segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O tango no Brasil


Rose Esquenazi


      Ao pesquisar a história do rádio no Brasil, podemos notar a grande variedade de gêneros que o meio divulgou por suas “mágicas” ondas sonoras. Há muito tempo, venho querendo fazer um estudo sobre o tango no rádio brasileiro. Não é fácil, por isso, recorri a muitos livros, trabalhos acadêmicos e blogs de pessoas que gostam, como eu, de remexer o passado.  Acho curioso saber que hoje existem jovens aprendendo tango. Novos filmes e livros continuam sendo lançados, histórias são lembradas. O tango não morreu. Tanto a grande Rádio Nacional irradiava tangos quanto as  emissoras menores, como a Rádio Progresso de São Paulo divulgavam sucessos que vinham da Argentina e do Uruguai.

            No Rio de Janeiro, programas de rádio eram transmitidos diretamente dos night clubs do Copacabana Palace. As atrações misturavam momentos de glamour e qualidade musical para um público que não podia pagar para frequentar a casa noturna. Vira daqui e dali, encontrei o tango Carlos Gardel, de Herivelto Martins e David Nasser, criado em 1954, e que ouvimos no início dessa participação. Na linda voz de Nelson Gonçalves, está ali o cenário em que atuou o maior intérprete de tango de todos os tempos, Carlos Gardel. O músico pode ter nascido na França, Uruguai ou na Argentina. Até hoje há um grande debate sobre seu lugar de origem. O que ninguém duvida é que ele emprestava a alma ao interpretar essa música sensual que combinava com passos de um casal romântico dançando em uma boate ou mesmo na sala estreita de uma casa no subúrbio. No fim do tango Carlos Gardel, Nelson Gonçalves recita uma poesia bem ao estilo da época, salpicada de tragédias feita de bebida, amores clandestinos, bandolión, amor e pecado.

     Carlos Gardel//Se cantavas a tragédia das perdidas // Compreendendo suas vidas /// Perdoavas seu papel // Por isso enquanto houver um tango triste // Um otário, um cabaré // uma guitarra // Tu viverás também // Carlos Gardel.
        Segundo Lúcia M. Zanetti de Araújo, no blog We love the Beatles forever, todas as estações de rádio de São Paulo tocavam tango em uma determinada época dos anos 50. Pequenas orquestras tentavam imitar a qualidade de Francisco Canaro, apelido de Francisco Canarozzo, conhecido por "Pirincho" Canaro. O violinista uruguaio fazia enorme sucesso com a sua orquestra de tango. Lúcia de Araújo lembra também que um aficcionado pelo tango, o paulistano Jacob Rosemblat, era dono da maior discoteca de tango no Brasil. Com esse interesse, foi o grande divulgador de Carlos Lombardi, cujo nome de batismo era Cármino Lombardo. Carlos cantava de maneira idêntica a Gardel. Era reconhecido como o melhor intérprete do astro. Os dois amigos percorriam as emissoras de rádio para divulgar as gravações tangueiras. Além disso, frequentavam a Churrascaria Rincón Argentino, no bairro Higienópolis, em São Paulo. Carlos Lombardi se apresentava com o Trio Los Gaúchos nas salas de espera dos cinemas no Brasil e chegou a viajar para a Argentina, o que não é pouca coisa.
            Dois anos depois da gravação da música Carlos Gardel, em 1952, Nelson Gonçalves gravou À meia luz, de Carlos Lenzi e Edgardo Donato, com versão brasileira de Lourival Faissal.  Trata-se de um clássico que fala do amor à meia luz dos beijos, em um lugar secreto, perfeito para amantes. Existe cena mais romântica do que essa? 

