Rose Esquenazi
Bambo do Bambu, de Donga e Patrício
Teixeira, gravação de 1940, com Jararaca e Ratinho
Vamos falar sobre o centenário do samba que se comemora esse ano. E para falar
desse marco da música temos que nos lembrar de Donga, Ernesto Joaquim Maria dos
Santos. Donga nasceu no dia 5 de abril de 1899, na Rua Teodoro da Silva, Vila
Isabel, no Rio. Morreu aos 84 anos, em 25/8/1974. E por que ele deve ser lembrado? Donga e Mauro
de Almeida foram os responsáveis pela gravação e registro da música Pelo telefone, em 1916, na Biblioteca Nacional. Pela primeira vez, a
seu pedido, a gravadora de Fred Figner, a Casa Edison, colocou no selo do disco
a palavra “samba”.
No livro As vozes desassombradas do museu,
publicado em 1970, as palavras de Donga são esclarecedoras. O músico deu seu
Depoimento para a Posteridade em 2/4/1969, aos 80 anos. Nessa época, o Museu da
Imagem e do Som era dirigido por Ricardo Cravo Albin. Donga disse que seu pai
tocava bombardino e que seu primeiro instrumento foi o cavaquinho, que passou a
tocar aos 14 anos. Não teve aulas formais, mas ouvia música o tempo todo em
casa, depois que se mudou para o Centro da Cidade. Ficava perto da casa de
outras tias baianas que chegaram ao Rio no começo do século passado.
A mãe
Amélia Silvana de Araújo promovia grandes festas que podiam durar oito dias
seguidos. As pessoas iam para comer, dançar e participar dos rituais de origem
africana, como o candomblé. Cada casa de baiana tinha um estilo, podia ter
choro e samba na sala da frente e, atrás, batucada. Donga esclareceu: “Batucada
não é samba” e sim capoeiragem. Revelou também que “samba-batuque é equívoco,
pois samba é sapateado, nos pés, pelos homens, e nos quadris, pelas mulheres.”
O menino passou
a infância nos terreiros de candomblé das tias baianas, rezadeiras, festeiras
do Estácio e da Cidade Nova. Conviveu com ex-escravos e, nas festas, passou a
tocar vários instrumentos para acompanhar as rodas de samba. Depois de tocar de
ouvido, teve lições com Quincas Laranjeiras. Para Donga, o samba veio da Bahia. Não cresceu
no morro e e sim nas ruas Senador
Pompeu, do Costa – atual Alexandre Mackenzie –,
Alfândega e Hospício, hoje Buenos Aires. Curiosamente, Donga não
frequentava muito a Casa da tia Ciata, a mais citada e conhecida das baianas. Para
agradar a mãe, compôs as modinhas Olhar
de Santa e Ligia, teus olhos dizem
tudo, que ganhou mais tarde a letra de David Nasser. Vamos ouvir um trecho de Ligia, teus olhos dizem tudo, com Donga
tocando violão.
A
história da música Pelo telefone foi
mais complicada do que esse simples registro dos dois parceiros. Na verdade,
foi uma obra coletiva dos que frequentavam a casa da Tia Ciata, na Cidade Nova.
Um grupo criou conjuntamente a música. Segundo Donga, a letra original de Pelo telefone foi paródia de uma
reportagem publicada no jornal A noite,
que tinha como um dos sócios o Irineu Marinho, que adorava o samba e foi importante
na vida de Donga pouco mais tarde.Segundo Donga, “sem Irineu Marinho e o
Arnaldo Guinle não haveria os Oito Batutas”.
A segunda versão tem uma letra diferente. Não
mais “O chefe da folia pelo telefone”, mas “O chefe da polícia pelo
telefone...” No fim, a autoria ficou com o Donga porque ele teve a iniciativa
do registro. Em 1921, a convite do
empresário Arnaldo Guinle, Donga foi para Paris com o grupo Os Oito Batutas do
qual faziam parte Pinguinha e outros excelentes músicos. A ideia era mostrar a
música brasileira com exímios compositores aos franceses. Fizeram sucesso, esticaram a temporada para
quase um ano. Mas fazia frio e os cariocas preferiam voltar para o calor local.
Donga trouxe da Europa um violão-banjo, uma novidade no Brasil.
Em 1922, Os Oito Batutas participaram da
inauguração do rádio no Brasil durante o Centenário da Independência do Brasil,
que aconteceu no Rio, capital do país. Acabo de descobrir esse fato histórico
importante. Vamos
ouvir Patrão, Prenda seu gado
(João da Baiana/Pixinguinha/Donga). Aproveitem para assistir a um lindo filme
dos Batutas dançando.
Em 1926, Donga
fez parte de outro grupo, o Carlito Jazz que acompanhava a companhia francesa
de revistas Ba-Ta-Clan, no Rio de Janeiro. Voltou para Europa em nova excursão,
prova de que a música brasileira estava sendo bem aceita no exterior. Na volta,
em 1928, Donga participou de outros grupos: Guarda Velha e Diabos do Céu, ambas
formadas por Pixinguinha para gravações. Em 1932, Donga tocou no Programa Casé, na Rádio Philips, o mais
popular do rádio brasileiro, dirigido por Adhemar Casé. Todos os sucessos
fonográficos acabavam nas rádios que estavam sendo inauguradas e já podiam
contar com o dinheiro vindo da publicidade, atividade enfim liberada pelo governo
Vargas. Que diretor não gostaria de ter em seu programa os Oito Batutas, com a
Santíssima Trindade do Samba: Pixinguinha e João da Baiana e Donga?
Em 1940, a bordo do navio S.S. Uruguai, Donga
gravou nove composições (entre sambas, toadas, macumbas e lundus) do disco Native Brazilian Music. O projeto foi
organizado por dois maestros: o norte-americano Leopold Stokowski e o
brasileiro Heitor Villa-Lobos, lançado nos Estados Unidos pela Columbia. Villa Lobos era amigo e frequentava
a casa de como Pixinguinha, Cartola, Donga, João da Bahiana, Zé Espinguela, Luiz
Americano, Zé da Zilda e Jararaca e Ratinho. As gravações fizeram parte do
projeto da Boa Vizinhança do governo americano, idealizada por Nelson
Rockefeller. No Brasil, foi apoiado pelo Estado Novo de Getúlio Vargas. Vamos
ouvir o original com Zé da Zilda,
Pixinguinha e Regional do Donga – Pelo
telefone, de 1940
https://www.youtube.com/watch?v=C6uHtVXQqXw
Em 2012, depois
de 70 anos do lançamento dos álbuns Native Brazilian Music, a Revista Rolling Stones, publicou uma reportagem
sobre a gravação desses oito discos de 78 RPM. No Brasil, não ganharam
repercussão, mas através desse material os americanos passaram a conhecer a
arte musical dos brasileiros.
No final
dos anos 1950 Donga voltou a se apresentar com o grupo Velha Guarda, em shows
organizados por Almirante. Ele foi um grande violonista, compositor e
aglutinador de artistas. Pedia respeito aos músicos que queriam viver de sua
profissão. Nos 100 anos do samba, aplausos ao mestre Donga.
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