Rose Esquenazi
Não caio noutra.
Muitos ouvintes de seu programa, provavelmente, nunca ouviram falar de Ernesto Nazareth. Mas jovens músicos e pianistas tarimbados que amam o chorinho, as polcas e as valsas do começo do século passado continuam a incensar a obra tão magnífica do compositor carioca.
Precisamos conhecer o gênio que compôs lindas músicas para o piano. Ele foi compositor, pianista e professor particular de piano. O mais importante: sistematizou a nossa música que anteriormente não era “genuinamente brasileira”. Antes, a música era feita no Brasil, mas não representava os brasileiros. O mais importante aqui é dizer que Ernesto Nazareth tocou na inauguração da primeira estação de radio do país: a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por Roquette-Pinto e Henrique Morize.
Graças a meu amigo Luiz Antônio de Almeida, do Museu e da Imagem do Som, que estudou profundamente a obra de Ernesto Nazareth, além de interpretar as músicas desse maravilhoso compositor, poderemos apreciar a interpretação da música Apanhei-te cavaquinho, gravada em acetato nos anos 30. Vamos ouvir a raridade no final. Luiz Antônio escreveu também um livro sobre o compositor, ainda inédito. Agora, vamos contar um pouco da história de Ernesto Júlio de Nazareth.
Ele nasceu em 20 de março de 1863, na Rua Bom Jardim, número 9. A casa ficava encostada no Morro do Nheco, hoje Morro do Pinto, Santo Cristo, Zona Portuária do Rio. O pai, Vasco Lourenço, era dodespachante aduaneiro, e morreu prematuramente. A família não era rica e quem lhe apresentou ao piano foi a mãe, Carolina Augusta, que também lhe deu aulas. Com a morte dela, Ernesto teve outros professores, Eduardo Rodolpho de Andrade Madeirae Charles Lucien Lambert, conhecido professor de piano de Nova Orleans.
Ainda jovem, aos 14 anos, Ernesto compôs sua primeira música, a polca-lundu Você bem sabe,dedicada ao pai. Estudou no Colégio Belmonte, na Praça Tiradentes. Depois, compôs a polca Cruz, perigo. Em 1880, aos 17 anos de idade, fez sua primeira provável apresentação pública, no Club Mozart. Aos 20 anos, já tinha oito composições editadas. O primeiro sucesso aconteceu com a polc aNão caio noutra, interpretada aqui pela pianista Sara Cohen, apresentada no início. Diferentemente de outros compositores, Ernesto não apenas criava tangos, schottisches e tangos apenas. Como escreveu Jairo Severiano em Uma história da música popular brasileira, Ernesto “captou o esquema rítmico-melódico criado pelos chorões e levou para o piano, estilizando-o de forma magistral, enriquecendo com lindas melodias”.
Em 1885, o governo monarquista ainda estava no poder e assim Ernesto se apresentou em vários clubes da corte. Em 1893, a Casa Vieira Machado lançou uma nova composição sua, o tango Brejeiro, com o qual alcançou sucesso nacional e até mesmo internacional, sendo publicada em Paris e nosEstados Unidos em 1914.
Vamos ouvir um trecho com o conjunto Época de Ouro?
Ernesto Nazareth casou-se aos 25 anos com Theodora Amália e com ela teve quatro filhos. Depois de editar o tango Turuna, finalmente consegue gravarEstá Chumbado, pela Banda de Bombeiros do Rio de Janeiro. Aliás, é bom lembrar que essa Banda gravou muitas músicas maravilhosas pela Casa Edison, no fim do século XIX e começo do século XX. A memória dessa parte da música está hoje preservada no Instituto Moreira Salles.
O primeiro concerto como pianista realizou-se em1898. No ano seguinte, foi feita a edição do tangoTuruna. Em 1904, sua composição Brejeiro ganhou a interpretação do cantor Mário Pinheiro com o título deO sertanejo enamorado. Vamos ouvir? Atenção para a maneira como eram feitas as gravações da Casa Edison.
Em 1908, Ernesto passa a trabalhar como pianista na Casa Mozart e, depois, como demonstrador da Casa Carlos Gomes à Rua Gonçalves Dias. A sua função era vender partituras de música, algo muito comum na época em que todas as moças aprendiam piano e compravam partituras.
Para fazer um bom casamento, essa era a qualidade fundamental para impressionar a família da noiva!
Ernesto fez vários recitais, inclusive no Instituto Nacional de Música. Antes de 1923, ainda não havia rádios. Para sobreviver, passou a tocar em salas de espera dos cinemas na recém-inaugurada Cinelândia. Muitos admiradores, inclusive pessoas muito famosas e visitantes estrangeiros, pagavam o ingresso do Cinema Odeon não para ver os filmes mudos, mas para ouvir Ernesto Nazareth tocar. Não é à toa que ele compôs a linda Odeon. Vamos ouvir com a execução de Maria Teresa Madeira.
