segunda-feira, 23 de março de 2015

É tempo de Carnaval


Rose Esquenazi


Até amanhã, de Noel Rosa, interpretada por Elizeth Cardoso, Jacob do Bandolim e Zimbo Trio, 1968. 

Há mais de 80 anos, se ligássemos o rádio nessa época do ano, só ouviríamos marchas  carnavalescas. Os anos 30 foram chamados a Era de Ouro da música, mas os 40 também foram geniais. Em todos os carnavais, os compositores lançavam centenas de músicas novas, algumas geniais. O rádio ajudava na divulgação. O público ia aprendendo aos poucos as letras e, quando começava a festa, todos já haviam escolhido as marchinhas mais animadas, engraçadas e queridas. Não se tratava de algo requentado.


Só para ter uma ideia, em 1941, Almirante, o famoso Henrique Foreis Domingues, contabilizou, no programa Curiosidades musicais, 250 novas músicas para aquele Carnaval em tempo de guerra e Estado Novo. Segundo o livro de Sérgio Cabral, pai, sobre o Almirante, sete músicas ficaram conhecidas: O Bonde São Januário; Eu trabalhei; Helena, Helena; Alala-ô, Aurora; Nós queremos uma valsa e Poleiro de pato é no chão. Mesmo com essa grande produção de 1941, o carnaval não foi animado. O carnaval de 1943 não aconteceu simplesmente porque não havia clima para grandes comemorações em plena guerra.


O Estado Novo implicava com as letras que falavam sobre malandragem e discursos contra o trabalho. Se o Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, não autorizasse, as músicas não podiam ser gravadas nem tocadas nas rádios. No Bonde São Januário, Ataulfo Alves e Wilson Batista tinham ironizado os operários que trabalhavam nas fábricas que ficavam na Barreira do Vasco e que ganhavam uma miséria. A frase “Quem trabalha, não tem razão”, eles mudaram para “Quem trabalha é quem razão”, e em vez de “O Bonde São Januário leva mais um sócio otário” por um “operário”. Só assim puderam gravar. Vamos ouvir “O Bonde São Januário no CD 1 dos Os grandes sambas da história, faixa 11.


O pesquisador José Ramos Tinhorão, no livro Pequena História da Música Popular (Vozes), explica que “os gêneros de música carnavalesca”, o samba e a marcha, além de toda a sua evolução posterior, foram fixados um pouco antes de 1930. Segundo Tinhorão, a evolução social das classes a que se dirigiam, no caso, a classe média branca, “ganhou no Estácio o ritmo bancado com a geração de compositores da camada mais baixa: Ismael Silva, Nilton Bastos, Bide, Armando Marçal, Heitor dos Prazeres.

Para o pesquisador, “com o aparecimento de compositores profissionais dos meios do rádio e das fábricas de discos – Ari Barroso, Lamartine Babo, João de Barro, Noel Rosa, Assis Valente, Haroldo Lobo, Ataulfo Alves” – houve uma mudança no andamento do samba carnavalesco para o meio do ano sob o nome de samba-canção.

Nas músicas bem-humoradas, bem sacadas, sintéticas e que grudavam no ouvido do público surgiam tipos dessas novas camadas que apareciam na cidade, como a melindrosa e o almofadinha. Nas charges dos jornais, esses tipos apareciam, principalmente, nos traços de J.Carlos.  O dentista Freire Júnior ajudava a fazer o perfil na música: “Melindrosinha/Moça chique e vaporosa/Elegante e bonitinha/Perfumada como a rosa/Namoradeira/Com vontade de casar/os botões de laranjeira/Nos dão muito o que pensar”.

Antes da estreia do rádio no Brasil, em 1922, temos que citar a primeira música feita especialmente para o Carnaval: trata-se de Ó Abre Alas, de Chiquinha Gonzaga, de 1899.  Só para situar os ouvintes, citaremos Sinhô, o pianista profissional também responsável pela “fixação da música na sua primeira fase”. Depois, registra-se a criação coletiva na casa da baiana tia Ciata, que tinha um terreiro de candomblé na Cidade Nova (Praça Onze), registrada por Donga (Ernesto Santos), em 1916. Chamava-se Pelo Telefone, a primeira música que ganhou o selo de “samba”, na gravadora Odeon. Começava a identificação cada vez maior da classe média com a marcha. O pianista José Francisco de Freitas, compôs a marcinha Eu vi: “Eu vi/Eu vi/Você beliscar Lili”. Esse lançamento aconteceu em 1926, um ano antes da estreia de Lamartine Babo, com a marcha Os Calças Largas.  Lamartine foi um gênio das marchinhas carnavalescas.

