segunda-feira, 23 de março de 2015

O samba-de-breque e o samba sincopado


Rose Esquenazi

Ciro Monteiro influenciou muitos sambistas

https://www.youtube.com/watch?v=fD8Hh4CFPkk  Na subida do morro, Moreira da Silva, de Geraldo Pereira

O cantor Ciro Monteiro, um cantor maravilhoso também, mas completamente diferente do primo Cauby Peixoto. Antes, Ciro – conhecido como Formigão - só cantava em casa e para os amigos, mas, aos poucos, ele começou a ser convidado para se apresentar nas estações de rádio.  Sua estreia foi com um samba Acabou a sopa, de Geraldo Pereira e Augusto Garcez, em 1940.

Criador de mais de 100 músicas, Geraldo compôs um dos grandes sucessos interpretados por Ciro Monteiro, A Falsa Baiana, de 1944. Estudiosos acham que essa música influenciou o nascimento da Bossa Nova devido a sua batida. O escritor Luiz Fernando Vianna afirma que “o ritmo não apenas acompanha a melodia, mas forma com ela um conjunto indissociável”. O estudioso de MPB Jairo Severiano considera Falsa Baiana como “obra prima, samba paradigma de seu estilo”. (“Uma história da Música Popular Brasileira”) 

Ciro trabalhou na Rádio Philips e na Mayrink Veiga e influenciou muitos sambistas. Nascido em 28/5/1913 (morreu em 13/7/1973), além de cantor, era também foi compositor.

 o compositor Geraldo Theodoro Pereira, de quem falamos agora, nasceu em 1918 (1955), em Juiz de Fora, teve infância difícil. Ele se mudou para o Morro de Mangueira, onde ficou amigo de outros compositores, como Cartola e fez parte da extinta escola de samba Unidos de Mangueira. Casou-se a contragosto com a mãe de seu filho e logo depois partiu para a vida boêmia, com bebida demais, mulheres demais e brigas demais. Sem tocar nenhum instrumento, compunha usando uma caixinha de fósforos para acompanhar o ritmo. Começou a fazer samba sincopado, um samba leve e cheio de divisões rítmicas, inovando a música popular brasileira. Estreou como profissional em 1939 e deixou 76 músicas gravadas, cerca de 90% sincopadas.
Outras músicas muito conhecidas de Geraldo Pereira também foram interpretadas por Ciro Monteiro, tais como Escurinho e Pisei no despacho. 

Desde 1931, o samba batucado feito pelos compositores negros e mestiços do Estácio já incluíam um pequeno breque, que é aquela paradinha que permite “uma modulação para a retomada da melodia da primeira parte”, como ensina José Ramos Tinhorão, no livro Pequena História da Música Popular (Vozes, 1974). O breque virou moda principalmente entre a dupla Ismael Silva e Nilton Bastos. Pode ser entendida também como o breque de um carro, quando o automóvel para de repente.


 A principal característica do estilo é a pausa no acompanhamento acentuadamente sincopado para uma intervenção declamatória do intérprete. Muitos compositores, como Heitor dos Prazeres, incluíam em suas letras escritas a expressão break, informando que, naquele momento da música, o cantor deve parar e dizer uma determinada frase ou cantar um determinado trecho musical.

Em Você está sumindo, com Jorge de Castro, de 44, Geraldo Pereira fala que o amor de uma mulher está lhe consumindo, o abandono o deixa decadente. Na frase musical, a síntese da situação: “Você está acabado, chi! Você está sumindo”.
O maior expoente do samba brecado foi Moreira da Silva, justamente com um samba de Geraldo Pereira com a coautoria de Moreira da Silva: Acertei no milhar, de 1940. 

Acertei no milhar é, na minha opinião, uma música genial. Conta o sonho que uma pessoa comum tem ao ganhar uma fortuna no jogo do bicho. Manda a mulher quebrar os móveis, dar as roupas todas aos pobres, pretende colocar os filhos (“ai, que inferno!”, ele diz) no colégio interno, vai comprar um título de nobre e viajar pela Europa e América do Sul. Tudo maravilhoso, com muito dinheiro no bolso, até que a mulher do sujeito, a Etelvina – olha que nome delicioso – o acorda dizendo que estava na hora do batente, ou seja, ele precisava trabalhar. O samba acaba com a triste frase: “Foi um sonho, minha gente”.

Conhecido como o Rei do Breque, Moreira da Silva interpretou diversas músicas de Geraldo Pereira Na subida do morro, que ouvimos no início do quadro. Conhecido como Kid Morengueira, Moreira da Silva viveu até os 98 anos e fez shows até os 90.  Nascido no Morro do Salgueiro, na Tijuca, em 1º de abril de 1902, morreu em 6/6/2000. Trabalhou em fábricas,  foi taxista e  condutor de ambulância. Nas horas vagas, Kid cantava. E foi fundo na improvisação de frases engraçadas, ditas de maneira muito rápida. As pausas do breque evoluíram para o samba brecado. 


Essa turma, muitas vezes, era identificada com a malandragem da Lapa, comportamento malvisto pelo Estado Novo de Getúlio Vargas. Moreira da Silva se vestia de terno branco, usava chapéu de palha e sapatos impecáveis.

Já Geraldo Pereira não se vestia assim. Mas fazia pose e vivia bebendo nos bares e resturantes da Lapa. Teve uma morte estranha e com muitas versões. Segundo Madame Satã, o malandro que jogava muito bem capoeira e era travesti temido pela polícia, Geraldo, certa noite, implicou com ele. Insistiu que Satã bebesse do chope dele e, depois, queria beber do copo de Satã. Houve um desentendimento feio, eles começaram a brigar na porta do Restaurante Nova Capela, no Centro. Geraldo caiu no meio fio e bateu com a cabeça. Morreu aos 37 anos. Outra versão é de Luiz Fernando Vianna, que conta que Geraldo já sofria de hemorragia intestinal há muito tempo. (Olha o meu break: também depois de tanta bebida!) A causa mortis não teria sido a batida da cabeça no meio-fio.

José Ramos Tinhorão ensina que o samba-de-breque tinha sumido um tempo até reaparecer nos anos 50 através das composições de Miguel Gustavo. Autor de O Rei do Gatilho, 1962, interpretado por Moreira da Silva, e de Café Society, de 1955, o publicitário explicou em uma entrevista que, na verdade, ele e Billy Blanco, apenas trouxeram o samba de breque para “convívio da classe média”. “Naquela mesma ocasião, muitos outros continuavam a fazer esse tipo de samba, do jeito deles e para o seu próprio público, com as ferramentas rudimentares que possuíam”, explicou Miguel Gustavo, que continuou com a explicação: “Nós alteramos a coisa um pouco. Colocamos nosso tipo de vida, nossas observações e nossa formação num  tipo de estrutura antiga e restrita.” (Veja, 1980)

Vamos ouvir Café Society com Jorge Veiga (1910-1979), que nasceu no bairro do Engenho Novo e foi muito pobre. Engraxate, vendedor de frutas e pintor de paredes, foi descoberto em programa de calouros da Rádio Educadora do Brasil (PRB-7).  Regravou com muito sucesso Acertei no milhar, de que falamos no início do porograma. Vamos ouvir Café Society?

https://www.youtube.com/watch?v=CoovSvHmCL8  Jorge Veiga canta Café Society.
Esse quadro com você, Marcus Aurélio, do Rádio Faz História, minha gente, não foi um sonho.




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