segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Nélson Rodrigues: a vida como ela é




Rose Esquenazi

     No último dia 23 de agosto, Nelson Rodrigues comemoraria 104 anos. A data foi lembrada pela Rádio Nacional de Brasília. Que bom. Todos nós devemos nos lembrar e conhecer a obra dessa figura ilustre, criativa e contraditória.
O que muita gente não sabe é que existiu um programa na Rádio MEC AM chamado 'Palavras ao ar', nos anos 90. Dramatizado pelo Núcleo Carioca de Teatro, sob a direção de Luiz Arthur Nunes, teve produção de Sérgio Góes de Paula. A apresentação ficava ao cargo de Moacir Chaves.
    
     A encenação de oito programas da série de 'A vida como ela é', baseados em crônicas de Nelson Rodrigues, reflete um excelente momento do rádio ao mostrar o talento do escritor. Ele era também jornalista, crítico de futebol e grande dramaturgo que modernizou a linguagem. Nelson criou o teatro brasileiro moderno.
Como já dissemos, Nelson Rodrigues nasceu no dia 23 de agosto de 1912, no Recife. Veio com a família para o Rio de Janeiro aos 5 anos.  A grande inspiração se deu na infância vivida na Zona Norte do Rio.  Na casa humilde na Rua Alegre, 135 (atual rua Almirante João Cândido Brasil), no bairro de Aldeia Campista, região do Maracanã, nasceram muitas de suas fantasias que iriam se transformar em crônicas e peças de teatro.

     Nelson percebia a moral da classe média  e suas contradições. Ao trabalhar muitos anos no jornal do pai, A manhã, Nelson lia e redigia as notícias policiais. Como era corriqueiro naquele tempo, acrescentava detalhes um tanto fantasiosos. Anos mais tarde, ele disse uma de suas famosas e polêmicas frases: “Hoje, a reportagem de polícia está mais árida do que uma paisagem lunar. O repórter mente pouco, mente cada vez menos”.
Marco Aurélio: tenho formação jornalística, não gosto de mentiras. Mas Nelson Rodrigues estava em outro patamar: para ele, a realidade e a fantasia se confundiam. Talvez porque tenha testemunhado muito jovem, em 1929, o assassinato do irmão Roberto, maravilhoso artista plástico. Tudo por conta de uma matéria que saiu na primeira página do jornal. O tom era de zombaria e envolvia uma mulher casada. O que poucos sabiam é que Sylvia Serafim também era amante de Mário, pai de Nelson. Ao chegar na redação com um revólver carregado, Sylvia procurou Mário. Como ele não estava, matou o filho Roberto. Foi um trauma para toda a vida de Nelson.
Nelson também escrevia críticas de futebol e de sua maior paixão: o Fluminense. Com uma imaginação espetacular e rica, inventava até personagens que ajudavam ou atrapalhavam os jogadores em um campo de futebol. Chamava-se “Sobrenatural de Almeida”.

     Na vida, teve outras tragédias, alguns amores e casamentos problemáticos. Tudo isso tornou o jornalista uma pessoa triste e indecifrável. Segundo escreveu Tristão de Atayde, na data da morte de Nelson, no dia 21 de dezembro de 1980, ele abandonou “o elitismo verbal e psicológico modernista, para entrar em cheio na massa das paixões mais populares. Daí a sua popularidade única e natural, que fez descer o modernismo às ruas e à lama”.
     Do jornal ao teatro, Nelson brilhou ao usar diálogos sem pompa e incorporou a linguagem popular às tramas suburbanas. Assim, ele rompia com a tradição. Até àquele momento, os atores recitavam as falas e os temas eram muito artificiais e distantes do cidadão comum. A primeira peça, A mulher sem pecado, em 1942, chamou atenção.
     Na peça seguinte, o autor ganhou renome nacional. Vestido de noiva, encenada por Ziembinski, com o grupo Os Comediantes, em 1943, tornou-se um marco histórico. Deu início ao moderno teatro brasileiro. Havia três planos na história: a memória, a alucinação e a realidade.  Nunca ninguém havia ousado tanto.
     Além das crônicas no jornal O Globo, Correio da Manhã e Última Hora, Nelson Rodrigues continuou a escrever peças que foram divididas em três partes: as psicológicas, as míticas e as tragédias cariocas. Muitos desses dramas chegaram ao cinema e conquistaram muito sucesso, como Engraçadinha e Dama do Lotação.

     Na crônica dramatizada e apresentada no programa Palavras ao ar, que foi transmitida na Rádio MEC, a história é 'Noiva para sempre'. Nela, o pai, Maciel, diz a sua mulher que Maurício frequenta a casa deles há seis meses e não se decidiu com que filha irá se casar: se Rosinha ou Helena. Preocupado, o pai decide pressionar o rapaz e dá um prazo para a decisão. Aí entra a dúvida e o gênio de Nelson Rodrigues. Maurício gosta igualmente das duas moças, como escolher apenas uma? 

     Ele também foi perseguido pela esquerda, os críticos, a censura e os católicos. A posição política de Nelson, de centro-direita, foi muito questionada e reprovada na época da ditadura militar. Mas hoje sabemos que nunca deixou de visitar em prisões militares seus amigos de esquerda presos – como Hélio Pellegrino, Ziraldo e o próprio filho, Nelson Rodrigues Filho.

     Certa vez, o amigo e grande poeta Manuel Bandeira perguntou a Nelson por que ele não escrevia sobre pessoas normais. Ao que ele respondeu: “Mas só escrevo sobre gente normal, como eu e você”.





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