Rose Esquenazi
Ao pesquisar a história do rádio no
Brasil, podemos notar a grande variedade de gêneros que o meio divulgou por
suas “mágicas” ondas sonoras. Há muito tempo, venho querendo fazer um estudo
sobre o tango no rádio brasileiro. Não é fácil, por isso, recorri a muitos
livros, trabalhos acadêmicos e blogs de pessoas que gostam, como eu, de remexer
o passado. Acho curioso saber que hoje
existem jovens aprendendo tango. Novos filmes e livros continuam sendo
lançados, histórias são lembradas. O tango não morreu. Tanto a grande Rádio
Nacional irradiava tangos quanto as emissoras menores, como a Rádio Progresso de
São Paulo divulgavam sucessos que vinham da Argentina e do Uruguai.
No
Rio de Janeiro, programas de rádio eram transmitidos diretamente dos night clubs do Copacabana Palace. As
atrações misturavam momentos de glamour e qualidade musical para um público que
não podia pagar para frequentar a casa noturna. Vira daqui e dali, encontrei o
tango Carlos Gardel, de Herivelto Martins
e David Nasser, criado em 1954, e que ouvimos no início dessa participação. Na
linda voz de Nelson Gonçalves, está ali o cenário em que atuou o maior
intérprete de tango de todos os tempos, Carlos Gardel. O músico pode ter
nascido na França, Uruguai ou na Argentina. Até hoje há um grande debate sobre
seu lugar de origem. O que ninguém duvida é que ele emprestava a alma ao
interpretar essa música sensual que combinava com passos de um casal romântico dançando
em uma boate ou mesmo na sala estreita de uma casa no subúrbio. No fim do tango
Carlos Gardel, Nelson Gonçalves
recita uma poesia bem ao estilo da época, salpicada de tragédias feita de
bebida, amores clandestinos, bandolión, amor e pecado.
Carlos
Gardel//Se cantavas a tragédia das perdidas // Compreendendo suas vidas /// Perdoavas
seu papel // Por isso enquanto houver um tango triste // Um otário, um cabaré //
uma guitarra // Tu viverás também // Carlos Gardel.
Segundo Lúcia M. Zanetti de Araújo,
no blog We love the Beatles
forever, todas as estações de rádio de São Paulo tocavam tango em uma
determinada época dos anos 50. Pequenas orquestras tentavam imitar a qualidade
de Francisco Canaro, apelido de Francisco Canarozzo, conhecido por "Pirincho"
Canaro. O violinista uruguaio fazia
enorme sucesso com a sua orquestra de tango. Lúcia de Araújo lembra também que
um aficcionado pelo tango, o paulistano Jacob Rosemblat, era dono da maior discoteca de tango no
Brasil. Com esse interesse, foi o grande divulgador de Carlos Lombardi, cujo
nome de batismo era Cármino Lombardo. Carlos cantava de maneira idêntica a
Gardel. Era reconhecido como o melhor intérprete do astro. Os dois amigos percorriam
as emissoras de rádio para divulgar as gravações tangueiras. Além disso,
frequentavam a Churrascaria Rincón Argentino, no bairro Higienópolis, em São
Paulo. Carlos Lombardi se apresentava com o Trio Los Gaúchos nas salas de
espera dos cinemas no Brasil e chegou a viajar para a Argentina, o que não é
pouca coisa.
Dois
anos depois da gravação da música Carlos
Gardel, em 1952, Nelson Gonçalves gravou À meia luz, de Carlos Lenzi e Edgardo Donato, com versão brasileira
de Lourival Faissal. Trata-se de um
clássico que fala do amor à meia luz dos beijos, em um lugar secreto, perfeito
para amantes. Existe cena mais romântica do que essa?
Segundo
Ney Homero, autor do livro Tango – Uma
Paixão Porteña no Brasil, o tango pode ter surgido tanto no Uruguai, quanto
na Argentina e até no Brasil. Era uma mistura de valsa, polca, habanera com a
cultura africana. A jornalista Alícia Uchôa, do portal G1, acredita que os
precursores do tango foram Ernesto Nazaré e Chiquinha Gonzaga. Entre 1870 e
1895, ocorreu “a maior produção nacional”, sendo que só Nazaré tinha mais de 90
partituras de tango. Mas era um tango diferente.
