Rose Esquenazi
Antes de estourar na TV como o maior
comunicador do país, Chacrinha, ou melhor, José Abelardo Barbosa de Medeiros, teve uma
importante presença nas rádios. Nascido em Surubim, Agreste
de Pernambuco, no dia 30 de setembro de 1917, mudou-se com a família para Caruaru. Aos
10 anos, foi para Campina Grande, Paraíba, e,
aos 17, decidiu estudar no Recife. Apesar
das várias crises financeiras na família, Abelardo teve uma infância e
juventude tranquila.
Para evitar passar um ano no quartel,
Abelardo falsificou o documento porque preferiu o Tiro de Guerra. Lá, ele
ficaria menos tempo. Passou a tocar guitarra quando entrou para a Faculdade de
Medicina, em 1936. Chegou a fazer uma palestra sobre os males do alcoolismo na
Rádio Clube Pernambuco, e tudo indica que essa experiência mexeu com ele. Dois
anos depois, formou um grupo musical, sendo baterista do Bando Acadêmico. Logo
depois, embarcou em um navio para ir para a Alemanha. Não era bom instrumentista,
mas foi aceito para tocar a bordo. Só que a Segunda guerra estourou e o navio
não pôde seguir viagem. Abelardo acabou ficando no Rio de Janeiro e, no cais do
Porto, viu um prédio impressionante: o Edifício
A Noite, onde ficava a Rádio Nacional.
Chacrinha veio com pouco dinheiro e, para
sobreviver, trabalhava na loja O Toalheiro, na Praça Quinze. Lá, ele
improvisava slogans engraçados. O locutor Enver Grego gostou do jeito do rapaz
e o convidou para trabalhar em um programa na Rádio Club de Niterói, das 9 horas
ao meio-dia. Ele topou, mas o salário era tão baixo que jamais conseguiria
sobreviver com aqueles trocados. Decidiu apelar para o conterrâneo Fernando
Lobo e foi assim que conseguiu outro emprego, como locutor na Rádio Tamoio, que
fazia parte da Taba de Assis Chateaubriand. Antes de 1944, a Tamoio se chamava
Rádio Educadora.
Na pequena Rádio Clube de Niterói, já em
horário noturno, Abelardo criou e fazia sozinho o programa O Rei Momo na Chacrinha. Isso porque havia ali perto uma pequena chácara. O lugar vendia
frangos, patos e outras aves, bichos que faziam a maior algazarra. Abelardo
tentou ser locutor na Rádio Ministério da Educação, a Rádio MEC. Mas ele havia
esquecido os documentos no Recife e não pôde ser contratado. Conseguiu o
primeiro emprego de verdade na Rádio Vera Cruz. Os 11 mil-réis davam apenas
para pagar um quartinho, depois de morar um tempo na Casa do Estudante, no
Flamengo. Tentava conseguir anúncios para as duas rádios.
Na Vera Cruz, era locutor e conseguiu um
programa onde fazia um pouco de tudo. Apelou para o antigo amigo do Recife
Nestor de Hollanda e conseguiu dele poemas românticos. Não imaginava que faria
sucesso no horário do meio-dia. Outro amigo, Fernando Lobo, conseguiu o emprego
de locutor na Rádio Tupi para Abelardo. A Tupi tinha um status muito melhor,
pertencia à taba de Assis Chateaubriand. O maior empresário das comunicações da
época era dono de vários jornais, revistas e centenas de estações de rádio no
Brasil.
Praticamente sozinho no estúdio da Rádio de
Niterói, Abelardo, já se transformando em Chacrinha, fazia mil ruídos, como
estivesse em um cassino de verdade. Segundo Lúcia Rito e Florinda Barbosa, no
livro Quem não se comunica se trumbica,
a programação das noites das rádios cariocas dos anos 40 se limitava a músicas lentas, tangos e valsas “entremeadas de
poesia, crônicas sentimentais e pregações religiosas de Alziro Zarur”. Eis que,
de repente, Abelardo escolheu um arranjo da ópera Aída, de Verdi, que “aparecia como estribilho entre as músicas e
dava a impressão de que a transmissão do baile de Carnaval que acontecia ali
era ao vivo”. Com a chegada da quaresma, o comunicador deu outro título à
atração: Cassino da Chacrinha.
No livro da jornalista Lúcia Rito e de Florinda
Barbosa, há um texto em que Chacrinha confessa que foi o primeiro disc-jóquei a
ser prostituído. No caso, no começo dos anos 40, ele ganhava uma grana por fora
para tocar as músicas editadas pela Editora Vitale. Assim, o Trio de Ouro,
Benedito Lacerda e outros músicos não paravam de tocar. Esse comportamento dos
disc-jóqueis chamado de jabá pode ser criticado porque prejudica outros
talentos que não têm espaço no rádio.
Antes de 1946, os cassinos eram grande fonte
de trabalho e dinheiro para os elencos dos rádios. Além das transmissões, as emissoras
organizavam excursões com cantores pelo interior do país e faturavam uma grana.
