ROSE ESQUENAZI
![]() |
O disco foi gravado no Copacabana Palace ao som das orquestras e crooners |
No fim dos anos 40 e começo dos anos 50 do
século passado, os brasileiros mais ricos e mais poderosos do país frequentavam
a noite do Rio de Janeiro, que era elegantíssima por sinal. No Centro,
Copacabana, Gávea e Urca, surgiram muitas boates. O jornalista e escritor Ruy
Castro acaba de lançar um livro muito interessante sobre esse ambiente. Ele pesquisou
principalmente o gênero que floresceu nessa época: o samba-canção. Sugiro que
todos leiam o livro “A noite do meu bem”, da Editora Companhia das Letras. A
publicação traz à tona incríveis personagens cariocas, músicos, cantores e
cantoras, empresários, diretores, maestros, políticos.
Nas boates Saint Tropez, Night and Day, Monte Carlo, por exemplo, foram revelados ou consagrados importantes nomes da música. Mas o lugar onde
tudo era bastante caro e exclusivo, além do Vogue, na Av. Princesa Isabel, era
a boate Meia-Noite, no Copacabana Palace Hotel. A Rádio Nacional passou a
transmitir para todo o Brasil e para o mundo, através das ondas curtas, médias
e longas, diretamente do Copa, com as orquestras de Zaccharias e Cópia. As duas
casas ficavam a poucos metros uma da outra e os artistas que cantavam no Golden
Room esticavam no Meia-Noite. No cartaz de propaganda, o texto publicitário era
revelador: "O programa que recebe cartas das cinco partes do mundo".
Patrocinado primeiramente pelos Cigarros Lincoln,
aquele que “condiz com o momento” ou “de ponta a ponta, o melhor cigarro”, o
programa Ritmos da Panair ligava seu nome a algo internacional e
exclusivo. Lincoln também era uma marca de carro americano muito caro na época.
Todos os homens usavam chapéus e fumavam sem parar. Naquele tempo, ninguém
relacionava a causa do câncer com o consumo de cigarro e a publicidade do
tabaco era permitida no rádio. Antes de
o jogo ser proibido, em 1946, perdia-se muito dinheiro na mesa de bacará e
roleta. Pesquisei a edição do programa Ritmos do
Copacabana Palace, que foi ao ar em 5/12/1947.
Ouvindo Ritmos
da Panair, podemos imaginar o ambiente de uma época. Dançava-se coladinho,
os casais eram muito bem vestidos, os cabelos bem cortados e arrumados,
usavam-se saltos altos e perfumes franceses.
Havia um clima de romance por toda a parte e também politicagem,
disputas econômicas e políticas. As pessoas que não tinham dinheiro para
frequentar a noite, nem beber uísque ou champanhe, podiam ficar em casa e de
seu simples aparelho de rádio ouvira a orquestra e os cantores prediletos. Quem
sabe dançar com a namorada?
Quem não tinha grana também para saborear o filé
mais caro da cidade, dava o seu jeito com algo mais simples. Mas é bom esclarecer
que o "Picadinho Meia-Noite", saboreado pelos granfinos na boate, era
útil porque rebatia altas doses de álcool e dava novo ânimo para recomeçar a
farra que podia render até as 7h da manhã, em outras boates. Há registros de
que as mulheres ricas e célebres chegavam a ir ao cabeleireiro do Copacabana
Hotel depois da meia-noite para ajeitar os cabelos com o famoso Renault e suas
assistentes. Ocantor Nuno Roland cantou Copacabana, de João de Barro, o Braguinha, e
Alberto Ribeiro, com a Orquestra de Zaccharias.
A Revista
do Rádio, muito popular, decidiu
confortar suas leitoras com reportagens que diziam que aquela farra milionária
iria acabar um dia. Em 1960, com a transferência da Capital para a Brasília,
ocorreu esse golpe quase mortal que fez com que todo o funcionalismo público
abandonasse as boates e o bairro para viver no Planalto Central, lugar ainda
inóspito.
Os Ritmos da
Panair eram apresentados por Ribeiro Martins, Aurélio de Andrade e Murilo
Nery. Murilo era uma pessoa muito elegante que sabia usar smoking e colocar a
voz antes da apresentação do maestro Copinha. Foi ele quem lançou Ivon
Curi como crooner. Uma explicação importante: crooner é um cantor, ou cantora muito
versátil, que canta vários gêneros e em vários idiomas acompanhado de orquestra
ou banda. Segundo Ruy Castro, apesar das ótimas vozes, esses cantores não eram
para ser ouvidos porque competiam com o falatório, copos de bebida se batendo,
coqueteleiras etc. O escritor explicou que isso se chamava “cantar para a
família Madeira – ou seja, para os móveis”.
Além de Ivan Curi e Nuno Roland, surgiram outros crooners como Helda Mayder, Carmélia
Alves, Dóris Monteiro, Jorge Goulart, Nora Ney, Nelson Gonçalves, Dick Farney,
Helen de Lima e Yolanda Simões. Eles se revezavam ao microfone em diferentes
apresentações, das 23h30 à meia-noite e trinta. Nesse horário, o mundo mudava
de tom ao som da música brasileira e internacional da mais alta qualidade.
A vida também acontecia em frente ao hotel. Ali
estavam a famosa praia, a pista única da Avenida Atlântica, o modo de viver
relaxado no balneário. Todos no mundo queriam ter a mesma rotina: praia,
piscina, casos de amor, diversão de dia e à noite. Ainda hoje, há um espírito
glamouroso no agora chamado Hotel Belmond Copacabana Palace, mas o bairro e a
Cidade mudaram bastante. A boate Meia-Noite e o
Golden Room também contavam com nomes internacionais, como Jean Sablon, Cantinflas,
Marlene Dietrich, Sammy Davis Jr., Amália Rodrigues, Lena Horne e por aí vai.
Então, o público de casa podia contar com vozes famosas e aprender diversas
línguas: o inglês, francês, o espanhol.
Nessa edição, há a deliciosa
'I wonder, I wonder, I wonder', com
Helda Mayder, com a orquestra do maestro Zaccharias. A música fez muito sucesso
com Eddy Howard e sua orquestra, em 1946, nos EUA.
Naquele tempo, a Rádio Nacional ainda se despedia de seus ouvintes à meia-noite e meia com o mesmo trecho de abertura "Luar do sertão". E só voltava a funcionar no dia seguinte, às 6h40, algo impensável atualmente nas grandes emissoras das grandes cidades.
(A
|
Programa do dia 05.12.47 com os seguintes números musicais: Don't you know I care (Orquestra) - Mathel (Orquestra) - Copacabana (Nuno Roland) - Danubio Azul em ritmo de samba (Orquestra) - La ultima noche (Nuno Roland) - Vou chorar muito (Orquestra) - Implorar (Orquestra) - I wonder, I wonder, I wonder (Helda Mayder) - Ratherandroll (Orquestra) - Segredo (Ivon Curi) - Meu limão meu limoeiro (Orquestra) - More than you know (HeldaMayder) - Tu (Orquestra) - Valsa dos Patinadores, em ritmo de fox (Orquestra) - Inspiracion (Orquestra) - Palavras de mujer (Orquestra) - Rancho Fundo (Orquestra).
Mutio bom o texto. Adorei.
ResponderExcluir