Segundo
os estudiosos, o que atualmente caracteriza o tango é o bandoneón. O
instrumento chegou à região do Rio da Prata por volta do ano 1900, nas maletas
de imigrantes alemães. Não existem muitas partituras da época porque os músicos
de tango não sabiam escrever a música e provavelmente interpretavam sobre a
base de melodias já existentes, tanto de habaneras como de polcas.
A
Rádio Cruzeiro do Sul, fundada em 1927, em São Paulo, incluiu em sua
programação musical a partir de outubro daquele ano, os discos cedidos pela RCA
Victor. Era uma prática muito comum, uma espécie de marketing. Os ouvintes se
apaixonavam pela música e acabavam comprando a bolacha de 78 rotações no dia
seguinte. Ótima propaganda, não falhava nunca.
Além das músicas das jazz bands,
divulgavam-se música clássica e tangos. Na Rádio Nacional, além de Nelson Gonçalves, Dalva
de Oliveira, Angela Maria e Emilinha Borba também cantaram tangos. Lourival
Faissal fez muitas adaptações, como Mentindo e Desespero. Em 1957, Emilinha Borba gravou pela Continental o tango Desengano.
Publicado
em espanhol em 2015, o livro Nueva historia del tango. De los
orígenes al siglo XXI, de Héctor Benedetti, faz uma análise do
gênero musical. Grande conhecedor do gênero, ou como são definidas essas
pessoas, o "tanguero viejo", Héctor desmistifica várias crendices
relacionadas ao tango. Não era comum um casal formado por dois homens dançarem
colados nos primórdios do século 19. Também não eram nos prostíbulos onde se
tocavam mais tangos. Isso era simplesmente proibido. Para o autor, os músicos de
tango estavam conectados com as novidades que ocorriam na Europa e nos Estados
Unidos. Assim, Francisco Lomuto, Francisco Canaro, Roberto Firpo, todos tinham
orquestras que tocavam ao mesmo tempo jazz e tango. Essas músicas universais
eram compartilhadas pelas principais emissoras de Buenos Aires, Nova York,
Paris e, lógico, São Paulo e Rio de Janeiro, no século passado. O livro Nueva
historia del tango está disponível na versão digital ebook.
Durante
muito tempo, a Rádio Bandeirantes, de
São Paulo, apresentou o programa Re-fa-si,
sobre tango. A atração era imperdível principalmente para os descendentes
italianos, depois que eles chegavam do trabalho nas fábricas. Eu teria que fazer uma tese para citar todos
os programas sobre tango que foram ao ar. Em 2012, a Rádio Câmara lançou um programa
especial com quatro blocos só sobre o gênero. Produzido e apresentado por Ruy
Godinho, fez um painel interessante para quem quer ter as primeiras lições.
Está disponível no YouTube.
O
jornalista Guilherme Bryan garante que o tango reconquistou o Brasil e ganhou novos adeptos. Na
Argentina, uma figura famosa declarou seu amor pelo gênero: o jogador Lionel Messi. Atualmente,
muita gente viaja para a Argentina para aprender a dança nas casas de
espetáculos e nas academias de dança. O empresário e pesquisador Ney Homero da
Silva Rocha calcula que existem na atualidade 300 praticantes no Rio de Janeiro
e 300 em São Paulo. Nada mal. Existe até uma emissora de rádio em Buenos Aires
que toca tango 24 horas, incrível, não é? Procurem no YouTube: chama-se Radio Tango.
Para
concluir a nossa manhã tangueira, vamos curtir Esta noche me emborracho, de Enrique Sanro Discepolo, na versão de
Lourival Faissal, gravado por Nelson Gonçalves, em 1955. Todo o mundo sabe o significado da palavra emborracho?
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