Rose Esquenazi
Benedito
Lacerda é considerado um dos flautistas mais virtuosos do Brasil, ao lado de
Patápio Silva, Joaquim Calado, Pixinguinha. Foi o maior flautista de sua
geração, esteve ao lado dos maiores
cantores brasileiros. Deixou 160 composições, entre elas, obras-primas que
vamos ouvir aqui.
O compositor,
flautista
e maestro Benedito
Lacerda nasceu em Macaé, no dia 14 de março de 1903. Filho de uma lavadeira, desde
pequeno frequentou a Sociedade Musical Nova Aurora, orquestra de Macaé fundada em 1873. Mudou-se com a
mãe para o Rio, aos 17 anos, e foi morar no Estácio. O bairro, musical por
excelência, era um dos berços do samba e do chorinho. Teve a sorte de conviver
com Noel Rosa, Ismael Silva e Alcebíades Barcelos, o Bide. O primeiro
instrumento que tocou foi o bumbo, na Banda da Polícia Militar. Logo depois
passou para flauta. Evoluiu na música estudando partitura no Instituto Nacional
de Música, diplomando-se em flauta e composição. Em 1925, foi aprovado em teste no qual executava a parte de flauta da ópera Il Guarany, de Carlos Gomes. Conseguiu se transferir para a Escola Militar do Realengo, como músico de primeira classe, tornando-se solista. Depois de cinco anos na carreira militar, em 1927, pediu baixa e decidiu tocar com o grupo regional Boêmios da Cidade. Veja a sorte que Benedito teve. Foi chamado para acompanhar a famosa dançarina e cantora Josephine Baker, quando ela se apresentou no Brasil. Só dava Josephine nos cassinos, cinemas, orquestras de teatros, dancings e cabarés da cidade. A atriz americana negra levava os homens à loucura com seu rebolado sensual e causava inveja às mulheres com aquele corpo magro e malhado. Para época, era uma ousadia tremenda.
Benedito foi saxofonista em algumas orquestras de jazz e, na década de 30, criou o grupo Gente do Morro. Especializado em ritmos brasileiros, o conjunto acompanhou Noel Rosa em uma viagem a Campos. O Gente de Morro não durou muito, mas o flautista já estava organizando outro grupo: o Conjunto Regional Benedito Lacerda. Os grandes músicos da época, impulsionados pelo rádio, podiam contar com o regional. Na Rádio Philips, primeiramente, no famoso Programa Casé, e depois em várias estações de rádio, como a Nacional, Benedito e seu conjunto se apresentaram ao lado de Carmen Miranda, Luiz Barbosa, Mário Reis, Francisco Alves, Sílvio Caldas. Passou a ser também compositor. No Cassino da Urca, trabalhou de 1928 a 1939. Vamos ouvir a linda canção Isis.
Ísis (1935) https://www.youtube.com/watch?v=CrCWlt-_IEA
Nos anos 30, Benedito – seguindo uma tendência no Brasil de Getúlio –
cometeu algumas músicas grandiloquentes e ufanistas. Nem sempre as melhores
composições, elas serviam para falar bem do presidente que, em 37, estabeleceu
o Estado Novo. É de sua autoria e de Aldo Cabral a música Brasil. Na década de 40, o encontro com Pixinguinha foi decisivo. As gravações dessa época são maravilhosas. Pixinguinha no sax e Benedito, na flauta, lançaram álbuns de partitura e gravaram 40 músicas. Mau administrador de seus bens, Pixinguinha quase perdeu a casa onde morava em Ramos por conta de uma hipoteca. Benedito decidiu ajudá-lo com dinheiro, mas o gesto teve um contraponto. Nada menos do que 24 composições criadas apenas por Pixinguinha acabaram ganhando um coautor, o Benedito. Entre elas, as obras-primas como Sofres porque queres, Naquele tempo e Um a zero, criada quando o Brasil ganhou o Campeonato Sul-Americano de Futebol de 1919, hoje, Copa América.
A homenagem foi para o jogador brasileiro Friedenreich, “El Tigre”, que marcou o gol vencedor contra os uruguaios. “El Tigre” fez tanto sucesso que as suas chuteiras foram expostas em uma vitrine de uma caríssima loja de joias do Rio de Janeiro. Dizem que durante a vida de jogador, Fried marcou 1.392 gols. Já pensaram? Vamos ouvir a gravação desse chorinho, gravado em 1946?
https://www.youtube.com/watch?v=3KnqP4rqe58
Na há dúvida de que Pixinguinha e Bené transformaram a música brasileira com seus arranjos e a maneira como tocavam magistralmente os seus instrumentos. Existem tantas obras primas que precisaria ter uma semana de programa para mostrar tudo. Bené também foi compositor de música de Carnaval, como Jardineira, criada com Humberto Porto. Orlando Silva gravou a marchinha em 1938 e ela ainda faz sucesso nos carnavais da atualidade.
Em 1949, surgiu outra música de grande sucesso na voz de Nelson Gonçalves e de autoria de Benedito Silva e David Nasser. A seresta Normalista ficou em terceiro lugar na parada de sucessos. Será que ainda existem normalistas no Rio, Marco Aurélio? Vamos ver a letra, bem de época:
Vestida de azul e branco/Trazendo um sorriso franco/Num rostinho encantador
Minha linda normalista/Rapidamente conquista/Meu coração sem amor/
Eu que trazia fechado/Dentro do peito guardado/Meu coração sofredor/Estou bastante inclinado/A entregá-lo ao cuidado/Daquele brotinho em flor/Mas a normalista linda
Não pode casar ainda/Só depois que se formar/Eu estou apaixonado/O pai da moça é zangado/E o remédio é esperar
Vamos ouvir?
https://www.youtube.com/watch?v=Z2UfRnGxHOs
Como o pagamento de direitos autorais no Brasil foi sempre muito desorganizado, prejudicando os verdadeiros artistas, Benedito tentou organizar a atividade de arrecadamento de direitos. Ele foi fundador da União Brasileira de Compositores (UBC) e dirigente da Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música (SBACEM).
Vamos terminar com chave de ouro com a música Ainda me recordo, de
1947, mais um incrível choro carioquíssimo interpretado por jovens músicos
apaixonados pelo ritmo. Bené morreu no Rio, pouco antes de completar 55
anos.
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