quinta-feira, 7 de julho de 2016

Dorival Caymmi, o compositor de alma brasileira


Rose Esquenazi

https://www.youtube.com/watch?v=C0rYfHkRv6s


Dorival Caymmi - É doce morrer no mar (1959)

     Dorival Caymmi foi um artista brilhante, único, maravilhoso. Parte da criativa geração dos anos 30, a Época de Ouro da MPB, Caymmi realizou bem tudo a que se propôs. Foi cantorcompositor, violonista, pintor e ator brasileiro. Ele nasceu em Salvador, no dia 30 de abril de 1914, e começou a compor bem jovem. Caymmi formou com o irmão e amigos o grupo chamado Os três e meio. Os músicos tentaram a carreira em algumas rádios inexpressivas em Salvador e não tiveram muita sorte. Suas composições foram desacreditadas. Diziam, preconceituosamente, que pareciam músicas de macumba, de negros. Caymmi, então, compôs músicas ao estilo dos cariocas. Ganhou um prêmio em um concurso patrocinado pelo jornal O Imparcial com a canção A Bahia também dá. Trabalhou também como escrivão e vendedor, mas não era isso que ele queria.
     Até que, em 1937, um conhecido estava indo para o Rio de Janeiro convenceu-o a partir com ele. Caymmi levou 13 composições na bagagem, com a marca da Bahia em seu DNA. Caymmi tinha um vozeirão, o que ajudava a defender uma ou outra música que tentava emplacar nas rádios do Rio de Janeiro. Passou pela popular Rádio Mayrink Veiga, sem sucesso. Tentou trabalhar como desenhista na revista de maior sucesso na época, O Cruzeiro, mas não funcionou.
     O primeiro cachê que Caymmi recebeu foi na Rádio Tupi, em 1938. Havia um ano que ele estava no Rio de Janeiro e as coisas começavam a mudar. Conversava com todo mundo, pedia uma oportunidade, mostrando a sua música. Até que aconteceu algo inesperado. Durante a filmagem do filmeBanana da Terra, em 1939, Carmem Miranda iria interpretar uma música do já famoso Ary Barroso. Mas o diretor Wallace Downey se desentendeu com Ary. O que fazer com a fantasia de baiana que já estava pronta? Alguém se lembrou que havia um rapaz cheio de músicas prontas e que falavam da Bahia. Por que não o convidar para uma conversa?
     Foi assim que Caymmi apareceu para mostrar O que é que a baiana tem?. A música agradou em cheio. Caymmi topou ficar nas filmagens para ajudar Carmem Miranda a fazer os trejeitos de uma verdadeira baiana. A música e o filme estouraram. E aquele rapazinho magro deixou de ser anônimo. Vamos ouvir Carmem Miranda e Caymmi cantando O que é que a baiana tem?
     Aos 26 anos, ele conheceu uma jovem cantora na Rádio, e se encantou pela moça que tinha 18. Adelaide Tostes, a cantora Stella Maris, preferiu se casar a continuar a carreira de cantora. Preferiu ou foi forçada pelo marido, isso eu não tenho certeza. Juntos, o casal teve três filhos - Nana CaymmiDori Caymmi e Danilo Caymmi – todos cantores de mão cheia. Ah, a neta AliceCaymmi também é cantora, seguindo a tradição da família. Com os Anjos do Inferno, Dorival interpretou sambas-canção que fizeram sucesso.  A obra tinha quase sempre o tom descritivo e pictórico. Provavelmente letras influenciadas pelas telas que pintou até o fim da vida.
     Caymmi sofreu influência do povo baiano: dos compositores, das mulheres que vendiam acarajé nas ruas, dos costumes, hábitos e tradições. O que parecia ser uma música fácil e simples eram obras-primas em que a letra combinava perfeitamente com a música. Meticulosa como uma joia. Caymminunca teve pressa para nada, muito menos para compor. Segundo o pesquisador Jairo Severiano, a melhor fase, a mais produtiva da vida deCaymmi foi até 1947. Na minha opinião, Caymmi nunca saiu de moda porque compôs clássicos, como Saudade da Bahia, Samba da minha Terra, Doralice,Modinha para GabrielaMaracangalha, Saudade de Itapuã, O Dengo que a Nega Tem, Rosa Morena.
