segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Incrível, Fantástico, Extraordinário


Rose Esquenazi

Henrique Foréis Domingues, o Almirante, era um grande pesquisador


      Em um quadro anterior, contei um pouco da história do criativo e maravilhoso radialista Almirante, pseudônimo de Henrique Foréis Domingues. Entre os 40 programas originais que ele criou para as rádios Philips, Nacional, Tupi e Rádio São Paulo,  está o programa INCRÍVEL, FANTÁSTICO, EXTRAORDINÁRIO, seu maior sucesso, não há dúvida, que ele começou a escrever aos 39 anos.  Segundo Sérgio Cabral, que escreveu No tempo de Almirante, uma história do Rádio e da MPB, esse programa encerrava a série Histórias das Orquestras e Músicos do Brasil.
 
     Hoje vamos nos concentrar nessa atração que chamou tanta atenção do público. Temos um bom motivo para fazer isso: os diretores João Velho e Rico Cavalcanti estão rodando um filme sobre Almirante. Justa homenagem ao homem que criou o primeiro programa montado do rádio brasileiro. Para explicar melhor: o primeiro editado, trabalhado, perfeitinho, que ainda não havia nos anos 30, no Brasil. Almirante profissionalizou o rádio e foi copiado por todos os outros produtores a partir dele.

     Almirante nasceu no Rio de Janeiro em 1908 (morreu em 1980). Em 1947, na Rádio Tupi, convidou o público para contar as suas próprias e estranhas histórias. Mas, antes, a sua equipe confirmava a veracidade de cada relato. Cada colaborador tinha que enviar o endereço e telefone e, caso fosse montada o causo, como eles chamavam, a pessoa ganharia um pequeno cachê. Almirante tinha uma equipe de radioatores, como a atriz Ida Gomes, uma pequena orquestra e sonoplastas, para dar o clima certo ao relato. Tudo ao vivo, naturalmente. Centenas de histórias foram enviadas e produzidas. Tornou-se um programa muito popular. Almirante recolheu centenas de casos até 1958.
Vamos ouvir a abertura?



     Almirante era muito organizado e guardou todos os relatos que depois foram reunidos em um livro, com o mesmo nome do programa, editado pela Editora Francisco Alves, em 1989.  Vamos ouvir o primeiro trecho de um dos programas que teve o patrocínio de Guaraína,  remédio que combatia a dor de dente, a dor de cabeça e resfriados sem atacar o coração, segundo o anunciante. Foi ao ar no dia 9 de dezembro de 1947.  

 https://www.youtube.com/watch?v=b3N02UjV41E
 
     INCRÍVEL, FANTÁSTICO, EXTRAORDINÁRIO era uma ideia antiga inspirada em um fato que aconteceu quando Almirante era criança. No chalé onde a família foi morar em Nova Friburgo, fenômenos estranhos aconteciam diariamente. Havia barulhos incompreensíveis, a luz acendia e se apagava, as venezianas batiam sozinhas. Incrédulo, o pai chamou o vizinho para confirmar aquilo tudo. Naquele dia, todos presenciaram as xícaras de cafezinho se espatifarem no chão sem que ninguém tivesse provocado aquilo.

     Almirante dava um alerta para as pessoas mais impressionadas. Ele dizia: “Não se assustem, ouvintes, mas será um programa em que vamos apresentar o sobrenatural sem tentar explicar coisa alguma e sem o menor propósito de fazer com que vocês acreditem nos fatos verdadeiramente fantásticos que ocorrem n o dia a dia de muita gente”.

       A vinheta era espetacular e metia muito medo. Almirante avisava que não era preciso temer nada porque quase todo o mundo tinha casos extraordinários para contar de suas famílias e amigos. Coincidências, aparições, avisos, sonhos, mensagens, pessoas mortas que voltavam ao mundo dos vivos e até se casavam, defuntos que se vingavam dos amigos.

    As crianças eram proibidas de ouvir o programa que era irradiado tarde da noite. Os pais achavam que os filhos teriam pesadelo. Mas assim que os pais saíam de casa, as crianças corriam para o rádio para ouvir, às escondidas, o programa que metia medo. Anos mais tarde, esse programa foi levado várias vezes para a TV e o título do programa  se tornou uma expressão corriqueira no nosso vocabulário.

 
      Algumas histórias correram até no começo do século passado e eram lembradas pelos filhos e netos. Depois de confirmadas, Almirante dirigia a sua equipe e levava ao ar a história com muita emoção e interpretação. Talvez por isso, havia um culto, entre as famílias e moradores de pequenas e grandes cidades, de conversar sobre as estranhezas do lugar onde habitavam. No caso do programa, lemos que  uma pomba acompanhou o enterro de uma boa professora, o noivo que se casou mesmo depois de sua morte.

      Havia muitos milagres de santas, assim como castigos para aqueles que cometiam maldades. Parece que os mortos costumam fazer justiça com as próprias mãos, mas também ajudam na cura de alguma criança. Tudo era incrível, fantástico e extraordinário. Graças ao sincretismo religioso, o brasileiro mistura várias religiões e costumamos acreditar em quase tudo. Você tem alguma história incrível para contar, Marco Aurélio? E os seus ouvintes?



2 comentários:

  1. relembrando esse passado no qual eu era ouvinte assíduo e com todos os medos descritos no comentário , só uma coisa me surpreendeu, pois jurava o programa era transmitido pelo Nacional e não pela Tupi. A sonoplastia era também fundamental na criação do frenesi do medo, coisa que nessas reproduções não me parece as mesmas. Ilusão , talvez, de minhas longevas lembramças. FORMIDAVEL.

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  2. quantos episódios foram levados ao ar na rádio e depois na tv globo? não encontrei nenhuma lista de episódios, ou qualquer referencia maior as histórias. Onde posso conseguir o livro, mesmo em arquivo pdf?

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