terça-feira, 5 de julho de 2016

Ivon Curi dos Xotes às músicas francesas


Ivon Curi, o chansonier brasileiro
 Rose Esquenazi


Hoje vamos falar sobre Ivon Curi. Parte integrante da geração pós-Época de Ouro, dos anos 30, Ivon marcou o rádio por interpretar versões de músicas francesas, xotes, sambas-canções e cançonetas humorísticas. Além disso, atuou em várias chanchadas brasileiras e programas de humor na TV. Ouvimos, no começo do quadro, a música Delicadeza, gravada em 1956.
Ivon nasceu em Caxambu no dia 29 de março de 1929. A mãe de Ivon, Maria, morreu quando ele tinha 7 anos. Assim, ele foi criado pela irmã mais velha, Jenny Curi. Aos 11 anos, ele venceu um concurso de calouros que teve como juiz o diretor da Rádio Mayrink Veiga, César Ladeira, em Caxambu. O rapazinho tinha talento desde sempre. Para viver, trabalhou no Laboratório Silva Araújo e também foi vendedor de passagens da Companhia aérea Panair do Brasil.
Ivon vivia ligando para a casa de Paulo Tapajós, grande produtor, apresentador e músico da Rádio Nacional. A mulher dele, Norma, se lembrava muito bem quando Ivon, ainda jovem e não muito conhecido, vivia telefonando para pedir uma oportunidade nos programas. E ele ligava nos horários mais tardios da noite. Sua insistência para vencer foi notável. Ainda bem que tinha muito talento. A primeira gravação, O Adeus, de Dorival Caymmi, não obteve sucesso comercial. Depois, tudo mudou.
Em 1947, aos 18 anos, tornou-se crooner principal da orquestra do maestro Zaccarias, na prestigiada boate do Hotel Copacabana Palace. No Golden Room, ele entrou no lugar dos cantores Carmélia Alves e Nilo Sérgio. Da boate Meia-Noite, no mesmo hotel, era transmitido o Programa Ritmos da Panair, às 23h30, pela Rádio Nacional. Era o momento em que as pessoas que não podiam bancar uma noite no Copa sonhavam com a maneira de como os ricos viviam naquele ambiente de luxo. O astro do programa era Ivon.
Como sabia falar francês e gostava muito do cantor Jean Sablon, Ivon Cury costumava cantar as mesmas músicas do famoso artista. A sugestão de se tornar uma versão brasileira de Sablon foi do amigo Caribé. Ele achou que as duas vozes eram muito parecidas.  Segundo Rui Castro, em seu livro A noite do meu bem, se a pessoa em casa não soubesse que era o Ivon, podia jurar que estava ouvindo o cantor francês interpretando as canções que estavam na moda. Na Rádio Nacional, existia uma variedade de músicas. Havia quem cantasse em inglês, italiano e espanhol. Cauby preferia o francês. Gravou outros sucessos de Jean Sablon: as canções La vie em rose, C’est si bon, Pigalle e J’attendrais. Ouça a versão de Sous le Ciel de Paris, que virou Sob o Céu de Paris.
Também em 1947, Ivon Curi assinou o primeiro contrato com a Rádio Nacional. Como já dissemos tantas vezes aqui, era o sonho de qualquer novato aparecer na mais famosa estação da época. Ele costumava ser convidado para os programas de Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Angela Maria e Marlene. Na mesma emissora, estavam dois de seus 10 irmãos. Jorge Curi, que foi famoso locutor esportivo, e Alberto Curi, locutor noticiarista.
Curiosamente, nos anos 50, Ivon Curi deu uma grande guinada em sua carreira musical. Depois da fase C’est si bon, ele começou a gravar e a cantar sambas canções e depois ritmos nordestinas, como os xotes. Música autenticamente brasileira, continha boas doses de humor.  Ele seguia os passos de Luiz Gonzaga, o rei desse gênero de música que conquistou o Brasil. Muitos intérpretes entraram nessa mesma febre, como Emilinha e Dalva de Oliveira. Um dos maiores sucessos de Ivon Curi foi Xote das meninas, de Zé Dantas e Luiz Gonzaga. Depois, foi a vez da música Caxambu, de Zé Dantas e David Nasser. Assim, ele alternava, desde 1948, os vários gêneros musicais. Vamos ouvir Xote das meninas.