Teu cabelo não nega, de Lamartine Babo e Irmãos Valença, 1931
Linda Morena, Lamartine Babo, 1932, do CD 2.


Havia também vários concursos para descobrir novas músicas carnavalescas, muitas vezes, promovidos por jornais e revistas da época. Eu encontrei a lista dos quatro melhores do concurso de 1931, patrocinado pelo Jornal do Brasil e pela gravadora Casa Édison. Nas letras misturam-se bom humor e ideias politicamente incorretas se comparadas com o olhar da atualidade. Em primeiro lugar, ficou Bonde errado, com mil votos. Em segundo, Olha a crioula, com 600 votos. Em terceiro, Não dou, com 446 votos. Em quarto, Encurta a saia.

Almirante mostrava em Curiosidades musicais a riqueza e a qualidade musical das marchas carnavalescas. O programador, apresentador e produtor também fazia extensas pesquisas sobre os carnavais do passado e trazia para os ouvintes os sucessos que se tornavam clássicos. Ele era incansável e mostrou isso em duas fases do programa Curiosidades. Ele tanto podia contar a história da Mangueira, como a trajetória da capoeira, por exemplo. Quando foi para a Rádio Nacional, em 1938, ele já tinha ganhado experiência na Rádio Philips, no Programa do Casé, na Rádio Transmissora e Rádio Club. Mas foi na Nacional que seu brilhantismo ficou ainda mais em evidência. Ele sabia narrar, imitar vozes de criança, mulher, de estrangeiros, com a maior naturalidade, produzir, pesquisar, escrever, tocar, entrevistar.

É bom lembrar que Almirante também era músico e havia participado em dois grupos musicais importantes: o Flor do Tempo, com seus colegas do colégio, entre eles, o genial Braguinha e Noel Rosa. Aliás, Almirante casou-se com a irmã de Braguinha, apelido de Carlos Alberto Ferreira Braga. Como Carlinhos não queria que o pai dele – um rico gerente da Fábrica de Tecidos Confiança - soubesse que ele estava metido em música, coisa vista com desdém por muitos, usou o pseudônimo de João de Barro, no segundo grupo musical de Almirante, os Turunas da Mauricéa. Isso porque ia estudar arquitetura e não há, na natureza, passarinho que construa casa melhor do que o joão de barro. Ele achou que valia a pena não arriscar.

Braguinha compôs durante 60 carnavais ininterruptos canções maravilhosas e que são cantadas até hoje. Por exemplo: Pirata da Perna de PauChiquita BacanaTouradas de MadriA Saudade mata a GenteBalancêAs PastorinhasTurma do Funi. Em 1937, Carmem Miranda gravou Balancê e, em 1938, foi a música mais tocada no carnaval, com 2357 execuções, segundo dados do ECAD.

Com Touradas em Madri, Braguinha venceu o concurso carnavalesco de 1938, mas, depois, a música foi desclassificada porque chegou-se à conclusão que o ritmo não era brasileiro. Pensando bem foi um critério bem ridículo. Em 1950, a canção foi cantada por cerca de 200 mil pessoas durante a partida contra a Espanha na Copa do Mundo de Futebol no Maracanã.
Touradas em Madri: https://www.youtube.com/watch?v=PFE2UNSu5Hs, de 1938 e que fez sucesso na Copa de 50. YouTube.

Para mostrar um pouco do clima do Carnaval do passado vamos ouvir:

Máscara negra, de Zé Kétie Hildebrando Matos, 1967
Oh! Seu Oscar. Samba de Ataulfo Alves e Wilson Batista (Carnaval de 1940), faixa 7, CD 1, para o Carnaval dos anos 40.





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