      A vida profissional de Caymmi também foi rica no Rio de Janeiro. Ao lado de músicos cariocas, deixou de ser “o cantor dos pescadores” e passou a compor composições que seriam a marca da nova fase da MPB: a do samba-canção. Além de cantar eventualmente no rádio, Caymmi passou a se apresentar nas boates de Copacabana. Houve um verdadeiro boom desses lugares, atraindo os amantes da boa música. Durante oito meses seguidos ele se apresentou no Clube 36, já com seus sambas urbanos e cosmopolitas. Também era admirado pelos sócios do Clube da Chave, frequentado apenas por sócios e no Chez Colbert. Era uma época em que se encontravam e se tornavam parceiros pessoas como Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Newton Mendonça, Carlos Guinle, Johnny Alfie e muitos outros.  Essas histórias sobre as boates estão no livro A noite do meu bem, de Ruy Castro.
     Uma das músicas de CaymmiMarina, rompeu com o acordo de exclusividade que existia nos anos 40. Um cantor, ao gravar uma música, podia permanecer com ela durante um ano. Mas não foi o que aconteceu.Marina foi gravada por Francisco Alves, Dick Farney, Nelson Gonçalves e o próprio Caymmi. Pouco tempo depois, foi interpretada por João Gilberto e se tornou uma das grandes influenciadoras da Bossa Nova.
     Caymmi contou como nasceu Marina, em 1947. Uma vez, ao sair de casa para ir para o rádio, seu filho Dorivalzinho lhe disse, zangado: “Estou de mal”. “Na rua, essa frase ficou martelando na sua cabeça: “Estou de mal, estou de mal, estou de mal…” Ele contou essa história na Revista da Música Popular, em janeiro de 1955 . “Enquanto comprava umas coisas, andava nas ruas, a melodia e a letra foram se compondo em minha cabeça. No fim do dia, a música estava pronta”. 
Vamos ouvir Marina interpretada por Caymmi em um show de 1996.
     A música de Caymmi também foi apresentada nos Estados Unidos pelo cantor Dick Farney. Ele fez uma temporada em Nova York na mesma época de Cauby Peixoto. Os americanos gostaram daqueles sons tão doces, mesmo que não pudessem entender bem o que diziam as letras. Vamos ouvir a romântica  Não tem solução, na voz de Dick Farney, gravada em 1950. De um bom gosto incrível.
Caymmi também foi ator. Mas ele se descrevia como “galã rústico”. Em 1949, no filme Estrela da manhã teve argumento de Jorge Amado. Caymmiinterpretou um pescador que cantava o personagem interpretado pela atriz Dulce Bressane.
Ao lado de Sapoti, apelido de Angela Maria, Dorival Caymmi se apresentou no musical Acontece que sou baiano. Dirigido pelo homem da noite Carlos Machado, o espetáculo apresentado em 1953, na boate Casablanca. Fez muito sucesso. Para Angela, ele compôs um samba-canção especial chamado Nem eu. A letra é um hino ao amor:
“Não fazes favor nenhum//Em gostar de alguém//Nem eu, nem eu, nem eu//Quem inventou o amor//Não fui eu/Não fui eu, não fui eu//Não fui eu nem ninguém//O amor acontece na vida/Estavas desprevenida//E por acaso eu também//E como o acaso é importante querida//De nossas vidas a vida//Fez um brinquedo também”
Vamos ouvir Nem eu, na voz de Nana Caymmi.
Quando morreu aos 94 anos, em 2008, Caymmi tinha assinado 120 composições. Tendo como forte influência a música negra, desenvolveu um estilo pessoal de compor e cantar, demonstrando espontaneidade nos versos, sensualidade e riqueza melódica. Depois de João Gilberto, muitos outros cantores interpretaram a música do baiano. Gal Costa, Chico Buarque, Sylvia Telles. Vamos ouvir Sábado em Copacabana, na interpretação de Sylvia Telles e letra de Carlos Guinle.

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