Rose Esquenazi
Hoje vamos
falar do cantor Jorge Goulart e da crise política na Rádio Nacional assim que
foi decretado o Golpe Militar em 1964. Jorge Neves Bastos nasceu no dia 17 de
março de 1926, no Rio de Janeiro. Desde criança, se interessava pela música e
gostava de cantar nas serestas que havia no bairro do Méier. Seu pai era o jornalista
Iberê Bastos e, a mãe, Arlete Neves Bastos. Jorge foi
o primogênito dos quatro filhos do casal e, desde os 11 anos, estudou no
Colégio Pedro II. Como todos os jovens
da época, era apaixonado pelos cantores famosos da música.
Eram donos de grandes vozes Francisco Alves, Vicente Celestino, Orlando Silva e, o seu preferido, Carlos Galhardo. Jorge Goulart também tinha uma forte e poderosa voz. O rádio atraía a todos e, muito jovem, aos 17 anos, conheceu compositores que iriam influenciá-lo a escolher os ritmos da música popular brasileira. Benedito Lacerda, Custódio Mesquita e Orestes Barbosa foram apresentados a ele por seu pai, no famoso Café Nice, na Avenida Rio Branco.
Jorge se
casou muito cedo, só tinha 18 anos, na década de 40. Teve dois filhos, Vera
Lúcia e Hélio. Quando a filha Vera Lúcia teve filho, aos 18 anos, Jorge se
tornou avô, aos 36 anos. Vocês imaginam isso?
No tempo
do samba-canção, Jorge Goulart foi contratado pelo Golden Room do Copacabana
Palace, boate dos bacanas endinheirados. Ele podia não ser do primeiríssimo
time, mas atraiu a audiência com seu vozeirão perfeito. Seu primeiro sucesso foi Xangô, de Ary Barroso
e Fernando Lobo.
Ao entrar
na Rádio Nacional, passou a conhecer o gosto do sucesso. Separado da primeira mulher, namorou Dalva de
Oliveira, Emilinha Borba, Linda Baptista e todas as vedetes do Golden Room do
Copacabana Palace.
Jorge divulgou músicas de alguns dos principais sambistas
brasileiros e foi puxador das escolas de samba Império Serrano, Imperatriz Leopoldinense e Unidos de Vila Isabel. Foi também o primeiro intérprete da música A Voz do Morro, de
autoria de Zé Kéti, que ouvimos no início de 'O rádio faz história'. Lançou seu primeiro LP em 1945 e,
em 1952, e assim o cantor ganhou o título de “Rei do rádio”.
Nesse
mesmo ano de 1952, iniciou relacionamento com a cantora Nora Ney,
recém-separada depois de um casamento tempestuoso. Passaram a viver juntos sem
se casarem porque, na época, não havia divórcio no Brasil. E, em 1982, depois
de mais de 30 anos de união, se casaram oficialmente. Juntos, tiveram uma
filha.
Nora
nasceu em Olaria, e se mostrou musical muito cedo. Passou a estudar música e, lógico,
começou a frequentar o auditório da Nacional. Fez sucesso como cantora e feliz
no casamento. Nora Ney costumava dizer que “Jorge Goulart era o grande amigo
nos dias difíceis e o companheiro fiel dos dias de glória". Interpretaram
alguns sucessos juntos, como Quando eu me
chamar saudade, de Nelson Cavaquinho e Guilherme Brito.
A música Balzaqueana, de Haroldo Lobo e David
Nasser, fez muito sucesso na interpretação de Jorge Goulart. Naquele tempo,
muitos compositores moravam em Paquetá, ainda uma ilha com praias muito limpas.
O bairro – porque Paquetá é um bairro carioca – continua lá. Mas a água, infelizmente,
é bem suja! A música de Braguinha e
Alberto Ribeiro, Fim de semana em
Paquetá, ilustra bem o personagem.
Jorge
Goulart entrou para o Partido Comunista, que era clandestino, mas que
funcionava com certa liberdade no governo Kubistcheck. Nora também tinha ideias
socializantes e, em 1958, os dois organizaram uma excursão de artistas na União
Soviética. Na trupe estavam Dolores Duran, Maria Helena Raposo, o Conjunto
Farroupilha e um grupo dirigido por Paulo Moura. Dolores Duran e Paulo Moura
não gostaram do clima de controle na URSS e desistiram de cumprir toda a agenda
de shows. Jorge Goulart acusou a cantora de falta de profissionalismo.
No Programa César de Alencar, o mais famoso
do país, Jorge Goulart ganhou o apelido "Gogó de ouro" ou "Boca
de caçapa". Já os amigos o chamavam de "Bochecha de alumínio".
Jorge fez sucesso com as marchinhas de Carnaval, como Cabeleira do Zezé, de João Roberto Kelly.
Até que,
em 1964, foi decretada a ditadura militar. Todos sabiam que Goulart, Nora e
outros profissionais da Nacional eram de esquerda e muitos filiados ao Partido
Comunista. O então
deputado federal Rubens Paiva e outros radialistas defenderam a democracia no
microfone da Nacional. No discurso,
Rubens Paiva, depois morto pelos militares, convocou estudantes e trabalhadores
para que se mobilizassem pacificamente contra o movimento golpista. Os fuzileiros navais e os coronéis
do Exército invadiram a RN e instauraram o Inquérito Policial Militar. Saiu uma
lista com 36 pessoas que perderam seus empregos por serem consideradas de
esquerda. Entre elas,
estavam Dias Gomes, Gerdal dos Santos, Gracindo Junior e Jorge Goulart.
Houve uma
grande polêmica na época dizendo que foi César de Alencar quem fez a lista. O
apresentador ganhou a fama de dedo-duro e, depois disso, a decadência do grande
animador foi absoluta. Teve gente que o defendeu, mas foi mais forte a corrente
que o atacou. O fato é que muitos profissionais perderam o emprego e ficaram
sem perspectiva de trabalho. Quem iria dar emprego a um comunista? Todo o mundo
morria de medo da ditadura. Anos mais tarde, Jorge Goulart deu seu depoimento
sobre o assunto. Ele disse o seguinte: “Artisticamente, César de Alencar foi
fantástico; politicamente, um zero, um grande zero. Não sabia e não entendia
nada de política. A lista com os nossos nomes não partiu dele, que era
ignorante no assunto. Pode-se discutir o seu modo pessoal de agir, mas aí é
outra história”.
Goulart, que fumava muito, teve um câncer no esôfago. Em
1983, foi operado e perdeu as cordas vocais e teve que aprender a falar através
do esôfago. Pode-se imaginar a tristeza desse artista. Morreu aos 86
anos vítima de uma parada cardiorrespiratória, em 17 de março de 2012.
Outro grande sucesso de Jorge Goulart:
Sereia de Copacabana, no filme Aviso aos navegantes, de 1950. Os
ouvintes podem ir ao YouTube e ver imagens incríveis da falsa Copacabana do
filme e o elegante Goulart de terno e gravata passeando na orla da Princesinha
do Mar.
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