            Segundo Ney Homero, autor do livro Tango – Uma Paixão Porteña no Brasil, o tango pode ter surgido tanto no Uruguai, quanto na Argentina e até no Brasil. Era uma mistura de valsa, polca, habanera com a cultura africana. A jornalista Alícia Uchôa, do portal G1, acredita que os precursores do tango foram Ernesto Nazaré e Chiquinha Gonzaga. Entre 1870 e 1895, ocorreu “a maior produção nacional”, sendo que só Nazaré tinha mais de 90 partituras de tango. Mas era um tango diferente.
            Segundo os estudiosos, o que atualmente caracteriza o tango é o bandoneón. O instrumento chegou à região do Rio da Prata por volta do ano 1900, nas maletas de imigrantes alemães. Não existem muitas partituras da época porque os músicos de tango não sabiam escrever a música e provavelmente interpretavam sobre a base de melodias já existentes, tanto de habaneras como de polcas.

            A Rádio Cruzeiro do Sul, fundada em 1927, em São Paulo, incluiu em sua programação musical a partir de outubro daquele ano, os discos cedidos pela RCA Victor. Era uma prática muito comum, uma espécie de marketing. Os ouvintes se apaixonavam pela música e acabavam comprando a bolacha de 78 rotações no dia seguinte. Ótima propaganda, não falhava nunca.  Além das músicas das jazz bands, divulgavam-se música clássica e tangos. Na Rádio Nacional, além de Nelson Gonçalves, Dalva de Oliveira, Angela Maria e Emilinha Borba também cantaram tangos. Lourival Faissal fez muitas adaptações, como Mentindo e Desespero. Em 1957, Emilinha Borba gravou pela Continental o tango Desengano. 
  
            Publicado em espanhol em 2015, o livro Nueva historia del tango. De los orígenes al siglo XXI, de Héctor Benedetti, faz uma análise do gênero musical. Grande conhecedor do gênero, ou como são definidas essas pessoas, o "tanguero viejo", Héctor desmistifica várias crendices relacionadas ao tango. Não era comum um casal formado por dois homens dançarem colados nos primórdios do século 19. Também não eram nos prostíbulos onde se tocavam mais tangos. Isso era simplesmente proibido. Para o autor, os músicos de tango estavam conectados com as novidades que ocorriam na Europa e nos Estados Unidos. Assim, Francisco Lomuto, Francisco Canaro, Roberto Firpo, todos tinham orquestras que tocavam ao mesmo tempo jazz e tango. Essas músicas universais eram compartilhadas pelas principais emissoras de Buenos Aires, Nova York, Paris e, lógico, São Paulo e Rio de Janeiro, no século passado. O livro Nueva historia del tango está disponível na versão digital ebook.
            Durante muito tempo, a Rádio Bandeirantes,  de São Paulo, apresentou o programa Re-fa-si, sobre tango. A atração era imperdível principalmente para os descendentes italianos, depois que eles chegavam do trabalho nas fábricas.  Eu teria que fazer uma tese para citar todos os programas sobre tango que foram ao ar. Em 2012, a Rádio Câmara lançou um programa especial com quatro blocos só sobre o gênero. Produzido e apresentado por Ruy Godinho, fez um painel interessante para quem quer ter as primeiras lições. Está disponível no YouTube.
           

            O jornalista Guilherme Bryan garante que o tango reconquistou o Brasil e ganhou novos adeptos. Na Argentina, uma figura famosa declarou seu amor pelo gênero:  o jogador Lionel Messi. Atualmente, muita gente viaja para a Argentina para aprender a dança nas casas de espetáculos e nas academias de dança. O empresário e pesquisador Ney Homero da Silva Rocha calcula que existem na atualidade 300 praticantes no Rio de Janeiro e 300 em São Paulo. Nada mal. Existe até uma emissora de rádio em Buenos Aires que toca tango 24 horas, incrível, não é? Procurem no YouTube: chama-se Radio Tango. Para concluir a nossa manhã tangueira, vamos curtir Esta noche me emborracho, de Enrique Sanro Discepolo, na versão de Lourival Faissal, gravado por Nelson Gonçalves, em 1955.  Todo o mundo sabe o significado da palavra emborracho?

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