Rose Esquenazi
É com tristeza que soube da morte de Nelson Tolipan, no dia 28/1/2018, aos 81 anos. Essa crônica foi escrita um ano antes.
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Hoje vamos falar de jazz no rádio brasileiro e isso
não é possível sem citar o professor Nelson Tolipan, o mais importante radialista
dedicado de corpo e alma a essa manifestação artística e musical. É muito bom
saber que Nelson, mesmo depois 68 anos de rádio e 36 de Rádio MEC, continua à
frente do programa Momento de Jazz. É
transmitido às segundas, quartas e sextas, às dez da noite, na MEC
AM. O programa também vai ao ar nas segundas,
quartas e sextas, só que às onze da
noite, na Rádio MEC FM, que veicula uma edição especial nos sábados, às dez da
noite.
O professor transmite toda a sua vasta cultura,
erudição e paixão por todos os subgêneros
de jazz e seus standards. Adorei conversar com Nelson, que continua animado e
cheio de energia. Completou 80 anos com “muito orgulho”, segundo ele.
Nelson faz três programas originais por semana, de
55 minutos cada. Uma trabalheira da qual não abre mão.
Existe um áudio no Youtube, trecho do
documentário de Alexandre Gwaz sobre a vida profissional de Nelson Tolipan. Em
sistema de crowdfunding, a produção
ainda não conseguiu a verba total para lançar o filme. Quem se habilita, vamos
ajudar, gente! Vale a pena.
Durante mais de três décadas, Nelson Tolipan foi
professor e diretor de inglês no curso IBEU e querido professor no Colégio
Bennet, no Rio. Nascido no Rio de Janeiro, tinha 5 anos quando morava na Rua
Luiz de Camões, no Centro. Já gostava de ouvir o som do rádio que vinha da casa
do vizinho. Naquele tempo havia, às 6 horas, o Boa Noite para Você, com um tom majestoso, típico da época. Na voz
de Carlos Frias, a crônica tinha como fundo musical a Moonlight Serenade, com Glenn Miller. Nelson ficava encantado com
aquilo.
Com apoio do pai, o futuro pesquisador de jazz
comprava discos que, muitas vezes, se quebravam no caminho para a casa. Isso o deixava muito triste, já que amava a
música. Começou a fazer rádio em 1948, no programa Clube Juvenil Toddy, da Rádio Mayrink Veiga. Ali era sonoplasta,
contrarregra, radioator. Foi aprendendo a ser multifuncional. Na entrevista que
deu a Renato Rocha, na Sociedade dos Amigos Ouvintes da Rádio MEC, Nelson
contou que aprendeu fazendo tudo convivendo com talentos do rádio, como Edu da
Gaita, Dorival Caymmi, Haroldo Barbosa, por exemplo. Nas palavras dele: “Essa
gente toda eu via em ação, quer dizer, tive o aprendizado prático ao microfone
e o convívio com esses grandes, ainda quando garoto".
Depois da Mayrink Veiga, Nelson Tolipan foi
trabalhar na Rádio Nacional, na época dos famosos talentos da família Faissal.
Os maestros Lyrio Panicali e Radamés Gnattali também imprimiram qualidade à
programação. Um dos ensaiadores da Nacional, segundo Nelson Tolipan, era
Rodolfo Mayer, no fim dos anos 40. “Ser ensaiado por Rodolfo Mayer”, disse, “era
qualquer coisa de tremer. Veio então a prática do rádio, que se somou à
carreira paralela do magistério”. Segundo o radialista, há uma afinidade do
magistério com a rádio, “uma coisa auxiliou a outra, durante anos”.
Nelson se sente em casa na Rádio MEC, onde trabalha
desde 1985. Tem seu público fiel, pode dar asas à sua imaginação espalhar seu
conhecimento. Muitas vezes na rua ou em um restaurante, as pessoas reconhecem a
sua voz. Isso é uma glória para ele. Um dos ídolos de Nelson Tolipan, meu e de muita gente é Louis Armstrong cantando What a wonderful world.
