Rose Esquenazi
Zezé Gonzaga, nome artístico de Maria José Gonzaga, nasceu em Manhuaçu, Minas Gerais, no dia 3 de setembro de 1926.
Zezé tinha uma linda voz. Não era tão popular quanto Marlene e Emilinha, mas se
tornou uma das maiores cantoras e atrizes brasileiras da Rádio Nacional. Participou
da dupla 'As Moreninhas do Ritmo' e do trio 'As Moreninhas', os dois grupos com Odaléia
Sodré. Ouvimos no início a interpretação
de Zezé para 'Ai, iô, iô' (Linda Flor),
de Henrique Vogeler e Luiz Peixoto. A música fez parte do filme Chico Fumaça, com arranjo de Radamés
Gnatalli.
Zezé contou um pouco de
sua vida no programa Ensaio,
da TV Cultura, com apresentação de Fernando Faro, que morreu esse ano. A
cantora disse que a família sempre foi muito musical. O pai, Sr. Rodolpho, era
luthier, consertava instrumentos de corda, como ninguém. A mãe, Oraide, era flautista. O ouvido de Zezé era ótimo e sua
voz de soprano ligeiro se tornou um exemplo de afinação. Já cantava em família
desde os 13 anos e foi preparada para estudar canto e ler partitura. Em troca
de pequenos serviços, o pai pôde pagar as aulas na cidade vizinha, Porto Novo. No
Brasil, tudo é difícil no campo artístico, no clássico, então, é bem mais
problemático.
Aos 16 anos de idade, Zezé veio passar as férias no Rio de Janeiro e
foi incentivada por um vizinho de Além Paraíba, segundo lugar de residência da
cantora. Ela deveria participar de um programa de calouros. E o mais difícil da
época era o de Ary Barroso, em 1942. Foi ao
programa com a mãe, que tocou flauta, e ela cantou. Zezé ganhou nota máxima no Calouros em desfile, na Rádio Tupi.
Voltou para Além
Paraíba onde sofreu preconceito na escola. Como uma jovem se atrevia a dar
canjas em um clube de jazz? Em 1945,
estava de volta ao Rio, onde participou do programa Pescando estrelas. Esse também era de calouros, na Rádio Clube do
Brasil, com Arnaldo Amaral. Zezé ganhava os concorrentes em todas competições.
Durante três meses, ficou cantando como caloura. Ganhou um contrato de três
anos até se transferir para a Rádio Jornal do Brasil, onde integrava o conjunto
do pianista Laerte.
Só um pouco mais de
história do rádio. Os programas de calouros começaram em São Paulo e logo se
multiplicaram no Rio de Janeiro. O Pescando
estrelas, da Rádio Clube, sucedeu o Papel
Carbono, de Renato Murce. A
característica dessas duas atrações era a seguinte: os apresentadores não
humilhavam os candidatos, como era frequente. O público costumava rir do
fracassado candidato que desafinava ou se esquecia da letra e dos autores da
música que iria cantar. Murce e Arnaldo Amaral respeitavam os novatos.
A título de
curiosidade, conviveram no dial daquela época outros programas de calouro que
eram a porta de entrada dos novatos em uma emissora: Aí vem o pato, na Rádio Nacional, Calouros do Ar, na Rádio Tupi e, mais tarde, Buzina do Chacrinha, na Rádio Clube de Niterói.
Em 1948, Zezé Fonseca foi
convidada pelo diretor Victor Costa e por Renato Tapajós a entrar para o elenco
da Rádio Nacional. Além de cantora solo, fez parte de muitos conjuntos vocais. Em 1951, pela gravadora Sinter, gravou o
samba-canção Foi você, de Paulo César e Ênio Santos. Com as Moreninhas, interpretouo baião 'É
sempre o papai', de Miguel Gustavo, gravada em 1953. A letra é curiosa:
Papai, papai, papai // Quem é que atura // A cara
feia da titia // Que vem cá pra casa // Pra ficar um dia // E a semana passa //
E a tia não vai / É o papai / É sempre o papai ///// Quem é que ganha // Palmadinha
de carinho // E agrado do filhinho // Que já tem um carro // Mas não tem
cigarro // E anda sem nenhum // E sempre quer algum // Quando de noite // É o
papai // Que é que luta // Trabalhando como um louco // E o dinheiro é sempre
pouco // Porque sempre tem modista // Tem jantares na cidade // Tem festa de
caridade // Onde a mamãe vai, ai, ai...É o papai.