Ivon Curi foi eleito "O Rei do Rádio" e teve cinco de seus discos entre os dez mais vendidos do país, entre eles, Me Leva (com Carmélia Alves), Farinhada, João Bobo, Feijão, Tá Fartando Coisa em Mim, Amendoim Torradinho e Xote das Meninas, que acabamos de ouvir.
Ainda nos anos 50, Ivon Curi passou a participar dos filmes chamados de
chanchadas da Atlântida. Ele era alto, tinha um porte bonito e uma voz clara e poderosa. No cinema, emendou uma chanchada na outra. Dirigido por Watson Macedo, Ivon interpretou um papel que deu muito o que falar. Era um personagem rico, cheio de trejeitos afeminados na comédia Aviso aos
Navegantes, em 1951. Ficava entre o bom mocinho e o irreverente.
As fãs que sonhavam em tê-lo como namorado, noivo, marido, se
decepcionaram quando viram aquele rapaz tão frágil. As mocinhas escreveram longas cartas dizendo que o sonho delas tinha terminado de vez. “Sendo como você é”, disseram, “você não deveria ter aparecido no cinema, acabaram-se os meus sonhos.” O público começou a fazer analogias, achando-o muito delicado mesmo longe dos filmes. Até hoje, comenta-se se Ivon era mesmo homossexual ou bissexual. Como se a orientação sexual fosse tão importante. Ele foi casado
com Ivone e teve três filhos: Ivna, Ivana e Ivan. Repararam que todos os nomes começam com Iv?
Ivon Curi trabalhou também nos filmes É Fogo na Roupa, ao lado de Ankito e Adelaide Chiozzo, em 1952, Garotas e Sambas, Adorável Inimigo e Assim era a Atlântida em 1975. Ivon Curi falava fluentemente francês, inglês e espanhol e conheceu o mundo. Em Portugal, fez tanto sucesso que havia fila de cinco dias de antecedência. Foram 16 temporadas. Na época na Bossa Nova, nos anos 60, Ivon Curi não soube encontrar um caminho pessoal. Por isso, ficou nove anos sem conseguir gravar.
Abandonou de vez o lado romântico e sertanejo, e se lançou no humor. Às vezes, em pequenas apresentações, cantava cançonetas humorísticas, tornou-se um homem que contava piadas e era alegre. Tanto no rádio como na TV, os tempos eram outros. Em 1960, gravou, ao lado de Elizeth Cardoso, um jingle para a campanha vice-presidencial de João Goulart.
Membro do Clube da Chave, lugar exclusivo de artistas, músicos e atores que também eram proprietários do estabelecimento em Copa, o cantor de Caxambu dava suas canjas na boate. Ivon participou na Boate Casablanca, na Praia Vermelha, do show O samba nasce do coração.  Ivon não se considerava sambista. O jornalista Sérgio Porto, do jornal Diário Carioca, também achava que não, e dizia isso com todas as letras.
Com o declínio de sua carreira, viu que precisava se reinventar. Afinal, precisava trabalhar sustentar a família. Por isso, abriu a boate e restaurante Sambão e Sinhá, em Copacabana. Passou a ser uma referência na noite, tanto que presidentes da República, ministros e embaixadores que costumavam frequentar a casa. Em 1971, fazia pequenos shows para contar a sua vida. Fechou a Sambão e Sinhá em 1984. Ouça um sucesso do repertório de Ivon, Procurando tu. 
Na TV, Ivon criou o Gaudêncio, o gaúcho da fronteira. Careca e com bigodão, era uma figura que acusava todo  mundo de ser pouco macho na Escolinha do Professor Raimundo. O bordão de Gaudêncio ficou muito popular: “era macho cho-cho” ou “macho e meio”. Os outros colegas da turma eram todos  maricóns. Ivon participou da novela Feijão Maravilha, em 1979, interpretando o “seu” Rachid.
 
Na TV, trabalhou também, em 1966, no programa Adoráveis Trapalhões  com Renato AragãoWanderley Cardoso e Ted Boy Marino. Renato Aragão chegou a criar um bordão inspirado no músico ator: “Pelas perucas do Ivon Cury", por ele usava várias perucas estranhas.
 
Em 35 anos de carreira, Ivon lançou 27 discos, o último em 1994, Em Douce France, ele interpretava clássicos franceses.  Ivon Curi morreu aos 67 anos de idade no Rio de Janeiro devido à falência múltipla dos órgãos, em 24 de junho de 1995.
Para a cantora Angela Maria, ele compôs Escuta. Ouça um
trecho dessa composição, com Angela Maria e Emílio Santiago.



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