Antes de Momento
de Jazz, existia na MEC o programa 'A
Música Norte Americana' e outro chamado apenas 'Jazz'. Irradiado duas vezes por semana, A Música
Norte Americana tinha como prefixo Rapsody
in Blue. Outro programa que falava
de jazz era As Big Bands, com o
prefixo de Verny Alexander, tocando a música característica das grandes bandas
de jazz. O pioneiro produtor a fazer
programas de jazz na rádio foi Paulo Santos, na década de 50. Esse programa junto
com o Ópera Completa e o Música e Músicos do Brasil foram os
programas mais longevos da rádio.
O jazz nasceu das work songs,
músicas de trabalho dos negros americanos no século 19. Eram claramente
influenciadas pelos ritmos africanos. Aos poucos, foram sendo incorporados
novos instrumentos e, antes mesmo de o ritmo ser gravado, o jazz acompanhava
festas de casamentos, enterros, piqueniques e viagens de barco pelo Mississipi.
Para quem quiser se aprofundar no gênero, procure o livro Jazz Panorama, de Jorge Guinle, escrito em 1953 (Agir) e reeditado
em 2002 (José Olympio). Foi o primeiro a sair no Brasil sobre o tema. Jorginho,
um doce de pessoa, a quem conheci pessoalmente, era apaixonado por jazz. Tinha
30 mil discos de discos e havia escutado pessoalmente 300 grandes músicos nos
Estados Unidos e França.
Três produtores se revezavam no horário de jazz da
Rádio MEC: Maurício Quadrio, Paulo Santos e Nelson Tolipan. Todos tinham dias
certos para ir ao ar. Com o tempo, os dois produtores saíram e Nelson assumiu o
jazz duas vezes por semana. A direção pediu para fazer a série completa de
segunda a sexta. Em 1986, houve, então, a fusão de Big Bands com Momento de Jazz.
Nelson Tolipan resumiu assim a
equipe: a produção é dele, a apresentação e a pesquisa também. “Eu só não faço
a parte do operador, mas porque, além de tudo isso, tomo conta da discoteca também.” Na sua casa, Nelson tem, ao todo, uma coleção
de 10 mil discos, CDs e cassetes de jazz.
Costuma usar também a riqueza do acervo da MEC, é claro. Apesar da
grande abertura, diz que não gosta de misturas como jazz samba ou jazz tango.
Para ele, os temas variam, mas só existe um verdadeiro jazz e os de subgêneros tradicionais,
como o cool jazz, o ragtime, o swing, o folk, bepbop, o swing, dixieland.
Nelson Tolipan tanto pode apresentar um só artista
no programa, falando de sua biografia e música. Ou falar de um só intérprete no
Momento de Jazz,
dedicando meia hora para cada um. Às vezes, faz um roteiro altamente variado,
com um pouco de tudo. “Eu dou vários formatos, porque acho que a diversidade é
importantíssima, em tudo. Apesar de eu ser professor, eu procuro evitar aquela
ideia de uma aula, num sentido pejorativo de didatismo”. Nelson aproveita a
oportunidade que essa rádio eminentemente cultural oferece, ao contrário das
rádios comerciais, mais engessadas e restritas. “Eu costumo dizer que eu tenho um hobby profissionalizado.”
Nelson conta que ao chegar à Rádio MEC, sentiu o espírito
de muita união, diferente de uma rádio eminentemente comercial. Ele explicou o
ambiente: “Havia essa ideia de simpatia de um para com o outro, a comunicação
aqui dentro sempre foi muito boa. Evidentemente haverá senão ou outro, como em
qualquer lugar”.
Para
terminar, vamos ouvir um trecho do jazz Take the A Train, de Billy Strayhorn, abertura
da orquestra de Duke Ellington, com Duke ao piano. Boa semana.
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