.

Em 1954, ele já tinha sido capa da Revista do Rádio 38 vezes, nenhum cantor conseguiu tal feito! Mas o assédio das fãs, que só aumentava, começou a cansá-lo. Não era só no Rio, mas em várias cidades brasileiras a reação era sempre a mesma. Em Porto Alegre, ele teve Elis Regina, ainda criança, como uma de suas admiradoras.  Nas excursões, a loucura era a mesma, gerava tumulto. Cauby dizia que “aguentava tudo porque era jovem”.

O professor passou a frequentar outros programas da Nacional, como Ronda dos bairros, com Paulo Gracindo, aos domingos, transmitido de vários cinemas da cidade. No Politeama, no Largo do Machado, hoje Supermercado Extra, ou no Imperator, no Meier, onde fosse, Cauby era aclamado. Para sobreviver às duas mil fãs que foram recepcioná-lo no Cine Ipanema, a polícia teve que intervir para abrir caminho para a estrela. Além do programa Ronda dos bairros, Cauby participou de Um milhão de melodias e Quando os maestros se encontram, Quando canta o Brasil, três programas da Rádio Nacional.

É claro que tanto sucesso gerou ciumeira, inveja e fofoca. Para fortalecer a masculinidade, Di Veras propôs capas e matérias com O Professor beijando na boca de atrizes. Em matérias internas, repórteres diziam que ele iria ser “papai”, e que era um bom partido. Na matéria “O casamento que todos querem”, ao lado de Ângela Maria, não parecia muito convincente na foto. Parceira de muitos shows em toda a carreira, a cantora nunca foi companheira mais íntima. O auge da forçação de barra foi a capa da Revista do Rádio em que o cantor aparece de quimono com o título: “Cauby aprendendo jiu-jítsu disposto a tudo”. Embaixo da foto principal, havia um cineminha de imagens de um lutador de verdade sendo derrubado por Cauby. Então, tá!

Em 1955, influenciado por Di Veras, Cauby decidiu ir para os Estados Unidos.  Ele achava mesmo que seu contratado era tão bom ou melhor do que Frank Sinatra. Então, por que não tentar a sorte nos States, como fez Carmem Miranda nos anos 40? Na apresentação despedida da Nacional, o empresário pediu para o alfaiate apenas alinhavasse o terno de Cauby, em vez de costurá-lo na máquina. Conversou com as fãs, dizendo para aparecerem na porta da Nacional, na Praça Mauá. Convidou os fotógrafos dos principais jornais para estarem lá em determinado horário.

Para o jornal A Noite, que ficava no mesmo prédio da Nacional, era fácil. Mas outros profissionais não iriam perder o furo de reportagem. Depois de se apresentar na PRE-8,  Cauby apareceu na rua recebendo uma multidão de fãs que correram a seu enlaço. Conforme foram puxando a roupa do cantor, os pedaços do terno foram saindo. Ótimo assunto para a imprensa daquele tempo.  Ele apareceu nas fotos abatido e triste com a roupa rasgada. A cena que foi, verdade seja dita, armada.

Nos Estados Unidos, com o apelido de Ron Coby, Cauby cantou em rádios e em boates, mas não fez o sucesso esperado. Ficou no país durante oito meses, voltando em 1956. Também foi capa de revista, mas decidiu voltar ao Brasil trazendo na bagagem fotos posadas ao lado de lindas mulheres, como a atriz Jayne Mansfield.

Em 1957, teve a coragem de ser  o primeiro cantor brasileiro a gravar uma canção de rock em português, a canção Rock and Roll em Copacabana, de Miguel Gustavo. Já era tempo de TV e inúmeras vezes ele apareceu em programas cantando e mostrando a sua arte. O estilo pode ter ficado ultrapassado para alguns, mas muita gente o prestigia até hoje, reconhecendo o talento atrás de tantos trejeitos e ternos cheios de paetês e brilho. Ao completar 25 anos de carreira, em 1980, ganhou um álbum só com músicas escritas em sua homenagem. A mais famosa, a que mais marcou, foi Bastidores, assinada por Chico Buarque, um resumo de sua vida. O musical Cauby!, Cauby!, de Flávio Marinho, de 2006, atraiu milhares de pessoas ao teatro. Cauby sempre foi uma sensação.



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