O compositor Heitor Villa-Lobos dedicou a Ernesto Nazareth a peça Choro nº 1, para violão. Para Villa-Lobos, Ernesto foi “a verdadeira encarnação da alma musical brasileira”. O compositor francês Darius Milhaud concordou: só através da obra de Nazareth, ele entendeu a alma brasileira.
Para viver, Ernesto passou trabalhar no serviço público. Ele se tornou escriturário interino do Tesouro Nacional. Depois, tentou fazer um concurso público, mas sentiu que não era bom em inglês. Preferiu se dedicar à música. A pianista Eudóxia de Barros disse, certa vez, que o músico foi para o Brasil o que Strauss representou para a Áustria. Segundo Luiz Antônio de Almeida, o piano bastava para Ernesto. Em suas palavras: “Ele tinha consciência de que agradando ao espírito mais sensível e ao intérprete mais exigente, sua música se tornaria imortal”.
Ernesto Nazareth sintetizou em poucas palavras o que lhe dava imenso prazer na vida: bastava que “uma pessoa a ouvir-me com reverência e um pianista ‘desconcertado’ ao tentar transpor alguma dificuldade encontrada em minha música!”
O compositor criou muitos outros tangos maravilhosos, mas, é uma pena, mas não vai dar para citar todos eles. Mas vamos sintetizar: Sarambeque, Menino de ouro e a valsa Henriette.
A inauguração da Rádio Sociedade, em 1923, e que só existia através da colaboração dos sócios, assim como outras rádios, como Rádio Club, mantiveram a programação com música clássica e programas culturais. Já em 1932, com a permissão dos anúncios, as estações entraram em um momento de popularização. Os sambas aos poucos vão substituindo a música clássica.
Mas vamos voltar ainda para os anos 20. Em 26, Nazareth, aos 63 anos, fez a primeira excursão para São Paulo. A viagem que iria durar três meses se prolongou para quase um ano. Além da Capital, o pianista fez recitais em Campinas, Tatuí e Sorocaba. Foi homenageado pela Cultura Artística de São Paulo e tocou no Conservatório Dramático e Musical de Campinas. No Teatro Municipal de São Paulo, foi precedido por uma conferência do escritor emusicólogo Mário de Andrade.
O grande Mário de Andrade disse sobre Ernesto Nazareth fazia uma obra magistral, com “invenção melódica, a qualidade expressiva, estão dignificadas por uma perfeição de forma e equilíbrio surpreendentes”.
Luiz Antônio de Almeida tentou explicar como a música de Nazareth foi saindo de cena apesar do sucesso. Deu-se com ele o mesmo que ocorreu com Chiquinha Gonzaga, Zequinha de Abreu, Eduardo Souto e muitos outros. O pagamento dos direitos autorais sempre foi precário no Brasil. Depois, com a entrada de fonógrafos, vitrolas, rádios e rádios-vitrolas, o piano foi sendo substituído. Os filhos tiveram que ajudá-lo.
Desde 1920, Ernesto já estava sofrendo de surdez, resultado de uma queda que teve na infância. Em 1917, foi morar em uma casa em Ipanema, na época, um lugar inóspito. Uma das filhas, Maria de Lourdes, tinha problema pulmonar e os ares marinhos podiam ajudar, aconselharam os médicos. Ernesto começou a sofrer de perturbações psíquicas, talvez pelo trauma com a morte da filha. Continuou compondo mesmo assim, sendo que a última composição, a valsa Resignação, foi escrita em 1930. Passou a tocar diariamente na Casa Carlos Gomes, editora musical e vendedora de instrumentos. Das 12h às 18h, Ernesto se apresentava para quem quisesse ouvi-lo.
Dois anos mais tarde, foi diagnosticado como portador de sífilis e, em 1933, foi internado na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá. Um ano mais tarde, ele fugiu do manicômio e, dois dias depois, foi encontrado morto no dia 1 de fevereiro de 1934, perto de uma cachoeira. Era o patrono da cadeira de número 28 da Academia Brasileira de Música.
Ernesto deixou 211 peças completas para piano.
Além daquelas que citamos aqui, as mais conhecidas são Ameno Resedá, Confidências, Coração que sente, Expansiva, Turbilhão de beijo. Fon-fon, Escorregando, Brejeiro, Bambino. Vamos terminar com Apanhei-te cavaquinho, executada pelo próprio Ernesto Nazareth em 1930, gravada pela gravadora pela Odeon.
Apanhei-te cavaquinho
Obrigado, um lindo texto!!! Para os primeiros contatos com o Nazareth são ótimas as indicações de alguém que conheça a obra e sabe apontar as composições e relações, por exemplo, o Choro número um do Villa-Lobos, dedicado a ele! Vou ler com muita atenção e estudar!
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