Ivon Curi, o chansonier brasileiro |
Rose Esquenazi
Hoje vamos falar sobre Ivon Curi.
Parte integrante da geração pós-Época de Ouro, dos anos 30, Ivon marcou o rádio
por interpretar versões de músicas francesas, xotes, sambas-canções e
cançonetas humorísticas. Além disso, atuou em várias chanchadas brasileiras e
programas de humor na TV. Ouvimos, no começo do quadro, a música Delicadeza, gravada em 1956.
Ivon nasceu em Caxambu no dia 29
de março de 1929. A mãe de Ivon, Maria, morreu quando ele tinha 7
anos. Assim, ele foi criado pela irmã mais velha, Jenny Curi. Aos 11 anos, ele
venceu um concurso de calouros que teve como juiz o diretor da Rádio Mayrink
Veiga, César Ladeira, em Caxambu. O rapazinho tinha talento desde sempre. Para
viver, trabalhou no Laboratório Silva Araújo e também foi vendedor de passagens
da Companhia aérea Panair do Brasil.
Ivon vivia ligando para a casa de
Paulo Tapajós, grande produtor, apresentador e músico da Rádio Nacional. A
mulher dele, Norma, se lembrava muito bem quando Ivon, ainda jovem e não muito
conhecido, vivia telefonando para pedir uma oportunidade nos programas. E ele
ligava nos horários mais tardios da noite. Sua insistência para vencer foi
notável. Ainda bem que tinha muito talento. A primeira
gravação, O Adeus, de Dorival Caymmi,
não obteve sucesso comercial. Depois, tudo mudou.
Em 1947, aos 18 anos, tornou-se crooner principal da orquestra do
maestro Zaccarias, na prestigiada boate do Hotel Copacabana Palace. No Golden
Room, ele entrou no lugar dos cantores Carmélia Alves e Nilo Sérgio. Da boate
Meia-Noite, no mesmo hotel, era transmitido o Programa Ritmos da Panair, às 23h30, pela Rádio Nacional. Era o momento em
que as pessoas que não podiam bancar uma noite no Copa sonhavam com a maneira
de como os ricos viviam naquele ambiente de luxo. O astro do programa era Ivon.
Como sabia falar francês e gostava
muito do cantor Jean Sablon, Ivon Cury costumava cantar as mesmas músicas do
famoso artista. A sugestão de se tornar uma versão brasileira de Sablon foi do
amigo Caribé. Ele achou que as duas vozes eram muito parecidas. Segundo Rui Castro, em seu livro A noite do meu bem, se a pessoa em casa
não soubesse que era o Ivon, podia jurar que estava ouvindo o cantor francês
interpretando as canções que estavam na moda. Na Rádio Nacional,
existia uma variedade de músicas. Havia quem cantasse em inglês, italiano e
espanhol. Cauby preferia o francês. Gravou outros sucessos de Jean Sablon: as
canções La vie em rose, C’est si bon,
Pigalle e J’attendrais. Ouça a versão de Sous
le Ciel de Paris, que
virou Sob o Céu de Paris.
Também
em 1947, Ivon Curi assinou o primeiro contrato com a Rádio Nacional. Como já
dissemos tantas vezes aqui, era o sonho de qualquer novato aparecer na mais
famosa estação da época. Ele costumava ser convidado para os programas de
Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Angela Maria e Marlene. Na mesma emissora,
estavam dois de seus 10 irmãos. Jorge Curi, que foi famoso locutor
esportivo, e Alberto
Curi, locutor
noticiarista.
Curiosamente, nos
anos 50, Ivon Curi deu uma grande guinada em sua carreira musical. Depois da
fase C’est si bon, ele começou a
gravar e a cantar sambas canções e depois ritmos nordestinas, como os xotes.
Música autenticamente brasileira, continha boas doses de humor. Ele seguia os passos de Luiz Gonzaga, o rei
desse gênero de música que conquistou o Brasil. Muitos intérpretes entraram
nessa mesma febre, como Emilinha e Dalva de Oliveira. Um dos maiores sucessos
de Ivon Curi foi Xote das meninas, de
Zé Dantas e Luiz Gonzaga. Depois, foi a vez da música Caxambu, de Zé Dantas e David Nasser. Assim, ele alternava, desde
1948, os vários gêneros musicais. Vamos ouvir Xote das meninas.
Ivon Curi foi eleito "O Rei do Rádio" e
teve cinco de seus discos entre os dez mais vendidos do país, entre eles, Me Leva (com Carmélia Alves), Farinhada, João Bobo, Feijão, Tá Fartando
Coisa em Mim, Amendoim Torradinho e Xote das Meninas, que acabamos de
ouvir.
