segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Ritmos da Panair. Ritmos do Copacabana

ROSE ESQUENAZI



O disco foi gravado  no Copacabana Palace ao som das orquestras e crooners



      No fim dos anos 40 e começo dos anos 50 do século passado, os brasileiros mais ricos e mais poderosos do país frequentavam a noite do Rio de Janeiro, que era elegantíssima por sinal. No Centro, Copacabana, Gávea e Urca, surgiram muitas boates. O jornalista e escritor Ruy Castro acaba de lançar um livro muito interessante sobre esse ambiente. Ele pesquisou principalmente o gênero que floresceu nessa época: o samba-canção. Sugiro que todos leiam o livro “A noite do meu bem”, da Editora Companhia das Letras. A publicação traz à tona incríveis personagens cariocas, músicos, cantores e cantoras, empresários, diretores, maestros, políticos. 

    Nas boates Saint Tropez, Night and Day, Monte Carlo, por exemplo, foram revelados ou consagrados importantes nomes da música. Mas o lugar onde tudo era bastante caro e exclusivo, além do Vogue, na Av. Princesa Isabel, era a boate Meia-Noite, no Copacabana Palace Hotel. A Rádio Nacional passou a transmitir para todo o Brasil e para o mundo, através das ondas curtas, médias e longas, diretamente do Copa, com as orquestras de Zaccharias e Cópia. As duas casas ficavam a poucos metros uma da outra e os artistas que cantavam no Golden Room esticavam no Meia-Noite. No cartaz de propaganda, o texto publicitário era revelador: "O programa que recebe cartas das cinco partes do mundo".

     Patrocinado primeiramente pelos Cigarros Lincoln, aquele que “condiz com o momento” ou “de ponta a ponta, o melhor cigarro”, o programa Ritmos da Panair  ligava seu nome a algo internacional e exclusivo. Lincoln também era uma marca de carro americano muito caro na época. Todos os homens usavam chapéus e fumavam sem parar. Naquele tempo, ninguém relacionava a causa do câncer com o consumo de cigarro e a publicidade do tabaco era permitida no rádio.   Antes de o jogo ser proibido, em 1946, perdia-se muito dinheiro na mesa de bacará e roleta. Pesquisei a edição do programa Ritmos do Copacabana Palace, que foi ao ar em 5/12/1947.


     Ouvindo Ritmos da Panair, podemos imaginar o ambiente de uma época. Dançava-se coladinho, os casais eram muito bem vestidos, os cabelos bem cortados e arrumados, usavam-se saltos altos e perfumes franceses.  Havia um clima de romance por toda a parte e também politicagem, disputas econômicas e políticas. As pessoas que não tinham dinheiro para frequentar a noite, nem beber uísque ou champanhe, podiam ficar em casa e de seu simples aparelho de rádio ouvira a orquestra e os cantores prediletos. Quem sabe dançar com a namorada?

Quem não tinha grana também para saborear o filé mais caro da cidade, dava o seu jeito com algo mais simples. Mas é bom esclarecer que o "Picadinho Meia-Noite", saboreado pelos granfinos na boate, era útil porque rebatia altas doses de álcool e dava novo ânimo para recomeçar a farra que podia render até as 7h da manhã, em outras boates. Há registros de que as mulheres ricas e célebres chegavam a ir ao cabeleireiro do Copacabana Hotel depois da meia-noite para ajeitar os cabelos com o famoso Renault e suas assistentes.  Ocantor Nuno Roland cantou Copacabana, de João de Barro, o Braguinha, e Alberto Ribeiro, com a Orquestra de Zaccharias.
  
     A Revista do Rádio, muito popular, decidiu confortar suas leitoras com reportagens que diziam que aquela farra milionária iria acabar um dia. Em 1960, com a transferência da Capital para a Brasília, ocorreu esse golpe quase mortal que fez com que todo o funcionalismo público abandonasse as boates e o bairro para viver no Planalto Central, lugar ainda inóspito. 

     Os Ritmos da Panair eram apresentados por Ribeiro Martins, Aurélio de Andrade e Murilo Nery. Murilo era uma pessoa muito elegante que sabia usar smoking e colocar a voz antes da apresentação do maestro Copinha. Foi ele quem lançou Ivon Curi como crooner.  Uma explicação importante: crooner é um cantor, ou cantora muito versátil, que canta vários gêneros e em vários idiomas acompanhado de orquestra ou banda. Segundo Ruy Castro, apesar das ótimas vozes, esses cantores não eram para ser ouvidos porque competiam com o falatório, copos de bebida se batendo, coqueteleiras etc. O escritor explicou que isso se chamava “cantar para a família Madeira – ou seja, para os móveis”.

Além de Ivan Curi e Nuno Roland, surgiram outros crooners como Helda Mayder, Carmélia Alves, Dóris Monteiro, Jorge Goulart, Nora Ney, Nelson Gonçalves, Dick Farney, Helen de Lima e Yolanda Simões. Eles se revezavam ao microfone em diferentes apresentações, das 23h30 à meia-noite e trinta. Nesse horário, o mundo mudava de tom ao som da música brasileira e internacional da mais alta qualidade.

     A vida também acontecia em frente ao hotel. Ali estavam a famosa praia, a pista única da Avenida Atlântica, o modo de viver relaxado no balneário. Todos no mundo queriam ter a mesma rotina: praia, piscina, casos de amor, diversão de dia e à noite. Ainda hoje, há um espírito glamouroso no agora chamado Hotel Belmond Copacabana Palace, mas o bairro e a Cidade mudaram bastante. A boate Meia-Noite e o Golden Room também contavam com nomes internacionais, como Jean Sablon, Cantinflas, Marlene Dietrich, Sammy Davis Jr., Amália Rodrigues, Lena Horne e por aí vai. Então, o público de casa podia contar com vozes famosas e aprender diversas línguas: o inglês, francês, o espanhol.

      Nessa edição, há a deliciosa 'I wonder, I wonder, I wonder', com Helda Mayder, com a orquestra do maestro Zaccharias. A música fez muito sucesso com Eddy Howard e sua orquestra, em 1946, nos EUA.

     Naquele tempo, a Rádio Nacional ainda se despedia de seus ouvintes à meia-noite e meia com o mesmo trecho de abertura "Luar do sertão". E só voltava a funcionar no dia seguinte, às 6h40, algo impensável atualmente nas grandes emissoras das grandes cidades.

(A



AER206 - RITMOS DO COPACABANA Nº 1 (58:55h) - Restaurado
Programa do dia 05.12.47 com os seguintes números musicais: Don't you know I care (Orquestra) - Mathel (Orquestra) - Copacabana (Nuno Roland) - Danubio Azul em ritmo de samba (Orquestra) - La ultima noche (Nuno Roland) - Vou chorar muito (Orquestra) - Implorar (Orquestra) - I wonder, I wonder, I wonder (Helda Mayder) - Ratherandroll (Orquestra) - Segredo (Ivon Curi) - Meu limão meu limoeiro (Orquestra) - More than you know (HeldaMayder) - Tu (Orquestra) - Valsa dos Patinadores, em ritmo de fox (Orquestra) - Inspiracion (Orquestra) - Palavras de mujer (Orquestra) - Rancho Fundo (Orquestra).





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