segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Nelson Tolipan e o jazz


      


Rose Esquenazi

É com tristeza que soube da morte de Nelson Tolipan, no dia 28/1/2018, aos 81 anos. Essa crônica foi escrita um ano antes.

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     Hoje vamos falar de jazz no rádio brasileiro e isso não é possível sem citar o professor Nelson Tolipan, o mais importante radialista dedicado de corpo e alma a essa manifestação artística e musical. É muito bom saber que Nelson, mesmo depois 68 anos de rádio e 36 de Rádio MEC, continua à frente do programa Momento de Jazz. É transmitido às segundas, quartas e sextas, às dez da noite, na MEC
AM. O programa também vai ao ar nas segundas, quartas e sextas, só que às  onze da noite, na Rádio MEC FM, que veicula uma edição especial nos sábados, às dez da noite.
  O professor transmite toda a sua vasta cultura, erudição e paixão por todos os  subgêneros de jazz e seus standards. Adorei conversar com Nelson, que continua animado e cheio de energia. Completou 80 anos com “muito orgulho”, segundo ele.
Nelson faz três programas originais por semana, de 55 minutos cada. Uma trabalheira da qual não abre mão.

     Existe um áudio no Youtube, trecho do documentário de Alexandre Gwaz sobre a vida profissional de Nelson Tolipan. Em sistema de crowdfunding, a produção ainda não conseguiu a verba total para lançar o filme. Quem se habilita, vamos ajudar, gente! Vale a pena.
     Durante mais de três décadas, Nelson Tolipan foi professor e diretor de inglês no curso IBEU e querido professor no Colégio Bennet, no Rio. Nascido no Rio de Janeiro, tinha 5 anos quando morava na Rua Luiz de Camões, no Centro. Já gostava de ouvir o som do rádio que vinha da casa do vizinho. Naquele tempo havia, às 6 horas, o Boa Noite para Você, com um tom majestoso, típico da época. Na voz de Carlos Frias, a crônica tinha como fundo musical a Moonlight Serenade, com Glenn Miller. Nelson ficava encantado com aquilo.
     Com apoio do pai, o futuro pesquisador de jazz comprava discos que, muitas vezes, se quebravam no caminho para a casa.  Isso o deixava muito triste, já que amava a música. Começou a fazer rádio em 1948, no programa Clube Juvenil Toddy, da Rádio Mayrink Veiga. Ali era sonoplasta, contrarregra, radioator. Foi aprendendo a ser multifuncional. Na entrevista que deu a Renato Rocha, na Sociedade dos Amigos Ouvintes da Rádio MEC, Nelson contou que aprendeu fazendo tudo convivendo com talentos do rádio, como Edu da Gaita, Dorival Caymmi, Haroldo Barbosa, por exemplo. Nas palavras dele: “Essa gente toda eu via em ação, quer dizer, tive o aprendizado prático ao microfone e o convívio com esses grandes, ainda quando garoto".
     Depois da Mayrink Veiga, Nelson Tolipan foi trabalhar na Rádio Nacional, na época dos famosos talentos da família Faissal. Os maestros Lyrio Panicali e Radamés Gnattali também imprimiram qualidade à programação. Um dos ensaiadores da Nacional, segundo Nelson Tolipan, era Rodolfo Mayer, no fim dos anos 40. “Ser ensaiado por Rodolfo Mayer”, disse, “era qualquer coisa de tremer. Veio então a prática do rádio, que se somou à carreira paralela do magistério”. Segundo o radialista, há uma afinidade do magistério com a rádio, “uma coisa auxiliou a outra, durante anos”.
     Nelson se sente em casa na Rádio MEC, onde trabalha desde 1985. Tem seu público fiel, pode dar asas à sua imaginação espalhar seu conhecimento. Muitas vezes na rua ou em um restaurante, as pessoas reconhecem a sua voz.  Isso é uma glória para ele. Um dos ídolos de Nelson Tolipan, meu e de muita gente é Louis Armstrong cantando What a wonderful world.

     Antes de Momento de Jazz, existia na MEC o programa 'A Música Norte Americana' e outro chamado apenas 'Jazz'. Irradiado duas vezes por semana,  A Música Norte Americana tinha como prefixo Rapsody in Blue.  Outro programa que falava de jazz era As Big Bands, com o prefixo de Verny Alexander, tocando a música característica das grandes bandas de jazz. O pioneiro produtor a fazer programas de jazz na rádio foi Paulo Santos, na década de 50. Esse programa junto com o Ópera Completa e o Música e Músicos do Brasil foram os programas mais longevos da rádio.

     O jazz nasceu das work  songs, músicas de trabalho dos negros americanos no século 19. Eram claramente influenciadas pelos ritmos africanos. Aos poucos, foram sendo incorporados novos instrumentos e, antes mesmo de o ritmo ser gravado, o jazz acompanhava festas de casamentos, enterros, piqueniques e viagens de barco pelo Mississipi. Para quem quiser se aprofundar no gênero, procure o livro Jazz Panorama, de Jorge Guinle, escrito em 1953 (Agir) e reeditado em 2002 (José Olympio). Foi o primeiro a sair no Brasil sobre o tema. Jorginho, um doce de pessoa, a quem conheci pessoalmente, era apaixonado por jazz. Tinha 30 mil discos de discos e havia escutado pessoalmente 300 grandes músicos nos Estados Unidos e França.

     Três produtores se revezavam no horário de jazz da Rádio MEC: Maurício Quadrio, Paulo Santos e Nelson Tolipan. Todos tinham dias certos para ir ao ar. Com o tempo, os dois produtores saíram e Nelson assumiu o jazz duas vezes por semana. A direção pediu para fazer a série completa de segunda a sexta. Em 1986, houve, então, a fusão de Big Bands com Momento de Jazz.  Nelson Tolipan resumiu assim a equipe: a produção é dele, a apresentação e a pesquisa também. “Eu só não faço a parte do operador, mas porque, além de tudo isso,  tomo conta da discoteca também.”  Na sua casa, Nelson tem, ao todo, uma coleção de 10 mil discos, CDs e cassetes de jazz.  Costuma usar também a riqueza do acervo da MEC, é claro. Apesar da grande abertura, diz que não gosta de misturas como jazz samba ou jazz tango. Para ele, os temas variam, mas só existe um verdadeiro jazz e os de subgêneros tradicionais, como o cool jazz, o ragtime, o swing, o folk, bepbop, o swing, dixieland.

     Nelson Tolipan tanto pode apresentar um só artista no programa, falando de sua biografia e música. Ou falar de um só intérprete no Momento de Jazz, dedicando meia hora para cada um. Às vezes, faz um roteiro altamente variado, com um pouco de tudo. “Eu dou vários formatos, porque acho que a diversidade é importantíssima, em tudo. Apesar de eu ser professor, eu procuro evitar aquela ideia de uma aula, num sentido pejorativo de didatismo”. Nelson aproveita a oportunidade que essa rádio eminentemente cultural oferece, ao contrário das rádios comerciais, mais engessadas e restritas. “Eu costumo dizer que eu tenho um hobby profissionalizado.”

     Nelson conta que ao chegar à Rádio MEC, sentiu o espírito de muita união, diferente de uma rádio eminentemente comercial. Ele explicou o ambiente: “Havia essa ideia de simpatia de um para com o outro, a comunicação aqui dentro sempre foi muito boa. Evidentemente haverá senão ou outro, como em qualquer lugar”.
Para terminar, vamos ouvir um trecho do jazz  Take the A Train, de Billy Strayhorn, abertura da orquestra de Duke Ellington, com Duke ao piano. Boa semana.



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