quinta-feira, 7 de julho de 2016

Donga, o fundador do samba





Rose Esquenazi


 Bambo do Bambu, de Donga e Patrício Teixeira, gravação de 1940, com Jararaca e Ratinho


      Vamos falar sobre o centenário do samba que se comemora esse ano. E para falar desse marco da música temos que nos lembrar de Donga, Ernesto Joaquim Maria dos Santos. Donga nasceu no dia 5 de abril de 1899, na Rua Teodoro da Silva, Vila Isabel, no  Rio.  Morreu aos 84 anos, em 25/8/1974.  E por que ele deve ser lembrado? Donga e Mauro de Almeida foram os responsáveis pela gravação e registro da música Pelo telefone, em 1916,  na Biblioteca Nacional. Pela primeira vez, a seu pedido, a gravadora de Fred Figner, a Casa Edison, colocou no selo do disco a palavra “samba”.


     No livro As vozes desassombradas do museu, publicado em 1970, as palavras de Donga são esclarecedoras. O músico deu seu Depoimento para a Posteridade em 2/4/1969, aos 80 anos. Nessa época, o Museu da Imagem e do Som era dirigido por Ricardo Cravo Albin. Donga disse que seu pai tocava bombardino e que seu primeiro instrumento foi o cavaquinho, que passou a tocar aos 14 anos. Não teve aulas formais, mas ouvia música o tempo todo em casa, depois que se mudou para o Centro da Cidade. Ficava perto da casa de outras tias baianas que chegaram ao Rio no começo do século passado. 

     A mãe Amélia Silvana de Araújo promovia grandes festas que podiam durar oito dias seguidos. As pessoas iam para comer, dançar e participar dos rituais de origem africana, como o candomblé. Cada casa de baiana tinha um estilo, podia ter choro e samba na sala da frente e, atrás, batucada. Donga esclareceu: “Batucada não é samba” e sim capoeiragem. Revelou também que “samba-batuque é equívoco, pois samba é sapateado, nos pés, pelos homens, e nos quadris, pelas mulheres.”

     O menino passou a infância nos terreiros de candomblé das tias baianas, rezadeiras, festeiras do Estácio e da Cidade Nova. Conviveu com ex-escravos e, nas festas, passou a tocar vários instrumentos para acompanhar as rodas de samba. Depois de tocar de ouvido, teve lições com Quincas Laranjeiras.  Para Donga, o samba veio da Bahia. Não cresceu no morro e  e sim nas ruas Senador Pompeu, do Costa – atual Alexandre Mackenzie –,  Alfândega e Hospício, hoje Buenos Aires. Curiosamente, Donga não frequentava muito a Casa da tia Ciata, a mais citada e conhecida das baianas. Para agradar a mãe, compôs as modinhas Olhar de Santa e Ligia, teus olhos dizem tudo, que ganhou mais tarde a letra de David Nasser. Vamos ouvir um trecho de Ligia, teus olhos dizem tudo, com Donga tocando violão.

     A história da música Pelo telefone foi mais complicada do que esse simples registro dos dois parceiros. Na verdade, foi uma obra coletiva dos que frequentavam a casa da Tia Ciata, na Cidade Nova. Um grupo criou conjuntamente a música. Segundo Donga, a letra original de Pelo telefone foi paródia de uma reportagem publicada no jornal A noite, que tinha como um dos sócios o Irineu Marinho, que adorava o samba e foi importante na vida de Donga pouco mais tarde.Segundo Donga, “sem Irineu Marinho e o Arnaldo Guinle não haveria os Oito Batutas”.

      A segunda versão tem uma letra diferente. Não mais “O chefe da folia pelo telefone”, mas “O chefe da polícia pelo telefone...” No fim, a autoria ficou com o Donga porque ele teve a iniciativa do registro.  Em 1921, a convite do empresário Arnaldo Guinle, Donga foi para Paris com o grupo Os Oito Batutas do qual faziam parte Pinguinha e outros excelentes músicos. A ideia era mostrar a música brasileira com exímios compositores aos franceses.  Fizeram sucesso, esticaram a temporada para quase um ano. Mas fazia frio e os cariocas preferiam voltar para o calor local. Donga trouxe da Europa um violão-banjo, uma novidade no Brasil.
 Em 1922, Os Oito Batutas participaram da inauguração do rádio no Brasil durante o Centenário da Independência do Brasil, que aconteceu no Rio, capital do país. Acabo de descobrir esse fato histórico importante. Vamos ouvir Patrão, Prenda seu gado (João da Baiana/Pixinguinha/Donga). Aproveitem para assistir a um lindo filme dos Batutas dançando.

 

     Em 1926, Donga fez parte de outro grupo, o Carlito Jazz que acompanhava a companhia francesa de revistas Ba-Ta-Clan, no Rio de Janeiro. Voltou para Europa em nova excursão, prova de que a música brasileira estava sendo bem aceita no exterior. Na volta, em 1928, Donga participou de outros grupos: Guarda Velha e Diabos do Céu, ambas formadas por Pixinguinha para gravações. Em 1932, Donga tocou no Programa Casé, na Rádio Philips, o mais popular do rádio brasileiro, dirigido por Adhemar Casé. Todos os sucessos fonográficos acabavam nas rádios que estavam sendo inauguradas e já podiam contar com o dinheiro vindo da publicidade, atividade enfim liberada pelo governo Vargas. Que diretor não gostaria de ter em seu programa os Oito Batutas, com a Santíssima Trindade do Samba: Pixinguinha e João da Baiana e Donga?

      Em 1940, a bordo do navio S.S. Uruguai, Donga gravou nove composições (entre sambas, toadas, macumbas e lundus) do disco Native Brazilian Music. O projeto foi organizado por dois maestros: o norte-americano Leopold Stokowski e o brasileiro Heitor Villa-Lobos, lançado nos Estados Unidos pela Columbia. Villa Lobos era amigo e frequentava a casa de como Pixinguinha, Cartola, Donga, João da Bahiana, Zé Espinguela, Luiz Americano, Zé da Zilda e Jararaca e Ratinho. As gravações fizeram parte do projeto da Boa Vizinhança do governo americano, idealizada por Nelson Rockefeller. No Brasil, foi apoiado pelo Estado Novo de Getúlio Vargas. Vamos ouvir o original com  Zé da Zilda, Pixinguinha e Regional do Donga – Pelo telefone, de  1940
  https://www.youtube.com/watch?v=C6uHtVXQqXw

     Em 2012, depois de 70 anos do lançamento dos álbuns Native Brazilian Music, a Revista Rolling Stones, publicou uma reportagem sobre a gravação desses oito discos de 78 RPM. No Brasil, não ganharam repercussão, mas através desse material os americanos passaram a conhecer a arte musical dos brasileiros.


      No final dos anos 1950 Donga voltou a se apresentar com o grupo Velha Guarda, em shows organizados por Almirante. Ele foi um grande violonista, compositor e aglutinador de artistas. Pedia respeito aos músicos que queriam viver de sua profissão. Nos 100 anos do samba, aplausos ao mestre Donga.

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