Zezé chegou a ser a
cantora mais tocada da Nacional e uma das mais famosas locutoras e intérpretes
do rádio teatro. Ela gravou um disco em 1949, que levou o seu nome, na Gravadora
Columbia. Na Rádio Nacional, Zezé tinha um grande fã: nada menos do que grande maestro Radamés Gnatalli.
Constantemente, a
cantora era escalada para os shows noturnos da Nacional.
Radamés costumava fazer
os arranjos para as obras de Villa-Lobos. Como o mercado não
estava tão interessado nisso, Zezé baixava o tom de voz e cantava músicas
populares, incluindo samba-canção, baladas e boleros. Vamos ouvir Cansei de ilusões, de
Tito Madi.
Zezé Gonzaga gravou boleros e até
samba-jongo. Em 1959, lançou duas músicas da dupla Tom Jobim e Vinícius de
Moraes, o samba 'A felicidade' e o
fox 'Eu sei que vou te amar'. Em
1960, abriu uma agência de jingles, vinhetas e trilhas para o rádio e TV, ao
lado do maestro Cipó e Jorge Abicalil. Em
parceria com o radialista e professor Luiz Carlos Saroldi, Zezé compôs o tema
de abertura do Projeto Minerva.
Apesar de ser tão
querida, aos poucos, como aconteceu com muitos cantoras da Rádio Nacional, Zezé
achou difícil manter a carreira em um momento de grandes mudanças. O poder da televisão
crescia cada vez mais e tirava o público do mundo radiofônico. Não era mais
preciso imaginar o rosto do ídolo ou lutar por um ingresso no auditório da
Nacional. A partir dos 50, bastava ligar o botão da TV. Aos 45 anos de idade,
em 1971, Zezé ficou desencantada com o lado muito comercial da gravadora
Columbia (atual Sony Music). Decidiu parar, foi
para Curitiba, para trabalhar em uma creche.
Mas
Hermínio
Bello de Carvalho, compositor, agente
cultural e grande conhecedor de música brasileira – além de padrinho das
cantoras, como Elizeth Cardoso e Aracy de Almeida -, decidiu convidar Zezé para voltar a cantar.
Isso aconteceu em 1979. Era uma ótima oportunidade porque Zezé voltaria para o Rio de
Janeiro para
gravar um LP com repertório de primeira. Eram
ascanções do velho amigo Valzinho, acompanhadas pelo sexteto de Radamés. Chamava-se
Valzinho – Um doce veneno.
Escolhido como um dos melhores
discos de 1979, o disco divulgou as
composições do artista que morreu poucos meses depois. O fato maravilhoso era
que a voz de Zezé Gonzaga continuava afinada, mesmo depois de ficar tantos anos
sem gravar. E o público reconheceu isso. Não voltou mais para Curitiba e
aceitou os convites para shows e recitais.
Mais uma vez Hermínio decidiu
tomar a iniciativa de produzir o CD Clássicos, em que Zezé cantou com Jane Duboc. Curiosamente, o
primeiro CD solo só foi realizado em 2002. E o público aplaudiu a cantora do
rádio em várias apresentações
no Paço Imperial, no Rio de Janeiro.
Assim nasceu o CD 'Sou apenas uma senhora que ainda canta', um
convite da cantora Olivia Hime, dona da gravadora Biscoito Fino. Nos dois CDs,
foram registradas canções de várias épocas costuradas e assim conseguiu-se um repertório
magnífico. Vamos ouvir Zezé acompanhada de Maurício Carrilho, em Valsinha,
de Chico Buarque e Vinicius
de Moraes. Ela morreu em 24 de julho de 2008,
no Rio, aos 81 anos.
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