No quadro 'O rádio faz história', na Rádio MEC AM, todas as segundas, às 8h40, costumamos falar de compositores
cariocas, mineiros e paulistas que brilharam nas rádios brasileiras. Hoje,
vamos lembrar de um compositor muito famoso do Nordeste, mas que fez sucesso no Rio de Janeiro. O nome dele é Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba. Ouvimos no início do
quadro, a linda música Maria Betânia, com Nelson Gonçalves, gravada em 1945. A música acabou tendo uma história curiosa,
um ano mais tarde. Caetano Veloso, ainda criança, insistiu que a mãe, Dona
Canô, desse esse nome para a filha que estava para nascer em 18 de junho de
1946. Deu sorte! Mas não foi só a famosa cantora Maria Betânia que ganhou esse
nome. Passou a ser febre no país, surgindo muitas Marias Betânias inspiradas na
música de Capiba.
Outra história
interessante é que, nos anos 40, um marinheiro americano gostou tanto da música
Maria Betânia que colocava o disco para tocar sem parar na vitrola no Bar
Gambrinus, na zona portuária do Recife. Mesmo depois de tantos pedidos para que
ele parasse com aquele gesto repetitivo, ele não desistia. O marinheiro acabou
surrado e a eletrola quebrada pelos frequentadores do bar! Nossa, que violência!
Capiba,
que nasceu em 28 de outubro de 1904, teve uma família privilegiada, cheia de músicos. Os
12 irmãos – ele foi o décimo - tocavam algum instrumento. O pai foi maestro da
banda municipal de Surubim e influenciou muito a família, evidentemente. O
apelido é curioso: Capiba significa “jumento teimoso” e todos da família
carregavam o jumento ao lado do nome. Era uma brincadeira bem humorada. Precoce, o Capiba que será mais famoso começou a tocar
trompa aos oito anos de idade. Toda a família se mudou para João Pessoa, na
Paraíba. Ainda criança, passou a trabalhar como músico pianista em cinemas.
Quando soube que a mãe havia morrido, no Recife, Capiba compôs com o irmão
Antônio a valsa 'Lágrimas de mãe'.
Ele teve a sorte de
conhecer um homem rico, criado na Inglaterra, e que amava o Carnaval. Oliver
Von Sohsten passou a financiar orquestras para brincar a festa de Momo. A
partir da amizade entre os dois, foram surgindo bandas carnavalescas
dirigidas por Capiba e financiadas pelo amigo. Em 1931, Capiba fundou a Jazz Band Acadêmica protagonista do primeiro galo da
madrugada. Depois, foi diretor do Teatro do Estudante e
do Teatro Popular do Nordeste.
Capiba também amava o
futebol e jogou como zagueiro no Campinense
Clube. Aos 20 anos, desistiu da carreira de atleta
preferindo a música. O seu primeiro disco incluía a valsa Meu Destino.
Ao passar no concurso
para o Banco do Brasil, Capiba, o Lourenço, se mudou para o Recife onde conheceu
o frevo. Ele tinha 26 anos. Foi ótimo ter um emprego fixo que pudesse garantir
as suas andanças pela música. Ele era pianista, compositor e arranjador. E
ficou conhecido logo no Rio de Janeiro.
Sim. Grandes intérpretes como Francisco Alves, Carlos
Galhardo, Aracy de Almeida e Mário Reis passaram a gravar Capiba. Chico Alves, que
tinha o seu próprio programa na Rádio Nacional, gostava do que o pernambucano
produzia e não perdia tempo. Ele apresentava o repertório de Capiba ao grande
público.
Chico Alves, durante
um tempo, foi dono da Rádio Cajuti, a palavra Tijuca ao contrário. Estabelecida
no Tijuca Tênis Clube, a Cajuti revelou intérpretes importantes, como Dircinha
e Linda Batista e Orlando Silva. E por que Francisco Alves se interessava por
Capiba? O Rei da Voz gravava muito e precisava de material original. Só no ano
de 1928, ele bateu todos os recordes: ele gravou 62 discos e 120 músicas.
Os anos 30 e 40 viveram
a época de ouro do frevo-canção e Capiba se tornou um fixador do gênero. Segundo
o pesquisador Jairo Severiano, no livro 'Uma história da música popular
brasileira', Capiba tornou-se um famoso compositor de renome nacional. Já que
estamos tão próximos do Carnaval, pode-se ouvir no YouTube Mário Reis interpretar o
frevo 'É de amargar', de Capiba, gravação de 1934. A música venceu um concurso carnavalesco.
É uma de suas obras mais conhecidas de Capiba. É bom lembrar que Mário Reis brilhava
na Rádio Mayrink Veiga, emissora popular fundada em 1933, no Rio.
O frevo mais antigo
que se tem notícias é a Marcha nº 1 do Clube Vassourinhas, de 1909, de autoria
de Matias da Rocha. Esse frevo tinha letra, mas não era comum. Só a partir dos
anos 20 é que o frevo-canção, ou seja, o frevo com letra, vai se popularizar.
Jairo Severiano explica que a “prática de cantar nos bailes carnavalescos foi
iniciada no Rio de Janeiro”. Parecia com a marchinha, com sua introdução,
estribilho e segunda parte. Só que o frevo era bem mais animado e mais
vibrante.
Ao lado de Nelson
Ferreira, Capiba compôs os mais lindos frevos-canções. Os mais famosos são 'É
de amargar', que ouvimos agora, 'Manda embora essa tristeza', 'Júlia', 'Gosto
de te ver cantando' e 'Que bom que vai ser'. Mas ele não fazia apenas frevo. É
impressionante a extensão e a variedade da obra musical de Lourenço da Fonseca
Barbosa. Ao morrer em 31 de dezembro de 1997, no Recife, aos 93 anos, Capiba
deixou de herança duzentas canções, frevos, é claro, mas também sambas, sambas-canção e músicas
eruditas.
Como disse antes, ele
não compunha apenas frevos. Capiba deixou a lindíssima 'Valsa verde', de 1932,
que ele escreveu com o parceiro Ferreira dos Santos. Vamos ouvir um trecho com
Raphael Rabelo e Paulinho da Viola. Só
para esclarecer, essa gravação fazia parte do projeto do talentoso Raphael
Rabelo, um dos maiores violonistasdo Brasil. Ele queria recuperar toda a obra
do Capiba. Mas Raphael teve uma morte prematura, em 1995, aos 32 anos. O
projeto foi interrompido por um tempo e depois lançado por outros músicos.
Capiba também se
dedicou ao maracatu, música popular que passou a ser conhecida a partir dos nos
30. A origem do maracatu é antiga e vem dos tempos dos escravos em Pernambuco.
Existem registros, desde o século 15, a instituição dos Reis Negros. Com a
Abolição da Escravatura, explica Jairo Severiano, “a figura do Rei Congo deixou
de existir”. O chefe dos cortejos passou a ser o chefe espiritual dos
babalorixás dos terreiros do culto Nagô. Surgiram várias sociedades chamadas de
nações e até hoje elas representam a tradição africana no Carnaval de
Pernambuco. Entre os compositores desse gênero musical, destaca-se Capiba, com 'É
de Tororó'.
Para mostrar a variedade criativa de Capiba, em 1968, a música 'São os do
Norte que vêm', dele e de Ariano Suassuna, ficou em quinto lugar no V Festival
Internacional da Canção. Em 1971, Capiba foi considerado o patrono do Movimento
Armorial. O Quinteto Armorial se apresentou na Igreja do Rosário dos Pretos em
Recife, dedicando a apresentação a esse grande compositor brasileiro.
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