Com o jogo foi proibido no Brasil,
parecia que existia ainda um funcionando. Chacrinha batia em copos, jogava
fichas, fazia vozes. O programa ficou famoso sendo que o apresentador ganhou o
apelido de “o louco da madrugada”. Nas rodas do Café Nice e de outros bares da
cidade, a pergunta era essa: “Você já ouviu o louco varrido que tem lá na Rádio
de Niterói”. Por essa razão, quando apareceu pela primeira vez no Café Nice, no
Centro, Abelardo logo chamou atenção. Ele era o rapaz de Niterói, aquele da
Rádio Clube. O sucesso fez com que o Cassino da Chacrinha se transferisse para a
Rádio Tamoio, que ficava no segundo andar do prédio da avenida Venezuela, perto
do Porto.
Era comum turistas acreditarem piamente que
se tratava de um cassino de verdade. Um
casal argentino, vestido com trajes de noite, chegou ao estúdio apertado e
pobre, e pediu muitas desculpas. Disseram que o motorista tinha errado o
caminho. Teve até um jornalista, José Mello, do Jornal do Commercio, que escreveu que uma estação de radiotelefonia teve “o desplante de permitir
que um cidadão de duvidosa sanidade mental” transmitisse um programa de um
antro de perdição, um templo de vício, de um
cassino. Tratava-se, segundo ele, de um atentado “contra o bom senso, a
ética, a moral”.
Havia um anunciante que fazia propaganda da
água sanitária Clarinha no programa do Chacrinha. Quando o anunciante desistiu
do anúncio, os fãs do programa da Rádio Clube de Niterói já haviam se
acostumado com o bordão e, assim, Chacrinha passou a gritar “Terezinha”.
Existem outras duas versões: a de uma fã que ligava todos os dias para a
emissora e o nome dela era Terezinha. Será? Por fim, a irmã da cantora
Rosimere, uma linda garota propaganda, também se chamava Terezinha. O
apresentador gostava dela, pelo que tudo indica.
Chacrinha morava em um quartinho em um porão
na Rua Cândido Mendes, no bairro da Glória. Afinal, ele tinha chegado com
apenas 200 mil-réis no Rio. Em um determinado momento, Assis
Chateaubriand pediu uma programação mais popularesca.
Assim, foram contratados algumas estrelas, como Ademilde Fonseca e Claudete Soares, na Rádio
Tamoio. Abelardo trabalhava de meia noite às duas da manhã. O
programa já tinha certa audiência tanto que, em 1947, quando viu um incêndio
nos estúdios da emissora, decidiu fazer um apelo aos ouvintes para que
chamassem os bombeiros. O alerta foi dado e assim foram evitados grandes danos
ao equipamento e instalações da emissora.
Chacrinha mudava muito de estações de rádio,
comportamento que vai repetir quando estrear na TV nos anos 50. Trabalhava ao
mesmo tempo na Rádio Tamoio e na Rádio Mauá. Como o diretor Antonio Maria pediu
dedicação exclusiva, e Abelardo saiu da Tamoio. Com a saída de Antonio
Maria, Chacrinha voltou para a Tamoio e
ganhou dois programas: Vesperal das Moças,
aos sábados, tentando concorrer com a maior audiência da época, o Programa César de Alencar, e voltou com
seu Cassino da Chacrinha.
Walter Clark, criativo diretor da TV Rio e da
Rede Globo, contou em sua biografia, que aprendeu muita coisa na Rádio Tamoio,
em 1952. Ele era ajudante do jornalista
Luís Quirino e aprendeu com a convivência com Chacrinha. Saber como funcionavam
os bastidores de um programa de rádio foi fundamental para uma pessoa como ele
que trabalhava na área comercial.
No livro O
campeão de audiência, Walter Clark contou que, mesmo com certo sucesso,
“Chacrinha era um pária social na Tamoio e no rádio do Rio de Janeiro. Era uma
pessoa marginalizada”. Muitos anos mais tarde, já na TV Rio e depois na TV
Globo, Walter vai convidar Chacrinha para atrair o público nas tardes de
sábado. A TV não era mais um rádio com imagens porque Chacrinha soube
aproveitar o melhor que a TV possui, que é a imagem. Primeiramente em P&B e
depois em cores. É bom lembrar esse detalhe para o público jovem.
Mas vamos voltar ao Chacrinha no rádio. Pode
parecer fácil, mas é muito difícil criar bordões. Abelardo gostava das frases
populares e tiradas engraçadas. Por exemplo, ele dizia: “Eu vim pra confundir,
não pra explicar”. Era comum para ele percorrer as ruas e ouvir os bordões que os vendedores improvisavam na hora. Anotava as frases e testava no
programa. Se dessem certo, ele repetia. Se não agradassem, ele esquecia. Alô, alô, seu Amaral. Quem inventou a
higiene mental?”Alô, alô, dona Maria, panela no fogo, barriga vazia!”
Pode parecer que tenha sido um alienado, mas
ele trazia alegria para o público, muitos cantores proibidos pela censura ganharam
visibilidade participando de seu programa. Na TV, é bom que se diga, Chacrinha
herdou as atrações de calouros e alguns fantásticos cantores foram descobertos
no rádio. Chacrinha morreu no Rio de Janeiro, no dia o Cassino da Chacrinha no programa Por toda a minha vida, da TV Globo. Trata-se de uma recriação da
trajetória de Abelardo e está disponível no YouTube.
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