Ainda nos anos 50, Ivon Curi passou a participar
dos filmes chamados de
chanchadas da Atlântida. Ele
era alto, tinha um porte bonito e uma voz clara e poderosa. No cinema, emendou
uma chanchada na outra. Dirigido por Watson Macedo, Ivon interpretou um papel
que deu muito o que falar. Era um personagem rico, cheio de trejeitos
afeminados na comédia Aviso aos
Navegantes,
em 1951. Ficava entre o bom mocinho e o irreverente.
As fãs que sonhavam em tê-lo como namorado, noivo,
marido, se
decepcionaram quando viram aquele rapaz tão frágil.
As mocinhas escreveram longas cartas dizendo que o sonho delas tinha terminado
de vez. “Sendo como você é”, disseram, “você não deveria ter aparecido no
cinema, acabaram-se os meus sonhos.” O público começou a fazer analogias,
achando-o muito delicado mesmo longe dos filmes. Até hoje, comenta-se se Ivon
era mesmo homossexual ou bissexual. Como se a orientação sexual fosse tão
importante. Ele foi casado
com Ivone e teve três filhos: Ivna, Ivana e Ivan.
Repararam que todos os nomes começam com Iv?
Ivon Curi trabalhou também nos filmes É Fogo na Roupa, ao lado de Ankito e Adelaide
Chiozzo, em 1952, Garotas e Sambas, Adorável Inimigo e Assim era a Atlântida em 1975. Ivon Curi falava fluentemente
francês, inglês e espanhol e conheceu o mundo. Em Portugal, fez tanto sucesso
que havia fila de cinco dias de antecedência. Foram 16 temporadas. Na época na
Bossa Nova, nos anos 60, Ivon Curi não soube encontrar um caminho pessoal. Por
isso, ficou nove anos sem conseguir gravar.
Abandonou de vez o lado romântico e sertanejo, e se
lançou no humor. Às vezes, em pequenas apresentações, cantava cançonetas
humorísticas, tornou-se um homem que contava piadas e era alegre. Tanto no
rádio como na TV, os tempos eram outros. Em 1960, gravou, ao lado de Elizeth Cardoso, um jingle para a campanha
vice-presidencial de João Goulart.
Membro do Clube da Chave, lugar exclusivo de
artistas, músicos e atores que também eram proprietários do estabelecimento em
Copa, o cantor de Caxambu dava suas canjas na boate. Ivon participou na Boate
Casablanca, na Praia Vermelha, do show O
samba nasce do coração. Ivon não se
considerava sambista. O jornalista Sérgio Porto, do jornal Diário Carioca, também achava que não, e dizia isso com todas as
letras.
Com o declínio de sua carreira, viu que precisava
se reinventar. Afinal, precisava trabalhar sustentar a família. Por isso, abriu
a boate e restaurante Sambão e Sinhá, em Copacabana. Passou a ser uma
referência na noite, tanto que presidentes da República, ministros e
embaixadores que costumavam frequentar a casa. Em 1971, fazia pequenos shows
para contar a sua vida. Fechou a Sambão e Sinhá em 1984. Ouça um sucesso
do repertório de Ivon, Procurando tu.
Na TV, Ivon criou o Gaudêncio, o
gaúcho da fronteira. Careca e com bigodão, era uma figura que acusava todo mundo de ser pouco macho na Escolinha do Professor Raimundo. O
bordão de Gaudêncio ficou muito popular: “era macho cho-cho” ou “macho e meio”.
Os outros colegas da turma eram todos maricóns. Ivon participou da novela Feijão Maravilha, em 1979, interpretando
o “seu” Rachid.
Na TV, trabalhou também, em 1966, no programa Adoráveis Trapalhões com Renato Aragão, Wanderley Cardoso e Ted Boy Marino.
Renato Aragão chegou a criar um bordão
inspirado no músico ator: “Pelas perucas do Ivon Cury", por ele usava
várias perucas estranhas.
Em 35 anos de carreira, Ivon lançou 27 discos, o
último em 1994, Em Douce France, ele
interpretava clássicos franceses. Ivon
Curi morreu aos 67 anos de idade no Rio de Janeiro devido à falência múltipla
dos órgãos, em 24 de junho de 1995.
Para a cantora Angela Maria, ele compôs Escuta. Ouça um
trecho dessa composição, com Angela Maria e Emílio
Santiago.
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